sábado, 21 de setembro de 2024

A guerra dos dias

Hoje é Dia Internacional da Paz. O Dia Mundial da Paz foi no dia 1 de Janeiro. E não é pacífica a discussão sobre qual é, das duas, a data mais importante e vice-versa.

À escolha

Hoje é Dia do Panda Vermelho. Amanhã poderá ser, quem sabe, Dia do Clio Azul.

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Cabeças há muitas

Foto Hernâni Von Doellinger

Sardinhas de Setembro

Eu costumava ter pena das pessoas que comem sardinhas assadas pelos santos populares, no mês de Junho. Deixei-me disso, porque, depois dos meus sucessivos avisos, só cai nessa quem quer. Por aquela maré do ano, as sardinhas geralmente não prestam, são secas, caras e amiúde do dia anterior, pelo menos. Mas as pessoas gostam, e eu realmente não tenho nada com isso. Posso é informar que boas, boas andam elas agora, agora mesmo, em Setembro, hoje, e dou-lhes de vida, se correr bem, mais dois meses, quem quiser que aproveite.
Aquilo dos antigos de que as melhores sardinhas são as dos meses sem "r" e que pelo São João pinga a sardinha no pão, não liguem, os antigos, a verdade é só uma, fartavam-se de dizer asneiras e mandar encaixilhar. Não. A melhor época para comer sardinhas assadas estamos nela, Setembro e Outubro e às vezes até Novembro - as sardinhas são analfabetas graças a Deus, não diferenciam vogais de consoantes nem lês de rês. E até metem raiva, como diria o meu sogro no tempo dele e delas. Sardinhas "do nosso mar", mais torneirinhas, de olho esperto e a esvaírem-se no seu próprio "azeite".
Sexta-feira, cá em casa, é dia de sardinhada para dois, dia santo. Já cá estão, vivinhas da silva, como se ainda rabiassem, acomodadas debaixo de um pano molhado, à espera de serem assadas por quem sabe, isto é, eu. Sardinhas de prata e com mar dentro, salada de pimento assado, vermelho e carnudo, azeitonas pretas e azedas, broa fresca e vinho tinto, mais nada. E não servimos para fora.

Televisão de faca e alguidar

Os andarilhos estão na moda. E as bicicletas, para outro tipo de clientela. Os andarilhos, as bicicletas e as trotinetas. As cenas de pancadaria, facadas, tiros e mortes entre jovens bandidos, por nada ou por quase nada, também. Sobretudo facadas. A malta nova anda agora toda por aí com naifas, como quem usa boné ou sapatilhas de marca. É. As televisões de faca e alguidar tratam da propaganda, montam o espectáculo, ensinam como se faz. A moda tem muito que se lhe diga. E pode ser fatal.

O barco vem de chegada

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

O Capitão Gancho e o Capitão Iglo

Discutia-se se o Capitão Gancho era pirata ou corsário. Em Fafe discutia-se tudo. Havia ópticas, prismas, enfoques, ângulos, perspectivas e até pontos de vista para o mar. Conversa vai, conversa vem, uns que corsário, outros que pirata, alguns até que contrabandista, moina, ladrão, gatuno, filhodaputa, ó corno!, és pouco boi és!, como num normal jogo de futebol, mas não havia maneira de se chegar a uma conclusão ou, vá lá, como remedeio, a um consenso - e era precisa uma maioria qualificada, isto é: dois terços mais pelo menos uma via-sacra. O animado debate mudou bruscamente de rumo quando alguém recém-entrado a bordo alvitrou que o Capitão Gancho se chamava Capitão Gancho para não ser confundido com o Capitão Iglo dos douradinhos mas sobretudo porque comandava o seu navio, o Jolly Roger, com mão de ferro e vencia o Capitão Iglo quantas vezes lhe apetecesse, aliás como o Super-Homem também é mais forte do que Thor, isso então nem se discute. E não se discutiu. Aprovado por unanimidade, e ali se fez história.
Bebia-se verde tinto, mansamente, que por acaso era uma rica pinga. E ainda há quem diga que nos nossos tascos não se aprende nada...

P.S. - Hoje é Dia Internacional de Falar Como Um Pirata. Aaarrr!...

Piratas de meia-estação

Por outro lado. Corsários são, como se sabe, calças curtas e geralmente ridículas que vão um pouco abaixo dos joelhos. E podem ser chamados também bermudas, sítio de irrevogáveis desaparecimentos, porque isto realmente anda tudo ligado, e daí vem a história do triângulo.
O assunto, como de costume, não era pacífico. Prestava-se, aliás, a discussões mais ou menos geométricas e atlânticas. Com efeito, só o Equilátero acreditava no Triângulo das Bermudas. Era parte interessada, refira-se. O Isósceles e o Escaleno faziam pouco, gozavam o patau, partiam o coco a rir. Sobretudo por causa daquela vestimenta ridícula que não chega a ser calças mas sobeja para calções...

P.S. - Hoje é Dia Internacional de Falar Como Um Pirata.

Passos Perdidos ou Triângulo das Bermudas?

O Parlamento é uma casa de assombros. É assim uma espécie de Cova de Iria ou, vá lá, de Entroncamento, mas em Lisboa e em caro. No nosso Parlamento acontecem os mais variados e extraordinários espantos, a maioria dos quais, porém, não transpira cá para fora, porque o Parlamento, por norma, não transpira, mas também derivado ao segredo de Estado e, em muito raros casos, à vergonha na cara. O mais certo é que no Parlamento haja muita merda abafada, isto é, classificada. Por isso, o que às vezes vaza cá para fora, quando vaza, mete um bocado de nojo, mas é de rir.
Lembram-se, aqui há uns anos? Um documento de 36 páginas com a actualização do Plano Nacional de Reformas ficou esquecido mais de 40 dias na gaveta da então presidente da Assembleia da República, a jovem aposentada Assunção Esteves. Isso, quarenta dias, como Jesus no deserto. O documento tinha sido enviado pelo Governo, também do PSD, chefiado por Pedro Passos Coelho, e já não me lembro como é que se soube do fenómeno. Uma coisa é certa, três dias antes, quatro deputados socialistas da comissão parlamentar de inquérito ao caso BPN estiveram desaparecidos durante cerca de dez horas, deixando sozinha na sala e entregue aos bichos a camarada Ana Catarina Mendes. Após aturadas e angustiantes buscas, Basílio Horta, Pedro Delgado Alves, Pedro Nuno Santos, esse exactamente, e Hortense Martins acabaram por ser encontrados, vivos e livres de perigo, graças a Deus.
Sim, sobreviveram todos!...

P.S. - Hoje é Dia Internacional de Falar Como Um Pirata.

Sei de um capitão pirata

Foto Hernâni Von Doellinger

O rato roeu a rolha

Revoltaram-se os ratos. E pudera. Acusados de serem os primeiros a abandonar o navio, atropelando mulheres e crianças, apontados como sinónimo de cobarde, ladrão, manhoso ou vigarista, introduzidos à força em trocadilhos idiotas e em provérbios e ditos amiúde populares, estavam fartos de levar e calar. Os ratos e inclusive as ratas, muito mais doridas e por maioria de razão.
Revoltaram-se portanto os ratos. Organizaram-se. Chegada a horinha, meteram-se na fila, esperaram pela vez respectiva, marcaram o ponto e abandonaram ordeiramente o navio. Foram os últimos a sair. E apagaram a luz. Já em terra firme, os ratos dirigiram-se sem mais delongas à montanha que os pariu e roeram a rolha da garrafa do rei da Rússia. Todos, menos o Alcides, que era um rato de biblioteca e foi para o Café Avenida beber um dedal de rum e ler com todos os vagares "A Saga/Fuga de J.B.", de Gonzalo Torrente Ballester.

P.S. - Hoje é Dia Internacional de Falar Como Um Pirata.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

O leitor

Ele era um leitor compulsivo. De contadores de água, luz e gás.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Monitorização da Água.

O génio da água destilada

Ele tinha um comportamento aparentemente excêntrico em dias de invernada: saía à rua com o guarda-chuva aberto ao contrário. As pessoas riam-se. Não sabiam que ele era recarregador de baterias...

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Monitorização da Água.

Os influentes

O rio Douro tem muitos e variados influentes em território nacional. Os mais importantes são os rios Côa, Sabor, Tua, Ceira, Varosa, Corgo, Ovil, Paiva, Sardoura, Tâmega, Mau, Arda, Uima e Sousa. São bastante influentes porque eles é que abastecem de água o rio Douro.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Monitorização da Água.

E se o céu for impossível?

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Bombeiros ou comentadores?

Com tantos comandantes de bombeiros armados em comentadores em todas as televisões, incluindo as repetidas, como é que o país, cá fora, no terreno, não há-de estar a arder e a matar sem que se lhe tenha mão?

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

domingo, 15 de setembro de 2024

Eu só queria ir à farmácia

Eram para aí 17h15. Fui à farmácia e perguntaram-me "então o que é que o traz por cá" e eu expliquei, "aconteceu-me isto assim assim e queria ver se me podiam dar qualquer coisa para o meu problema". O meu problema era no olho. Direito. "Ora mostre lá o olho", e eu mostrei, "ui, vai ter de ir ao médico", e eu fui. A pé, da Rua Brito Capelo até ao Centro de Saúde de Matosinhos, que é um pedaço acima da Câmara Municipal.
No centro de saúde fui atendido em menos de uma hora. Perguntaram-me "então o que é que o traz por cá" e eu expliquei "aconteceu-me isto assim assim, fui à farmácia, na farmácia mandaram-me ao médico, e eu vim". "Ora mostre lá o olho", e eu mostrei, "vai ter de ir imediatamente ao oftalmologista, mas, como no Hospital Pedro Hispano não temos urgência da especialidade, pegue lá esta carta e vá ao Hospital de Santo António", e eu fui. A pé até à Avenida Serpa Pinto, apanhei o autocarro 500 até ao Castelo do Queijo, esperei uma hora pelo autocarro 200 e, quando o trânsito me deixou, lá cheguei ao Santo António, no centro ensarilhado da cidade do Porto.
Na urgência fui atendido em menos de um quarto de hora. Perguntaram-me "então o que é que o traz por cá" e eu expliquei "aconteceu-me isto assim assim, fui à farmácia, na farmácia mandaram-me ao médico, o médico mandou-me aqui, e eu vim". "Ora mostre lá o olho, encoste aí o queixo e olhe para esta luzinha", e eu mostrei, encostei e olhei. "Tome lá esta receita, são umas gotas para colocar de duas em duas horas, vá já à farmácia", e eu fui. Estava de volta à casa de partida, passava pouco das 21h45.
Quatro horas e meia de razoável diversão e salutar convívio. E tudo isto pelos módicos cinco euros da taxa que ainda se pagava no centro de saúde, mais as viagens e os quase catorze euros das gotas, que afinal nem precisavam de receita médica, e que estou a pensar meter como despesas de representação. Vou-me queixar de quê?

Gosto de destoar. Sei que tenho o melhor serviço nacional de saúde do mundo. Raramente lhe dava uso, mas frequento-o agora assiduamente e vivo de olhos abertos. Será da idade? E querem saber o que é o nosso Serviço Nacional de Saúde? São as pessoas: os auxiliares, os médicos e os enfermeiros, que todos os dias trabalham no arame e sem rede, que já lhes tiraram há muito, e fazem funcionar uma coisa que na verdade já nem existe, ou, se quisermos ser bondosos, vai morrendo aos bocadinhos. A minha urgência ocular pareceu-me uma desnecessidade, mas as pessoas quiseram fazer bem - são profissionais. E excelentes! Estou-lhes grato e amiúde digo-lhes isso. E faço figas para que me tratem sempre assim mas palminhas, prevenindo em vez de acudir ao que já não tenha remédio. Em todo o caso, palavra de honra, daquela vez eu só queria ir à farmácia.

P.S. - Hoje é Dia do Serviço Nacional de Saúde.

O verdadeiro democrata

Sei de um fafense antigo que, se fosse vivo, andaria agora por aí todo contente a festejar de porta em porta a vitória dos Trabalhistas ingleses. O famoso Castro Mendes de Travassós, o Velhinho, figura incontornável e carismática do antes e após 25 de Abril, desses intensos, gloriosos e dramáticos dias fafenses, era o nosso "trabalhista" de estimação e gritava "ganhámos!", "ganhámos!" sempre que o Labour vencia as eleições ou formava governo no Reino Unido.
O nosso herói era "trabalhista" porque, sendo salazarista, era trabalhador e pelos trabalhadores, isto é, pelo corporativismo fascista, o raciocínio pode parecer demasiado elaborado ou, por outro lado, simplista em excesso, mas não é, nem uma coisa nem outra. Vejamos: Trabalhistas portanto trabalhadores, viva Salazar!, e não era preciso ir mais longe.
A evangélica frase, na hora dos festejos, "Ide por esses tascos abaixo, comei, bebei e... pagai!" é historicamente atribuída a este extraordinário Castro Mendes, que eu ainda contactei no Liceu de Braga, onde ele era funcionário, se não estou em erro, e aliás acamaradei no seminário com um dos seus filhos.
O Velhinho era um figurão. Irredutível nas suas convicções, fiel aos seus inegociáveis princípios, toda a vida foi da situação, fosse qual fosse a situação. Era um campeão da democracia. Ganhasse quem ganhasse, ele ganhava sempre, estava sempre ao lado dos vencedores. Era, a esse propósito, um intrépido praticante de varandismo e inflamado mandador de Vivas! Já no tempo da democracia, cheguei a vê-lo actuar na varanda do PS, em Fafe. Para além disso, sabia muito bem o que fazia e porquê, tinha um enorme sentido de humor e eu achava-lhe um piadão.
O varandista Castro Mendes era irmão do professor António Castro Mendes, considerado uma das maiores autoridades nacionais no ensino do Português, Latim, Grego ou Aramaico. Eram muito parecidos fisicamente, na marotice e até na tessitura vocal, abrangente, metálica, megafónica. Antigo padre e pregador afamado, o Dr. Castro Mendes foi meu mestre e amigo no Liceu de Guimarães. Falava, cheio de orgulho, do seu "melhor aluno de sempre", que não era eu, obviamente, eu era uma nódoa a Latim, mas um "rapazinho" também de Fafe chamado Luís Marques Mendes e a quem o experimentado professor, há quase 50 anos, augurava um grande futuro, apontando-o aos lugares mais altos da Nação. E estava certo.

P.S. - Publicado originalmente no meu blogue Fafismos, em Julho, sob o título "O trabalhista fafense", a pretexto do resultado das eleições no Reino Unido. Hoje é Dia Internacional da Democracia.

Cadeiras de sonho

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 14 de setembro de 2024

Cada um tinha a sua cruz

Levava um banquinho de madeira e sentava-se em Cima da Arcada, de guarda-sol aberto, em dias assim-assim, e um caderninho de folhas quadriculadas, todos os dias. Se por acaso invernasse, o guarda-sol chamava-se guarda-chuva. Mas ele. Ele espertava os olhos cansados, via sair, e tomava nota. Saíam do Mário da Louça, do Damião Monteiro, do Império, do Fernando da Sede, do Foto Jóia, do Talho Novo, do Romeu, da Caixa, do Martins da Avenida, do Rabeca, da Câmara, do Café Avenida, da Peninsular, do Moniz Rebelo, das camionetas do João Carlos Soares, da Juditinha, do Sanica, do Casinhas, da Senhora Eufémia, do Américo das Bicicletas, do Alfredo Sapateiro, das Lobas, do Club, da Pacata, da Loja Nova, da Casa da Cera, dos Armazéns Cunha, do Banco, do Martins Relojoeiro, da Electra, do Manel do Campo, até saíam do Escondidinho. Saíam, e ele registava a lápis lambido, mão trémula porém infalível. Analfabeto de nascença, utilizava a técnica do Miguel Cantoneiro, ecumenicamente adaptada: uma cruzinha para os pobres e desiludidos como ele, uma cruz para os menos mal da vida e um cruzeiro para a dúzia e meia de cagões locais. À noite, em casa, depois da sopa e antes do terço, fazia a soma das cruzes, por escalões, comparava com os dias anteriores, as contas todas certinhas, noves fora nada, anotava as variáveis e arquivava tudo no saco de serapilheira debaixo da cama. Aos domingos de manhã, em vez de ir à missa, fazia uma pequena fogueira e queimava a papelada enquanto assobiava vigorosamente o hino de Fafe, "Fafe querido", mas de trás para a frente. Chamavam-lhe o Vigilante. Talvez vigilante da natureza. Da natureza humana. Diziam que ele tinha um parafuso a menos, que era doudo, para o que lhe havia de dar, ser contador de pessoas. Ele dizia, porém, que era contador de anedotas...

P.S. - Hoje é Dia da Santa Cruz.

Castigo máximo

Amigo não empata amigo. E foram a penáltis.

P.S. - O primeiro penálti da história do futebol foi marcado no dia 14 de Setembro de 1891. Autor da façanha, John Heath, no jogo da Taça de Inglaterra em que o Wolverhampton venceu o Accrington por 5-0.

Epifania

Ele viu a Luz. Viu e disse: - O Dragão é mais bonito.

P.S. - O novo Estádio da Luz, com capacidade para 120.000 pessoas, foi apresentado à imprensa no dia 14 de Setembro de 1985.

Quién es aquel Caballero herido por tantas partes?

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

O ânus da prova

Eu, por exemplo, digo doénte em vez de doênte. Digo mãe em vez de máim. Digo meio quando é meio e não maio. Digo têlha quando é telha e não talha. Digo coêlho quando é coelho e não coalho. Digo cóio em vez de côio. Digo frónha em vez de frônha. Digo cachicha em vez de caxixa. Digo ferraménta em vez de pénis. Quer-se dizer: digo como era costume dizer-se na terrinha. Resultado: chamam-me parolo, labrego, matarruano, riem-se de mim.
Já o outro, urbanita de grande metrópole, frequentador de mundo e telejornais, ajeita delicadamente os botões de punho de dezoito quilates, afaga a gravata hermès sofisticada e cara, faz biquinho e diz, finíssimo porém acutilante, ânus da prova. Ânus da prova, é o que ele diz na televisão de esgoto! Ânus da prova para aqui, ânus da prova para ali, enche a boca de ânus da prova! E chamam-lhe ó-doutor, jurista, comentador, especialista em molduras penais e em penicos de esmalte. E ninguém se ri.

Por outro lado. "A minha pátria é a língua portuguesa", escreveu o nosso Fernando Pessoa. "A Pátria não é a raça, não é o meio, não é o conjunto dos aparelhos econômicos e políticos: é o idioma criado ou herdado pelo povo. Um povo só começa a perder a sua independência, a sua existência autônoma, quando começa a perder o amor do idioma natal. A morte de uma nação começa pelo apodrecimento da língua", escreveu Olavo Bilac, o brasileiro e sensato.
Bilac (1865-1918) e Pessoa (1888-1935). Não quero saber aqui quem é ovo ou quem é galinha, nem me interessa como assunto, de momento, o miserável, escusado e alegado acordo ortográfico. Lembrei-me foi dos professores doutores da mula ruça, traidores à pátria, que enchem a boca de "periúdos", de "interésses", de "rúbricas", de "perzeveranças", de "mediúcres". Enchem a boca e apodrecem a língua. Apodrecem a língua e matam a nação.

António Costa, por exemplo. Já era tempinho de aprender a falar português, depois de, em 2015, ter aprendido a não falar mandarim. Em São Bento e no Largo do Rato ninguém lhe soube deitar a mão e pôr pimenta na língua, espero bem que agora lá pelos corredores e gabinetes do Conselho Europeu apareça alguma alma caridosa que ensine ao nosso ex a basezinha das regras de concordância, alguém que pelo menos o proíba de comer sílabas enquanto fala. Falar com a boca cheia é, para além do mais, falta de educação.

P.S. - Uma equipa de cientistas japoneses ganhou o Prémio IgNobel, depois de ter descoberto que os mamíferos conseguem respirar pelo ânus. Sim, aqui é mesmo ânus. Os especialistas do sol nascente defendem que esta seria também uma excelente saída para os humanos em casos de emergência, nomeadamente em situações de dificuldade respiratória ou quando os ventiladores não estão disponíveis ou são inadequados.

Por muitos e bons

Foto Hernâni Von Doellinger

Fernando Teixeira dos Santos, o encomendador da troika, faz hoje anos. O ministro das Finanças de José Sócrates nasceu no dia 13 de Setembro de 1951, portanto é só fazer as contas, como diria o Guterres. Eu não sabia o que havia de fazer a esta fotografia, e, pronto, está feito.

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Palavra do senhor

Foto Hernâni Von Doellinger

A senhora sentada à minha frente faz croché - que raro! Eu leio um livro. O resto do metro espreita o telemóvel, fala para o telemóvel, escreve no telemóvel, joga no telemóvel, tira selfies com o telemóvel, põe o telemóvel entre pernas, aconchegadíssimo às intimidades, em alarmante modo de vibração. O metro inteiro é um telemóvel amarelo de duas carruagens, dois refractários e razoáveis orgasmos. Como quem não quer a coisa, a senhora sentada ao lado da senhora sentada à minha frente que faz croché desvia um olho do telemóvel e procura-me a capa do livro. Chega lá. Abana a cabeça, sentenciosa, faz cara de caso, deita-me uns olhos, ambos, num misto de decepção e de censura. Percebo-a: não leio José Rodrigues dos Santos. Leio "Poesias Completas & Dispersos", de Alexandre O'Neill, calhamaço como os do outro, mas calhamaço sem culpa de autor, calhamaço que dá gosto. Folheio-o com o respeito e o cuidado de quem folheia uma bíblia. E é. Vou naquela parte em que O'Neill me diz "A estouvaca": deitada atravessada / na estrada / a malhada / vai ser atropelada / foi. Palavra do senhor.

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Croché.

As doenças têm dias

Hoje é Dia Europeu da Enxaqueca, amanhã é Dia Mundial da Sépsis, depois de amanhã é Dia Mundial da Dermatite Atópica e domingo, se Deus quiser, será Dia Mundial do Linfoma. Dá-me jeito assim, as doenças. Um dia de cada vez, tem de ser...

Mais vale só...

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

O bombeiro profissional

Ele era um bombeiro verdadeiramente profissional. Só aceitava incêndios das 9h às 13h e das 14h às 17h, de segunda a sexta-feira. Fora do horário de expediente, que ligassem aos voluntários!

P.S. - Hoje é Dia Nacional do Bombeiro Profissional.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

E se fossem lamber sabão?

Foto Hernâni Von Doellinger

A rede de carros eléctricos da STCP resume-se a duas linhas e chama-se, hoje em dia, Porto Tram City Tour, está-se logo a ver porquê: é produto para camones. A STCP é a Sociedade de Transportes Colectivos do Porto, E.I.M., S.A. Isso. A STCP informa que o PTCT "é um ex-líbris incontornável da cidade do Porto". Do Porto - como o célebre vinho. E decerto por isso é que o eléctrico da Linha 18, ou Linha da Restauração, exibe garbosamente as cores do irlandíssimo uísque Jameson.
Que fique registado - eu não tenho nada contra o uísque Jameson, antes pelo contrário. Aliás, se o uísque em geral não soubesse a sabão e se eu gostasse de uísque, era Jameson que beberia. E bebi durante algum tempo, por armanço puro e sem gelo.
Aqui há coisa de trinta anos estive lá, na Old Jameson Distillery, em Dublin, ou na The Jameson Experience Midleton, em Cork - isso é que já não sei precisar, porque os ares da Irlanda, pelo que percebi daquela vez, para além de fazerem muito mal ao fígado, também não são grande coisa para a memória. Mas quase que posso jurar que estive lá, e fiquei convencido. O Jameson foi o único uísque que alguma vez pedi pelo nome, mais que não fosse para ex-pli-car ao resto do balcão que eu... estive lá. Depois cheguei à idade de ganhar juízo, e ganhei. Aprendi o vinho.

(Já aqui contei: havia o sabão azul, o sabão rosa e o sabão amarelo. O sabão azul era o sabão macaco, para lavar roupa de barba rija, o sabão rosa já naquele tempo era para peças mais delicadas e o sabão amarelo era para lavar as escadas e os soalhos, que, em muitas casas, depois eram encerados. E havia também o sabão para lamber, que eu nunca soube de que cor era nem que sabor tinha, mas era o que a minha mãe me mandava fazer, - Vai lamber sabão!, quando eu andava à roda dela a arengar conversa sem assunto.)

Posto isto, permito-me continuar inclinado a afirmar, aguardando entretanto comprovação laboratorial, que é com sabão de lamber que se faz uísque. Anda portanto meio mundo a lamber sabão, e era também ao que deveriam dedicar-se as cabeças da STCP que têm a distinta lata de deixar colar publicidade a uísque num "ex-líbris incontornável da cidade do Porto". Do Porto - como o célebre vinho. Nem que fosse o Três Velhotes, que o meu avô da Bomba guardava ou escondia na mala de enxoval, no quarto, mesmo em frente à cama, aferrolhada a sete chaves e ali debaixo de olho, somando todos os anos mais duas ou três, dadas ou abafadas, nunca percebi a razão daquele desenfreado açambarque. E nunca molhei o bico.
Devia ser só o prazer de não dar. E deviam ser milhões de garrafas na mala quando o meu avô morreu. E o meu avô da Bomba deve ter morrido bastante satisfeito.

Eu sei. O vinhinho em questão, modesto mas honrado, chama-se apenas Velhotes, mas o povo, que percebe muito bem os desenhos, chama-lhe desde sempre Três Velhotes. Nunca percebi por que razão produtores e distribuidores não lhe mudam o nome, aproveitando a abébia da publicidade popular. Quanto a isso, porém, Cálem-te boca...

P.S. - Obra do Marquês de Pombal, a lei que estabelece a primeira região demarcada no mundo para a produção de vinho - o vinho do Porto - e cria a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, com sede na cidade do Porto, foi assinada pelo rei D. José I no dia 10 de Setembro de 1756.

Import-export

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Águas mil

Era um bêbedo que realmente sabia estar. Cada vez que se urinava pernas abaixo, ele dizia, sem perder a compostura: - Rebentaram-me as águas. Levem-me à maternidade, por favor!

Grávidas de gémeos

As grávidas de gémeos dão à luz entre 21 de Maio e 20 de Junho.

Maria já não vai com as outras

Enquanto Maria ia com as outras, bem ia. O pior foi quando foi com o outro, só para provar. Resultou grávida de seis meses e agora as outras já não a deixam ir.

P.S. - Hoje é Dia da Grávida. Ou Dia Mundial da Grávida. Em Portugal, Dia Nacional da Natalidade.

Zatamente, mano, "já mais"!...

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 8 de setembro de 2024

As qualidades de Pedo Santana Lopes

Pedro Santana Lopes disse hoje às notícias que tem as qualidades necessárias para ser Presidente da República. Fui averiguar: realmente, Santana Lopes é cidadão português, goza de capacidade eleitoral e tem mais de 35 anos. Tirante isso, e procurei muito bem, não vejo mais nada.

Bastante desagradável

- Está bastante desagradável.
- Você também.
- Eu referia-me ao tempo.
- Eu não.

Concelhos de mãe

Cátia Soraia entrou na universidade e, mal se instalou, mandou uma mensagem à mãe a pedir um concelho. A mãe, que é rica e boa alma, enviou-lhe Freixo de Espada à Cinta.

Se um elefante...

- E tive assim tipo uma reacção pélvica, passei-me...
- Reacção quê?
- Pélvica. Tipo à flor da pele, tás a ver? Pélvica.
- Queres dizer epidérmica?
- Não, essa cena é dos elefantes. Pélvica. Diz-se pélvica. Dããããã!...

Missais terra-ar

Portugal acaba de enviar missais para a Ucrânia. Pequenos missais de rito bracarense praticamente novos. As ordens eram para mandar mísseis, mas alguém da intendência fez confusão ao aviar a encomenda.

Dores artroses

Ele padecia de "dores artroses". E também de evidente analfabetismo.

Copiosamente

- Eu chovo, tu choves, ele chove...

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Literacia. E Dia Internacional da Alfabetização.

Em risco de extinção

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 7 de setembro de 2024

Um bigode em forma de talvez

Tinha um belo bigode. Elegante, ralo, fino, um bigodinho talvez à Errol Flynn. Nada de assombroso realmente, mas para mulher não estava mal...

As barbas de molho

Até que um dia, de tanto ouvir falar naquilo, ele pôs as barbas de molho. Mas nunca soube para quê. Se ainda fosse bacalhau! Ou, vá lá, pelo menos uns tremoços...

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Barba.

Puxando pela vida

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Os Dalton, uns e os outros

Os irmãos Dalton eram oito, quatro de cada vez. Começaram por ser Bob, Grat, Bill e Emmet, mas morreram, faz de conta, e foram substituídos pelos primos mais à mão, os impagáveis Joe, William, Jack e Averell. Estes quatro eram bastante filhos da mãe, da Mãe Dalton, vestiam-se às risquinhas amarelas e pretas como se fossem uma extravagante claque da AD Fafe, deslocavam-se em escadinha, sempre do mais pequeno para o maior ou vice-versa, e Lucky Luke fazia-lhes a vida negra.
Houve também o bando dos Dalton a sério (à séria, se lido em Lisboa). Eram especialistas em bancos e comboios, actuaram com assinalável sucesso no Velho Oeste americano entre 1890 e 1892 e chamavam-se Tim Evans, Bob Dalton, Grat Dalton e Dick Broadwell. Foram abatidos pela polícia durante o assalto a uma dependência bancária em Coffeyville, Kansas, e tiveram todos um lindo enterro.
Há ainda a registar Dalton Trumbo, tão excelente quanto controverso romancista e argumentista norte-americano, Timothy Dalton, aquele actor galês e fraquinho que fez por engano dois 007, o Dalton Ico e o Dalton Trevisan, famoso escritor brasileiro entendido em vampiros e ganhador dos prémios Camões e Machado de Assis, entre outros. O mais destacado membro da família terá sido, no entanto, o cientista inglês John Dalton (1766-1844), químico, meteorologista e físico, um dos primeiros a defender que a matéria é feita de pequenos nadas, os átomos, e inventor da "lei das proporções múltiplas", melhor chamada Lei de Dalton evidentemente para não se confundir com a Lei de Ohm.

P.S. - A 6 de Setembro de 1803, faz hoje 221 anos, John Dalton, o cientista, começou a usar símbolos para representar os átomos de diferentes elementos. Curiosamente, Dalton festejava nesse dia o seu trigésimo sétimo aniversário.

A orgia e o seu princípio

No meio da confusão, alguém disse: temos de ser uns para os outros. Ou talvez: faz ao teu próximo o que gostarias que te fizessem a ti. E assim começou a orgia.

Uma questão de compasso

- Une valse à mille temps... - disse ela, prometedora e coquete, fazendo rodar a saia plissada. - Eu não! - disse ele, apressado e javardo, arriando calças e cuecas...

É hoje! É hoje! É hoje!!!

O grande Juca Chaves, menestrel brasileiro recentemente desaparecido, costumava contar mais ou menos assim, nos seus impagáveis espectáculos satírico-humorístico-musicais:

Durante um simpósio internacional de sexo, o conferencista pediu o máximo respeito da plateia e perguntou:
- Por favor, aqueles que fazem amor 30 vezes por mês, levantem a mão!
- Eu!... Eu!.. Eu!... Eu!... Eu!... Eu!... Eu!...
- Aqueles que fazem amor duas vezes por mês...
- Eu!... Eu!.. Eu!... Eu!... Eu!... Eu!... Eu!...
- Uma vez por mês...
- Eu!... Eu!.. Eu!...
- Uma vez por trimestre...
- Eu!...
- Uma vez por semestre...
- ...
- Uma vez por ano...
E um velhinho, eufórico:
- Eu!, eu!, eu!, eu!, eu!, eu!, eu!, eeeeeeeu!..
- Mas porquê tanta euforia?
- Porque é hoje! É hoje! É hoje!!!

P.S. - Hoje é Dia do Sexo.

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Há bar e bar

Foto Hernâni Von Doellinger

Há bar e bar

Bar Aço
Bar Afunda
Bar Afusta
Bar Alho
Bar Ão
Bar Atinado
Bar Ato

Bar Ba
Bar Bacã
Bar Bante
Bar Bárie
Bar Batana
Bar Bearia (ou cervejaria, em estrangeiro)
Bar Beita (de Cima e de Baixo)
Bar Bicacho
Bar Bichas (e outras idiossincrasias)
Bar Bitúrico 

Bar Carola
Bar Cu
Bar Damerda
Bar Ítono
Bar Lavento

Bar Baquim
Bar Celos
Bar Bosa
Bar Dino
Bar Inho
Bar Isto
Bar Queiros
Bar Tinho (o constipado)
Bar Tolo
Bar Rabás
Bar Reiro
Bar Roso

Bar Aneante
Bar Boto
Bar Celete
Bar Demar
Bar Keley

P.S. - A respeito da demolição ou não do Bar do Fojo, em Fão, que anda aí pelas notícias.

Eram pobres e tinham dono

Virtudes teologais
Fé, esperança e caridade.
A fé move montanhas.
A esperança é a última a morrer.
E a caridade tem dias.

Antigamente a caridade tinha dia certo e era um descanso. Pelo menos em Fafe. Às sextas-feiras, vamos supor, os pobres manquelitavam de porta em porta pedindo "uma esmolinha por alma de quem lá tem". Os pobres da parte de fora da porta eram uns desgraçados muito rotos e muito sujos e eram assim para se distinguirem dos pobres da parte de dentro da porta, que já tinham em cima da "cristaleira" umas moedinhas negras separadas e preparadas para a função. Éramos todos pobres, dum e doutro lado da porta, uns mais, outros menos, e, à falta de quem governasse por nós, em Lisboa ou na Câmara, porque ainda não havia Europa, nada mais nos restava senão sermos uns para os outros. Às sextas-feiras, vamos supor. O resto da semana, não.
(A "cristaleira" tinha sido comprada em terceira mão e paga em honradas prestações mensais.)
Naquele tempo os ricos tinham os seus próprios pobres, privativos, pessoais porém transmissíveis. Os pobres eram deixados em herança. Ter pobres por conta era, pelo menos em Fafe, inequívoco sinal exterior de riqueza. Os pobres eram exibidos, bastas vezes à porta da igreja, como gado preso à argola do tasco em dia de moscas e feira semanal. Para o senso comum, quantos mais pobres alguém tivesse, mais rico era. Os pobres eram, portanto, uma medida de riqueza e uma necessidade da Nação para que os ricos prosperassem. Quantos mais pobres Portugal tivesse e quanto mais pobres fossem os pobres portugueses, mais ricos seriam os nossos ricos, e isso certamente era bom para o Produto Interno Bruto.
Isto é: a pobreza convinha-nos, aos pobres. A pobreza era o progresso da Nação. O regime ensinava-nos desde os bancos da escola que felicidade era sermos pobres mas honrados e termos as unhas das mãos sempre limpas. E isso deixava-me cheio de pena dos ricos, infelizes, principalmente dos ricos muito ricos que ainda por cima tinham as mãos sujas.
(Os ricos, pelo menos os de Fafe, não davam a roupa nem o calçado que já não lhes serviam. Vendiam a roupa e o calçado, a pronto, aos pobres da parte de dentro da porta. Vendiam. Os pobres da parte de dentro da porta, passados alguns meses de uso, davam aos pobres da parte de fora da porta a roupa e o calçado que tinham comprado a pronto aos ricos. Davam. Às sextas-feiras, vamos supor. O resto da semana, não.)
Graças a Deus, isto era só antigamente.

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Caridade.

September morning

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Os pontos nos ee

"Sexualmente falando, és imprestável", disse ela. "Tá bem", disse ele, e foi organizar-se com a vizinha. Ele percebera "emprestável". São coisas que acontecem...

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Saúde Sexual.

Já não vamos para velhos

A verdade é esta: biblicamente falando, Moisés viveu até aos 120 anos, Jacob até aos 147, Abraão até aos 175, Adão até aos 930, Noé até aos 950, e Matusalém, filho de Enoque, pai de Lameque e avô de Noé, faleceu de repente aos 969 anos. Antigamente era assim. E agora? Agora andamos à rasca para chegarmos aos sessenta e damos graças a Deus se alcançarmos os setenta, embora a esperança média de vida na Europa ronde os oitenta e dois. Regra geral, metemos os papéis para a reforma e morremos logo a seguir. O que estará por trás desta alteração tão radical? Glaciares, asteróides, falta de médicos de família ou tão-só falta de fé, não tenho a certeza, mas creio que a segurança social também já não aguentava tanto profeta...

P.S. - Hoje é Dia de São Moisés. O profeta Moisés nunca foi canonizado, portanto não é oficialmente santo, mas pronto, é assim que ele é celebrado.

A sarça ardente

Quando Moisés disse, todo vaidoso, "A minha vida dava um filme", Deus ficou bastante chateado, pegou lume ao monte e proclamou: - Agora apaga-o, que o Noé gastou-me a água toda.

terça-feira, 3 de setembro de 2024

Et al.

Foto Hernâni Von Doellinger

Não me descartes, não me aristóteles, não me sócrates, não me parménides, não me pitágoras, não me diógenes, não me tales de mileto e assim sucessivamente...

Ao quadro

Instalava-se um certo desconforto na aula sempre que o professor chamava o Gregório...

P.S. - Hoje é Dia de São Gregório.

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Ó filha, se mo desses!...

Era uma senhora de idade, e quando digo senhora de idade quero dizer uma senhora um bocadinho mais velha do que eu, que também sou um senhor de idade. A senhora estava aflita no multibanco, à boca da rua, uma das mais frequentadas do centro de Matosinhos: pretendia consultar o movimento da conta, a opção não se encontrava disponível, a máquina não dava talões, ela queria vir embora mas não sabia o que fazer para reaver o cartão, que continuava enfiado lá nas profundezas da ranhura. A senhora pediu ajuda a quem passava e uma alma caridosa mandou-a carregar na "tecla vermelha", ela carregou, nervosa, atabalhoada, enganou-se, tornou a carregar e enquanto isso já a máquina lhe solicitava, em alta voz, feminina e maviosa, "Por favor, retire o seu cartão!", solicitou uma, solicitou duas vezes, "Por favor, retire o seu cartão!", impaciente, acusadora, e a senhora, de cabeça perdida, respondeu-lhe no mesmo tom, em desespero de causa - Ó filha, se mo desses!...

P.S. - O Multibanco começou a funcionar no dia 2 de Setembro de 1985.

Acampado no multibanco

Sabe aquele senhor que vai à sua frente ao multibanco e paga a água e paga a luz e paga o gás e paga o telefone e paga a tv cabo e paga a prestação do colchão ortopédico e paga a consulta do cardiologista e paga o IUC e paga o IMI e paga o IRS e paga o seguro do carro e paga o lar da sogra e paga o infantário dos netos, que são seis, todos em infantários diferentes, e paga o condomínio dos filhos, que são quatro, todos em condomínios diferentes, e procura nos bolsos e mete nos bolsos e não tem bolsos que cheguem e está sempre a enganar-se e a anular e a recomeçar as operações? Sabe? Calhou-me um desses hoje, e estou aqui fraquinho, fraquinho, fraquinho. Na próxima que eu precise mesmo de ir ao multibanco, levo cadeira e lanche.

domingo, 1 de setembro de 2024

Quem vê caras não vê orações

Foto Hernâni Von Doellinger

Um daqueles famosos restaurantes de peixe na brasa aqui ao lado, na Rua Heróis de França, Matosinhos, estais a ver, já vos chegou o cheiro? Ainda é cedo. Pouco passa das oito da manhã, uma velhinha varre cerimoniosamente a esplanada que por acaso é passeio ocupado com ordem municipal. Asseada como se fosse domingo, a velhinha, corpo franzino, cabelos brancos de neve, ajeitados à moda da televisão, uma carinha doce, redonda como um minúsculo sol resplandecendo bondade, olhos apontados ao chão, espertos, criteriosos, os olhos, a velhinha varre varre, vagarosa e competente. Varre varre vassourinha, se varreres bem dou-te um vintém, se varreres mal dou-te um real. Se os anjos varressem e fossem velhinhas, e competentes, eram ela certamente e varreriam assim mais ou menos. A rua naquele sítio àquela hora éramos a velhinha e eu. Eu, que venho de mercar sardinhas madrugadoras e vivas, estremeço de comoção.
Varre varre a velhinha doce e cerimoniosa, olhos espertos e belos. Olhos que não enganam. Bondosos. Cara de sol, de anjo. E diz, a velhinha, como se fosse um mantra ou, vá lá, a recitação do terço: - Filhos da puta! Era mas é fodê-los! Mandá-los a todos prò caralho! À puta que os pariu!...
É. Ninguém diga que está livre.

P.S. - Hoje é Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação.