No
metro, direcção Senhor de Matosinhos-Fânzeres. Entro na estação
Matosinhos Sul e o rapaz também. A carruagem está a rebentar pelas
costuras, arranjo lugar sentado porque sou velho e momentaneamente
aleijadinho, o rapaz fica de pé, encostado à porta. O rapaz, mais perto
dos vinte do que dos quinze, vai ao bolso e saca do telemóvel (deve ter
outro nome o aparelho, mas para mim é um telemóvel e já digo muito).
Saca do telemóvel, dizia, eleva-o na mão direita bem acima da cabeça,
aponta-o para a dita e, como se estivesse sozinho a fazer caretas ao
espelho da casa de banho, veste de repente um sorriso de plástico que
por acaso até lhe fica bastante mal, olha para o telemóvel, dispara,
suponho, e volta à cara normal, como se não fosse nada. Um lado está
resolvido. Agora o outro: o rapaz continua com o telemóvel na mão
direita bem acima da cabeça, que revira para a esquerda num lamentável
trejeito artístico, e, como se estivesse sozinho a fazer caretas ao
espelho da casa de banho, veste outra vez e de repente um sorriso de
plástico que por acaso até lhe fica bastante mal, olha para o telemóvel,
dispara, suponho, e volta à cara normal, como se nada fosse. Feito
extraordinário, de que tomo nota: o sorriso do rapaz é o exactamente o
mesmo das duas vezes, o mesmíssimo, decalcado, sem tirar nem pôr, o
mesmo sorriso da cara para fora, oco, palermóide, nanométrica réplica
mimética um do outro, o mais profundo sorriso de cara de cu à paisana -
posso garantir eu, que sei muito de sorrisos.
Penso
então ali, respeitosamente: há que dar valor ao rapaz - para se atingir
semelhante grau de perfeição, isto é preciso muito treino, muito ano,
muita selfie!..
O
rapaz saiu no Parque de Real, duas paragens acima, viagem de três
minutos. Serviço feito, ala para casa, que se faz tarde! Nem tive tempo
de lhe dar os parabéns.
P.S. - Publicado originalmente no dia 13 de Outubro de 2016. Hoje, 28 de Abril, é Dia Mundial do Sorriso. Que há quem diga que é na primeira sexta-feira de Outubro.
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