sexta-feira, 30 de abril de 2021
O Mais-valia
O Oliveira
Era de abraços
Eles não sabem que o sono
Dormia, por norma, dezasseis ou dezassete horas, consoante fossem dias ímpares ou pares, respectivamente. Ia ao emprego marcar o ponto de saída e era alvo de todas as críticas, atacado por patrões, colegas e até pelo sindicato. Defendia-se, filosoficamente: - Vocês não sabem que o sono é uma constante da vida, tão concreta e definida como outra coisa qualquer?...
Fundo do desemprego
Funcionário brilhoso
Profissional de mão-cheia, empenhava-se a cem por cento no emprego. Fazia tudo e fazia tudo bem. "Tenho muito brilho no meu trabalho", costumava dizer.
Ponto de honra
Teledesemprego
"Isto sem público nos estádios, o teledesemprego é uma seca!", queixava-se o Acúrsio, e suponho que com razão.
Teletrabalho
Os restaurantes reabriram e o arrumador de automóveis
saltou imediatamente para a rua, apresentando-se ao serviço. Estava
farto de orientar estacionamentos a partir de casa...
Teledesemprego 2
Está em casa em
teledesemprego. Faz horário das dez da manhã às oito da noite.
Perguntem-lhe sobre programação da RTP1! Sabe tudo.
Telessexo
É muito à frente, ele. Não esperou pela pandemia nem precisou das indicações do Governo. Há mais de trinta anos que pratica, e com resultados francamente satisfatórios.
Quando o 1.º de Maio era no dia 28 do mesmo
Antigamente o 1.º Maio era no dia 28 do mesmo. Quando digo antigamente
quero dizer antes do 25 de Abril de 1974, que já é antigamente que
chegue - que o confirmem os deputados da nação, cujos mais de um terço
ainda não tinham nascido quando a coisa se deu. Um por exemplo: o
estádio do SC Braga na Ponte, antes da extraordinária Pedreira do
arquitecto Souto Moura, chamava-se Estádio 28 de Maio. Por questões
políticas e não de calendário litúrgico, rito bracarense: chamava-se 28
de Maio glorificando o golpe militar que naquela data, em 1926, derrubou
a Primeira República e abriu caminho à ditadura do Estado Novo. De
corte fascista, o Estádio 28 de Maio, que ainda está de pé, tentava
aparentar-se e rivalizar com o Estádio Nacional, no Jamor, ou em
Oeiras, consoante a dor de cotovelo de cada qual, e foi inaugurado, em
1950, por Salazar e Carmona, que assim dito até parecem uma alegre
sociedade de costureiros. Veio a revolução dos cravos e o estádio mudou
de nome, passou a chamar-se Estádio 1.º de Maio, viva o Dia dos
Trabalhadores, viva a classe operária!, mais ajuizado seria que se
tivesse chamado sempre Campo da Quinta da Mitra.
Em todo o caso, como já escrevi aqui, mudar o nome do velho estádio de
Braga, de 28 de Maio para 1.º de Maio, só demonstra (num raciocínio
assumidamente palerma e suinamente fascistóide) que a Outra Senhora
levava 27 dias de avanço em relação a Esta Senhora e que as revoluções
cometem-se sobretudo e quase só para mudar os nomes das ruas, praças,
pontes, estádios e outro imobiliário.
Querem outro por exemplo? O Estádio 25 de Abril, de Penafiel. Antes da
"política", aquele terreiro chamava-se Campo das Leiras. Que mal é que
tinha o nome?
O 28 de Maio de 1926 foi praticamente como o 25 de Abril de 1974, mas em
versão fascista. Começou em Braga e chegou a Lisboa atrás do cavalo
branco de Gomes da Costa, uma espécie de chaimite daquele tempo.
Antes do 25 de Abril, os 28 de Maio eram celebrados com desfiles, por
assim dizer, militares: Mocidade Portuguesa, Legião Portuguesa,
certamente bombeiros e escuteiros, provavelmente ranchos folclóricos e
evidentemente soldados propriamente ditos. A Veneranda Figura lá estava,
mas o de Santa Comba se calhar não, porque constipava muito de saísse à
rua e o povo fazia-lhe espécie. Havia discursos, condecorações e
sobretudo muitas fanfarras, a bem da Nação. O bom povo português
assistia a tudo patrioticamente embebecido, se não me engano com
aguardente, porque as cerimónias eram de manhã.
Uma vez eu também lá fui. Estava no seminário, em Braga, e os padres
levaram-nos. Fomos portanto levados. Gostei muito, porque o meu tio Zé
de Basto era corneteiro na fanfarra do Regimento de Infantaria 8 e eu já
não o via há uma temporada. Pusemos a conversa em dia.
Resumindo e concluindo: Portugal continua a ser o mesmo, só o tio Zé é que já não anda na tropa...
quinta-feira, 29 de abril de 2021
O último dos Bernardinos
Já sabem, eu não posso ver na rua bandas de música ou grupos de
zés-pereiras, que me perco. Sigo-lhes os passos, esqueço-me da vida, já
não sei que recado ia fazer. (Eram quatro ou cinco pães? Ou seriam
bananas?) Os "trampolineiros" da minha infância alegram-me os dias da
madureza, descompassam-me o bater do coração, tornam-me a Fafe e à
pureza original, comovem-me. Queria que houvesse discos pedidos para
poder encomendar todos os dias o "Resineiro" cantado de mansinho mas
bem picada de tasco em tasco. Queria pedir desculpa por ignorantemente
lhes ter chamado "trampolineiros", coisa feia. Eram, são,
tamborileiros. Os tamborileiros da minha alegria triste. E portanto cá
vai mais uma vez, versão refinada e aumentada:
O meu avô Bernardino Neques, que nunca aceitou copo dado e levava tudo à
frente na hora da pancadaria, tinha o seu lado musical. Desunhava-se
satisfatoriamente com a concertina e o acordeão, e já velhinho veio-lhe
a mania do violão, lembro-me que com alguma falta de jeito, Deus me
perdoe se estou a ser injusto. Esqueçamos, porém, o violão, o acordeão e
a concertina, que foram só para meter conversa. Tornemos aos bombos, à caixaria.
O Neques do meu avô Bernardino não era de baptismo. O verdadeiro nome do
meu avô de Basto era Amigo Pereira - assim lhe chamava toda a gente
por essas feiras e romarias ali à beira, a começar pela Lagoa, onde ele
varria o terreiro com o varapau de lódão girando por cima da cabeça
como ventoinha de helicóptero, e suponho que não é preciso dizer mais
nada para que se perceba de que marca era o homem. (Mas vou dizer:
quando fazia de jogador do pau e estava decentemente avinhado, o meu
avô tinha um grito de guerra que era "Olraitecamoniésse!". E tinha um cão de pele e osso ao qual dera o nome de Tuísta, que queria dizer Twist.
O meu querido avô era anglófilo americanado e não sabia. De americano, o
Bô só conhecia o vinho, e talvez o João massagista, mas desta parte não
tenho a certeza.) A alcunha que ficou famosa, Neques, veio-lhe do tempo
de moço, contava-se, quando rufava a bom rufar na caixa, honesto
instrumento por onde começou na arte. E tocava naquele ritmo que ele
gostava de explicar como neque-neque-neque, neque-neque, neque-pum.
Neques, pois.
O meu avô era apaixonante. Obviamente Banda Revelhe, por causa do meu pai
e por bom gosto natural. E o toque de caixa, para o Amigo Pereira,
tinha ciência, solfejo. Gostava de perguntar-me, por exemplo, "Quantas
pranas tem uma rana?", como se estivéssemos a elaborar sobre fusas e
semifusas. Eu dizia que não sabia, que era o que o velho Neques queria
ouvir, para logo a seguir me ensinar, matreiro e mais uma vez,
"Conta-as, rapaz: rana-catrapana-catrapana-pana-pum; quantas são?..."
Já não há Bernardinos assim. E faz-me diferença. Pum.
P.S. - Publicado originalmente no dia 2 de Abril de 2014. Hoje, 30 de Abril, é Dia Internacional do Jazz.
Alda do Espírito Santo 5
Aqui, na areia,
Sentada à beira do cais da minha baía
do cais simbólico, dos fardos,
das malas e da chuva
caindo em torrentes
obre o cais desmantelado,
caindo em ruínas
eu queria ver à volta de mim,
nesta hora morna do entardecer
no mormaço tropical
desta terra de África
à beira do cais a desfazer-se em ruínas,
abrigados por um toldo movediço
uma legião de cabecinhas pequenas,
à roda de mim,
num voo magistral em torno do mundo
desenhando na areia
a senda de todos os destinos
pintando na grande tela da vida
uma história bela
para os homens de todas as terras
ciciando em coro, canções melodiosas
numa toada universal
num cortejo gigante de humana poesia
na mais bela de todas as lições:
(Alda do Espírito Santo nasceu no dia 30 de Abril de 1926. Morreu em 2010.)
Amador Montenegro 6
As canciós d'as fiadas,
As notas compasadas
Que s'escoitan n-os vales e ribeiras
D'o célteco a Ia lá n-as primaveiras,
D'ese canto xinxelo e malencóneco,
Sempre igoal; pro dôcísemo y-harmóneco.
Deprendín á cantar lendo n-a hestórea
Os feitos asombrosos
De qu'os fillos de Suevia valerosos
Foron autores, asombrand'ô mundo;
Aqués feitos groreosos
Que fel o pobo arda n-a mamórea,
Y-os vellos trasmitindo
(Amador Montenegro nasceu no dia 30 de Abril de 1864. Morreu em 1932.)
quarta-feira, 28 de abril de 2021
A menina dança?
- Não, muito obrigado.
- Não tem nada que agradecer.
- Mas eu faço questão.
- Coimbrã?
- Oliveira do Hospital, mais concretamente.
João Penha 7
Neste mundo sublunar.
Cada pomba tem seu par,
Cada zagala um pastor.
O doirado pica-flor
Ama a rosa-de-toucar;
Enfim, na terra e no mar,
É Ele o rei, o senhor.
Pois que amar é lei sem metas,
Amemos, cantando aos ventos
As nossas musas dilectas.
Até os próprios jumentos
Têm, como nós os poetas,
Burras dos seus pensamentos.
"Canto do Cisne", João Penha
(João Penha nasceu no dia 29 de Abril de 1838. Morreu em 1919.)
Francisco Bandeira de Mello 5
subíamos às altas torres do Egito
passeávamos de pára-quedas
no sol sem fim dos dias de fogo
subíamos à capota do avião
por cima das nuvens
recitávamos poemas à lua
tocando nela.
Andávamos nos parapeitos dos edifícios
de um pé só na balaustrada dos abismos
não caíamos dos fios metálicos do circo
andando de cabeça para baixo
nem do alto da torre Eiffel correndo
sonâmbulo.
Só na vida é que não nos equilibrávamos.
Francisco Bandeira de Mello
(Francisco Bandeira de Mello nasceu no dia 29 de Abril de 1936. Morreu em 2011.)
terça-feira, 27 de abril de 2021
O cara de selfie
Sorrio-me por tudo e por nada
O homem-rã
Cada macaco no seu galho
Intervenção siderúrgica
A invenção da sogra
Consta que os muçulmanos introduziram a nora em Portugal. Gostaria de saber: e quem terão sido os filhosdeputa que nos introduziram a sogra?
P.S. - Hoje, 28 de Abril, é Dia da Sogra. No Brasil.
segunda-feira, 26 de abril de 2021
Os três três
Cassiano Nunes 5
(Cassiano Nunes nasceu no dia 27 de Abril de 1921. Morreu em 2007.)
domingo, 25 de abril de 2021
Caetano da Costa Alegre 5
Qual mais constante há-de ser,
A espuma indo e voltando,
(Caetano da Costa Alegre nasceu no dia 26 de Abril de 1864. Morreu em 1890.)
sábado, 24 de abril de 2021
O Homem-Bata
Chegava a altura
dos pontos e eu baixava à enfermaria. Academicamente falando, os pontos
eram aquilo a que hoje, suponho, ainda se chama testes, e a enfermaria
já então era o que é - enfermaria. Atenção: eu dava parte de doente não
porque fosse mau aluno mas porque era muito bom preguiçoso. Para além
dos percevejos e do tradicional concurso de punhetas logo pela
manhãzinha e a meio da tarde, o melhor que a enfermaria tinha era a
sineta a tocar para os outros, a comida "de dieta" e o enfermeiro
propriamente dito que na verdade era barbeiro. O Sr. Pimenta, se bem me
lembro. O Sr. Pimenta era enfermeiro porque tinha a bata branca de
barbeiro, trazia os termómetros, via as febres (que eram forjadas na
fricção com os cobertores - chamava-se àquilo "manipular a febre"),
passava raspanetes e dava-nos uns comprimidos de faz de conta que, se
não me engano, eram sobras do Laboratório Militar. Os comprimidos
serviam para tudo e não faziam nada. O Sr. Pimenta dava também muito mal
injecções. E eu contava anedotas.
Figura mítica, consagrada instituição da velha Tamanca e autoridade local, o Sr. Pimenta era uma homem
gordo, de andar pesado e lento, periclitante. A cada passo parecia-me
que ia cair redondo para um dos lados, consoante a perna curta que
avançava. O Sr. Pimenta tinha idade para ser meu avô, achava eu, e uma barbearia
montada como se fosse a sério, mesmo em frente à capela e ao lado da
sala de aulas que era também a loja onde os padres nos vendiam os
"objectos", mas cortava tão mal o cabelo como os tosquiadores fardados
que mo raparam sem dó nem piedade, uns anos depois, quando dei entrada
nos Comandos. O Sr. Pimenta era barbeiro porque tinha a bata branca de
enfermeiro.
Quer-se dizer: o Sr. Pimenta era a bata.
E poderia ter sido, quem sabe, o Homem-Bata, se, derivado aos seus
múltiplos poderes e polivalentes predicados, a Marvel lhe tivesse
deitado a mão em devido tempo. Infelizmente a Marvel não recruta em
Portugal, e é o que perde.
Apesar de ter tudo para ser um super-herói, o Sr.
Pimenta era só Sr. Pimenta para mim, porque a minha mãe tinha-me
ensinado a tratar os senhores por senhores. Para o resto da rapaziada, meninos bem ou matarruanos, o
Sr. Pimenta era o Pimenta, ordens de cima, nada de confianças.
Paradoxalmente. E os outros funcionários ou acoitados, os que nos
serviam no refeitório, certamente lerdos mas filhos de Deus como a
gente, eram "criados". Criados. Ordens de cima. Já nem falo de educação -
a caridade cristã tem definitivamente muito que se lhe diga.
Portanto,
chegava a altura dos pontos e eu baixava à enfermaria. Um ano, o padre
Vilar, o bom padre Vilar, não quis que eu ficasse sem nota a Religião e
Moral. Visitou-me, fez-me duas ou três perguntas que valeriam o ponto,
perguntas do mais elementar possível, só para que eu fizesse boa figura.
Perguntou-me:
- Quem é Deus para ti?
- Deus é o meu pai - respondi.
- Todos somos filhos de Deus - atalhou o padre.
- Mas eu sou mais, porque sou órfão - defendi-me, com uma não ensaiada
porém oportuna lágrima no canto do olho que me valeu para aí um dezoito.
Isto é: sou malabarista desde pequenino.
Na enfermaria havia sempre um bufo que ia contar ao impiedoso padre Coutinho as
minhas anedotas, mas omitia a parte das punhetas, que era regra geral e ideia
não sei de quem, minha é que não. E eu também não sabia a malícia das anedotas que
contava. Fiquei a saber quando fui chamado à pedra por uma orelha - e assim me roubaram
a inocência. O padre Coutinho gostava muito de música clássica e eu
tenho a certeza absoluta de que a música clássica não gostava nada dele.
P.S. - Publicado originalmente no dia 20 de Outubro de 2014. Hoje, quarto domingo da Páscoa, é Dia Mundial de Oração pelas Vocações.
José Ángel Valente 7
Cerquei, cercache,
cercámolo teu corpo, o meu, o teu,
coma si foran só un soio corpo.
Cercámolo na noite.
Ergueuse á ialba a voz
do home que pregaba.
Terra allea e máis nosa, alén, no lonxe.
Ouvín a voz.
Baixei sobor teu corpo.
Abríuse, améndoa.
Baixei ó outo
de ti, subín ó fondo
Ouvón a voz na raia
do sol, no achegamento
e na inseparación, no eixo
do día e maila noite,
de ti e de min.
Fiquei, fun ti.
E ti ficache
coma ti es, pra sempre
acesa.
(José Ángel Valente nasceu no dia 25 de Abril de 1919. Morreu em 2000.)
Evaristo Martelo Paumán 5
de neno ou virxen doída,
ós corazóns.
C’os tiráns a sangre e lume
loitar, mentres ferve a vida,
eso ós varóns.
Gallegos d’onte, Odiseas
de tempos que hoxe quixeres,
patria ¿onde van?
Teus fillos, non ás frameas
hoxe ós ollos, cal mulleres
levan a man.
Erguervos, homes do liño,
¡vergonza! que ó menos sente,
que é pouco ter.
Para defende-lo niño
inda o carrizo é valente,
sabe morrer.
"Landras e Bayas", Evaristo Martelo Paumán
(Evaristo Martelo Paumán nasceu no dia 25 de Abril de 1853. Morreu em 1928.)
sexta-feira, 23 de abril de 2021
Os bois e os boys
Orides Fontela 5
gesto essencial: dar água.
"Transposição", Orides Fontela
(Orides Fontela nasceu no dia 24 de Abril de 1940. Morreu em 1998.)
Benito Barros 4
Antes de sermos sereno
Depois,
Seremos apenas relento.
Da imaginação estrumada de angústia
florescem esquisitices.
"Ah, se a morte chegasse!
como a água da bica
- lentamente, suavemente -
a encher a cisterna."
Meu caro, não vês a cisterna meã?
"Ah, se morte viesse!
como os pingos da chuva
- abrupta, intermitente -
a molhar o telhado."
Meu caro, não vês o telhado húmido?
[...]
(Benito Barros nasceu no dia 24 de Abril de 1957. Morreu em 2010.)
O livro
Os livros
Livraria
Transpôs a porta sagrada, procurou instintivamente à direita a piazinha de água-benta que não encontrou, genuflexou e benzeu-se num silêncio e num respeito que só vistos, caminhou lentamente até à estante, no mais profundo recolhimento, pegou no livro como quem pega em asa de borboleta ferida, afagou-o, ao livro, abriu-o como que a medo, em ângulo recto não mais, folheou-o sem destino mas com mil cuidados, contemplativo, num deleite adivinhatório de santidade gozosa. Tinha acabado de entrar numa livraria.
quinta-feira, 22 de abril de 2021
Baltasar Lopes 5
Ressaca
Venham todas as vozes, todos os ruídos e todos os gritos
venham os silêncios compadecidos e também os silêncios satisfeitos;
venham todas as coisas que não consigo ver na superfície da sociedade dos homens;
venham todas as areias, lodos, fragmentos de rocha
que a sonda recolhe nos oceanos navegáveis;
venham os sermões daqueles que não têm medo do destino das suas palavras
venha a resposta captada por aqueles que dispõem de aparelhos detetores apropriados;
volte tudo ao ponto de partida,
e venham as odes dos poetas,
casem-se os poetas com a respiração do mundo;
venham todos de braço dado na ronda dos pecadores,
que as criaturas se façam criadores
venha tudo o que sinto que é verdade
além do círculo embaciado da vidraça...
Eu estarei de mãos postas, à espera do tesouro que me vem na onda do mar...
A minha principal certeza é o chão em que se amachucam os meus joelhos doloridos,
mas todos os que vierem me encontrarão agitando a minha lanterna de todas as cores
na linha de todas as batalhas.
Baltasar Lopes
(Baltasar Lopes, que também assinava Osvaldo Alcântara, nasceu no dia 23 de Abril de 1907. Morreu em 1989.)
Jorge de Lima 7
Ó grande
país
Tu aderiste também.
Teus urubus são inquietados
Nos teus ares altíssimos pelos aviões.
Nos teus céus os anjos já não podem solfejar,
Sufocados de fumaça, importunados pelo pessoal
Do Limbo.
Tu vais ficar irremediavelmente
Toda a América
Irremediavelmente gêmeo,
Irremediavelmente comum.
Jorge de Lima
(Jorge de Lima nasceu no dia 23 de Abril de 1893. Morreu em 1953.)
Valentín Paz-Andrade 9
Cantarela do camiñante
As bruxas de Vozqueimado
deixan as vasoiras fóra,
para tornar enmeigado
ao que camiña a deshora.
Lobo na sombra enfoulado
que cando aos vultos oubeas
pos o silencio esgazado,
feito farrapos de teas.
Valentín Paz-Andrade
(Valentín Paz-Andrade nasceu no dia 23 de Abril de 1898. Morreu em 1987.)
quarta-feira, 21 de abril de 2021
Ligeiramente chateada nos pólos
Ruy Duarte de Carvalho 4
Na superfície branca do deserto
na atmosfera ocre das distâncias
no verde breve da chuva de Novembro
deixei gravado meu rosto
minha mão
minha vontade e meu esperma;
prendi aos montes os gestos de entrega
cumpri as trajectórias do encontro
gravei nas águas a fúria da conquista
da devolução do amor.
Os calcários e os granitos desta terra
foram por mim pesados.
Dei-lhes afagos
leves olhares
insónias longas
impacientes esperas.
"Chão de Oferta", Ruy Duarte de Carvalho
(Ruy Duarte de Carvalho nasceu no dia 22 de Abril de 1941. Morreu em 2010.)
Victoriano Taibo 7
Brua o mar!
A flor do inverno é de neve, o azul do ceo, embazado,
ña Mai Terra aterecida ten un canto amargurado;
Brúa o mar! As ardentías escachan-se nas rompentes,
e os cons varudos agachan as súas cristas trementes;
Xeme o salgueiro dolente sintindo o beixo do xío,
e un alongado lamento sobre do leito do río;
Brua o mar! As furibundas olas, en inxente traza,
erguen-se outas e soberbas nunha espantosa ameaza.
A forteza do carballo arripía-se ca friaxe,
nos cumios ispidos prende a tristura do paisaxe;
Brúa o mar! Cada bruído é unha cega imprecación,
cada ola que se desfai, un berro de maldición;
Pola terra andan as almas a padecer e a chorar;
mas nas rías e nas furnas, cons e barras, brúa o mar;
Brua o mar! Doente, tolo, con pavorosa tolemia,
a inmensidade é unha moura e horripilante blasfemia.
Luitadores!
A luz do lóstrego aluma
a rúa pr'onde camiña o noso esforzo lanzal:
sexan nosas almas brancas como o craror da alba escuma,
que o nordés revolve airado nas mourenzas do peiral.
(Victoriano Taibo nasceu no dia 22 de Abril de 1885. Morreu em 1966.)
terça-feira, 20 de abril de 2021
O filósofo Carrilho e o carralho do mediatismo
Manuel Maria Carrilho. A notícia dizia: "O antigo ministro da Cultura tem dado várias entrevistas ao longo dos últimos dias. No sábado, disse não saber como lidar com o mediatismo em torno da separação de Bárbara Guimarães." Eu ensino-o, Senhor Professor: deixe de dar entrevistas.
P.S. - Publicado no dia 4 de Novembro de 2013, e tudo continua na mesma. Já agora: Bárbara Guimarães faz hoje 48 anos.
Hilda Hilst 10
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?
Existe a noite, e existe o breu.
Noite é o velado coração de Deus
Esse que por pudor não mais procuro.
Breu é quando tu te afastas ou dizes
Que viajas, e um sol de gelo
Petrifica-me a cara e desobriga-me
De fidelidade e de conjura. O desejo
Esse da carne, a mim não me faz medo.
Assim como me veio, também não me avassala.
Sabes por quê? Lutei com Aquele.
E dele também não fui lacaia.
"Do Desejo", Hilda Hilst
(Hilda Hilst nasceu no dia 21 de Abril de 1930. Morreu em 2004.)
Quem me quer?
segunda-feira, 19 de abril de 2021
O último pedido
Vinham o padre, o presidente da câmara, o chefe da polícia, o sargento da GNR, o Emplastro, o comandante dos bombeiros, a fanfarra dos escuteiros, uma gaiola com pombas brancas e o director da prisão. Parecia uma procissão. O carcereiro, que vinha também, desatarraxou a porta da cela e o director da prisão, solene, com voz de padre, informou o condenado: - Tens direito a um último pedido. O condenado pensou um bocado e disse: - Pode ser o "Pica do 7", do António Zambujo?...
P.S. - Hoje, 20 de Abril, é Dia do Disco de Vinil. Pelo menos no Brasil...
Rosa Lobato de Faria 9
A culpa é toda sua. Não me diga que não, que eu bem lhe leio o subtexto erótico na forma dançada como você passa por ele, inundando-o do seu charme, do seu perfume e da sua respiração rumorejante. Faz que não vê, mas vê. Faz que não quer, mas quer. O homem fica tonto e você gosta. Traça a perna diante dele daquela forma insólita, mostrando dessous que deixaram de o ser, tilinta coisinhas de metal quando lhe dá o perfil e o recorte esplêndido da sua pequena orelha e o botão da blusa, não me diga que o perdeu, anda desabotoada três dedos abaixo do ponto de viragem, viragem da cabeça dele, entenda-se.
"Pedra Rara - Dispersos e Inéditos", Rosa Lobato de Faria
(Rosa Lobato de Faria nasceu no dia 20 de Abril de 1932. Morreu em 2010.)
O tamanho importa (e exporta)
Foto Hernâni Von Doellinger |
Moro
mesmo em frente ao mar, se for para a varanda e me puser de lado. É o
que costumo dizer: na minha rua passa o mar. No meu quintal estacionam
navios de passeio mediterranicamente atlânticos, paquetes carregados,
descarregados e outra vez carregados de turistas rotundos e supersónicos
que conseguem turistar o Norte de Portugal inteiro em menos de oito
horas. Há quem chame ao meu quintal, por inveja, Terminal de Cruzeiros
do Porto de Leixões. Mas não: é o meu quintal!
Noutro
dia estacionou-me ali em baixo o Costa Pacifica, o da fotografia. São
mais de 290 metros de navio para 3.780 passageiros. Os paquetes que me
batem regularmente à porta têm-me dado que pensar, suscitam-me reflexões
de pequena e média profundidade que aqui humildemente partilho com os
meus queridos leitores. E daquela vez vieram-me à cabeça os cus. Os cus
que os cruzeiros descarregam e recarregam.
Cu de turista não é
brincadeira, já repararam? É traseiro de bitola larga e se for cu
americano então ocupa o mundo inteiro, incluindo o México e o Brasil,
menos a Alemanha e a Rússia. Até parece que para se ser turista -
turista encartado - é preciso ter um cu daqueles. E o cu alemão e o
próprio cu russo também para lá caminham, não querem ficar atrás. O que
diz tudo a respeito dos cus.
Imagino que sejam muito ricos os camones com que me cruzo nas bordas do Porto de Leixões - eles a saírem todos cheios de good morning e eu, de passagem, "desculpem lá a shit de dog na sola da sandália, é good luck, com os cumprimentos de Matosinhos City".
Tão turistas e tão prendados de cu, têm de ser muito ricos. Engordam e
viajam porque podem. Se calhar são todos reformados da administração do
Millennium BCP ou do BES mas não querem que se saiba.
Os turistas. Chegam e parece-me sempre um congresso de cus com sala de
espera no Passeio Atlântico, que se vê à rasca para aguentar semelhante
pesadelo. Toneladas e toneladas de bagagem extra em traseiros
colossais e gingões mesmo à frente do meu nariz e que até naufragam
tuque-tuques. Confesso: é um espectáculo que não pára de maravilhar-me.
Olho para os cus e olho para o barco, e só me apetece elogiar o génio
humano, os avanços da ciência, os milagres da indústria, a arte e o
engenho dos modernos fazedores de navios, supremos desafiadores das
leis da física. Fascina-me aquilo que não consigo compreender. Para os
cus e para o barco, olho. Olho para o barco e penso: como é que aquilo
não vai ao fundo com tanto cu descomedido lá enfiado?
P.S. - Publicado originalmente no dia 4 de Novembro de 2012.
Hoje, 20 de Abril, é Dia do Turista, há quem diga. Derivado à pandemia,
Matosinhos está actualmente sem barcos, sem turistas e portanto sem cus.
Sobram os alojamentos locais e os galegos, que são da casa.
E se?
E se o 25 de Abril fosse a 25 de Maio e o 1.º de Maio fosse no dia 1 de Abril? Alguém nos tinha enganado, não é?
domingo, 18 de abril de 2021
A bisculeta
Dois pesos e duas medidas
Tinha dois pesos e duas medidas. Um peso na balança do quarto de dormir e outro peso na balança do quarto de banho, que lhe subtraía graciosamente cerca de quilo e meio. Quanto às medidas, a primeira foi desfazer-se da balança do quarto de dormir.
P.S. - Os padrões protótipos de sistema métrico decimal, o metro e o quilograma, entraram legalmente em Portugal no dia 19 de Abril de 1911.
Crimes de peso
E. M. de Melo e Castro 2
sem pensar mais nas pernas que nas pregas
mas sinto as tuas pernas duas pernas
mais do que sinto as pregas como pregas
e nem pregas nem pregos nem pregões
me podem impedir de pensar pernas
quando as duas e tuas pernas pões
na posição das diagonais eternas
e entre as pernas que tu usas tuas
e a única palavra que as nomeia
e o volume de que faço nuas
surge a imagem súbita do prego
que se prega nos olhos e que fura
no duro centro aonde a imagem dura
"Sim... Sim!", E. M. de Melo e Castro
(E. M. de Melo e Castro nasceu no dia 19 de Abril de 1932. Morreu em 2020.)
Manuel Bandeira 9
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
(Manuel Bandeira nasceu no dia 19 de Abril de 1886. Morreu em 1968.)
sábado, 17 de abril de 2021
Sei de sítios como quem sabe de ninhos
Sou devoto dos prazeres da mesa. Gosto da liturgia de uma boa refeição,
em família ou com amigos, gosto de comer, gosto do que é bom, e sei o
que é bom. Também sei fazer. Sou um apaixonado pela boa e honesta
cozinha portuguesa. Gosto da cozinha portuguesa tal qual ela é, na sua
pureza original: tradicional, apurada, robusta, variada, generosa. Um
bom prato, uma especialidade daquelas de trás da orelha, é capaz de me
fazer andar duzentos ou trezentos quilómetros pelo prazer de o degustar.
Sei de sítios como quem sabe de ninhos. Sei de sítios que não conto a
ninguém, nem sob tortura, e se a tortura não for a da fome.
Enquanto posso (e posso cada vez menos, como a maioria dos portugueses),
vou a esses sítios onde já há muito eu e a minha mulher somos tratados
como amigos ou família, e com mimos especiais, mas tenho que admitir
que é sobretudo a comida que lá me leva. Vou pelo gosto, é este o meu
parâmetro de aferição e escolha fundamental.
Mas respeito quem se deixa seduzir por outras variáveis gastronómicas ou
paragastronómicas, como, por exemplo, essa coisa tão vaga ou talvez não
como é "o serviço" ou "o atendimento".
Um velho compincha doutras vidas mas também da santa trincadeira - nas
imortais palavras de mestre Aquilino Ribeiro, colocadas na boca de um
abade, pois claro - contou-me que estava um destes dias numa bela
jantarada, num grupo de gente boa e interessante, quando um dos convivas
alvitrou um próximo repasto a realizar em determinado restaurante, que
"tem um excelente serviço"...
O meu amigo, que é um brincalhão mas o outro não sabia, perguntou, com matreirice:
- Excelente serviço, pois... Mas o que é que se come? O que é que é lá
muito bom? Uns bolinhos de bacalhau..., uns ossinhos da suã?...
- Quer-se dizer, não sei, tem muita coisa, nada assim de especial, mas o
atendimento é óptimo... - colocou-se à defesa o homem da ideia.
- Está bem, mas eu não como serviço, o atendimento não me enche a
barriga - insistiu o meu amigo e voltou a insistir, perante o cada vez
maior embaraço de quem já se tinha arrependido de ter dado apenas uma
sugestão e do resto do pessoal à volta da mesa.
Tudo acabou depois na risota, quando todos perceberam que o meu amigo
afinal estava na tanga, e até tiveram sorte porque desta vez, tenho a
certeza, ele não arrumou a questão com uma expressão que lhe é muito
cara e que, neste contexto, seria algo do género:
- O serviço? Dá-me com o serviço nos
tomates aux gésiers de lapin. Livre de gorduras e lave em duas
águas, uma pode ser das Pedras, as moelas de coelho. Meta as moelas de
coelho numa marinada feita com sumo de pepino nacional, vinagre
balsâmico, azeite de trufa, mel de rosmaninho, gengibre, flor de anis,
flor de sal, flor-de-lis, flor-de-lótus e flor-de-ferrari. Deixe a
repousar esta marinada dentro de uma embalagem para ovos de codorniz
enquanto o ministro da Finanças conta até dez, que é aproximadamente
durante duas horas e um quarto. Os ovos de codorniz deviam ter sido
tirados antes, agora desfaça-se ao menos das cascas. Lave muito bem os
tomates, corte um chapeuzinho numa das extremidades e limpe-os de todas
as sementes e nervuras internas. Introduza as moelas de coelho nos
tomates, misturando-as com uns pozinhos de queijo com o nome mais
arrevesado que encontrar no supermercado. Pegue nos tomates e coloque o
chapeuzinho, que vai adornar, de lado, com um pequeno cartão a dizer
PRESS. Leve os tomates ao forno durante 180 minutos a 15 graus.
Excelente. Está pronto. Retire do forno e deite ao lixo. Aqueça a
feijoada que sobrou de ontem e seja feliz.
P.S. - Publicado
originalmente no dia 9 de Setembro de 2011. O ministro das Finanças era
então o vagaroso e lastimável Vítor Gaspar. Hoje é Dia Internacional dos
Monumentos e Sítios. Sei também de monumentos,
mas gosto mais dos sítios que sei e que de momento não posso
frequentar. Uma infelizmência! Ontem ao almoço estive vou e não vou para
montar um piquenique só para mim ali em baixo no areal da praia, só para sair, mas percebi a tempo o triste espectáculo que sou a comer com máscara...
Augusto Frederico Schmidt 5
Avancei pela noite. Abri os braços e recebi a aurora pequenina.
Chorava ainda. Suas lágrimas desceram sobre meu rosto.
Veio um perfume forte de flores molhadas,
Renovaram-se as vozes dos galos pelas campinas úmidas.
Lenhadores dormem nos casebres frios.
Estão nascendo flores misteriosas
Estão crescendo grandes almas nas sombras da noite.
Porque há um canto que sai da noite e vem acordar a aurora adormecida!
Augusto Frederico Schmidt
(Augusto Frederico Schmidt nasceu no dia 18 de Abril de 1906. Morreu em 1965.)
Monteiro Lobato 7
Como reconhecer a flor da cerejeira?
Deixando-nos guiar pelo seu perfume.
Céu de outono e coração de mulher
se assemelham;
Em uma noite um e outro
Mudam sete vezes.
Monteiro Lobato
(Monteiro Lobato nasceu no dia 18 de Abril de 1882. Morreu em 1948.)
Antero de Quental 8
Idílio
Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,
Colher nos vales lírios e boninas,
E galgamos dum fôlego as colinas
Dos rocios da noite inda orvalhadas;
Ou, vendo o mar das ermas cumeadas
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantásticas ruínas
Ao longo, no horizonte, amontoadas:
Quantas vezes, de súbito, emudeces!
Não sei que luz no teu olhar flutua;
Sinto tremer-te a mão e empalideces...
O vento e o mar murmuram orações,
E a poesia das coisas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.
"Sonetos", Antero de Quental
(Antero de Quental nasceu no dia 18 de Abril de 1842. Morreu em 1891.)
Miguel Suárez Abel 3
Ocorreu todo por unha historia do máis boba. (Perdoade un momentiño: ¿Que vos parece se poño unha cinta de Scorpions?; é que a min alucínanme. E ímonos tratar de colegas, tío, que aquí non se está a enganar a ninguén.) Resulta, como xa vos dixen, que desde o curso pasado as cousas marchaban mal entre Anxo e eu. Anxo é un chalado. Un destes profesores taladrados cos que te atopas en calquera colexio. Abreviando: que está zumbadísimo. Pero por se non chegase, é cabrón.