terça-feira, 30 de abril de 2024
Por causa do anúncio
Adiantados mentais, graças a Deus
Villas-Boas. Estavam à espera de quê?
Até parece que caiu o Carmo e a Trindade...
Mas estavam à espera de quê? Do triunfo dos valores? Do amor à camisola? Tretas! Estes tipos são assim: egoístas, vaidosos, ambiciosos, calculistas, insensíveis, falsos num certo sentido. Exactamente no sentido de serem... falsos. Têm estas qualidades todas, preenchem o perfil completo do homem de sucesso. Por isso é que os tubarões os querem para treinadores (ou para presidentes de empresas, ou para directores de jornais), e não por eles irem à missa todos os dias. E estes tipos vingam sempre, quase sempre. Com a rapidez e a pujança de um eucalipto.
André Villas-Boas fez um trabalho sensacional no FC Porto. Foi apenas um ano, mas foi bom enquanto durou. O clube e os portistas só têm de estar gratos, concedendo-lhe uma despedida sem rancores e com votos de boa sorte.
Villas-Boas é jovem, competente, quer ficar (ainda mais) rico (ainda mais) depressa. Tem todo o direito a tratar de vida. Ainda por cima, sai do Dragão com respeito absoluto pelo contrato que assinou com Pinto da Costa: o Chelsea vai pagar ao FC Porto os 15 milhões de euros referentes à cláusula de rescisão aceite de mútuo acordo por treinador e presidente e que existe precisamente para estas situações. Que querem mais?
E quem pode negar a Villas-Boas o direito a sonhar – ele é muito dado a sonhos – com a unanimidade nacional, esse beatífico desiderato só possível de alcançar quando se deixa o FC Porto? E, de preferência, deixando-o de calças na mão.
Depois há o dinheiro. Voltamos sempre ao dinheiro. Ah!, sim, o vil metal. Vil metal, o raio que os parta! Vil metal é contar os cêntimos, vil metal é ganhar o salário mínimo, vil metal é estar desempregado, vil metal é receber o subsídio de desemprego, vil metal é perder o subsídio de desemprego, vil metal é não ter dinheiro para gastar na farmácia, vil metal é ver os filhos com fome, vil metal é ter vergonha de roubar! A iglantónica quantia de cinco milhões de euros/ano multiplicada por três anos não é vil metal. É uma fortuna instantânea a que não se pode dizer não. Seria pecado! Sem perdão! Porque, nisto de traições, ainda vai alguma diferença entre 30 dinheiros e 15 milhões...
Este fim-de-semana saíram-me seis euros e noventa e cinco cêntimos no Euromilhões e eu fiquei bem contente. Eu não sei ao certo quanto dinheiro é cinco milhões de euros por ano. Só se me explicarem em camiões (isto é, se me disserem: "dá para encher xis camiões com notas"...). Mas suspeito que cinco milhões de euros por ano são muitos, muitos camiões. E ainda bem, melhor para o André.
Os argumentos, acredito piamente, estão todos a favor do jovem técnico. Na maioria das críticas que lhe fazem, vejo alguma inveja e muita hipocrisia. Vejo, sim senhor. E não gosto do que vejo.
Ó sepulcros branqueados! Ó raça de víboras! Digo-vos só isto: deixai o homem em paz! Quem de entre vós nunca aceitaria ir treinar o Chelsea por cinco milhões/ano que atire a primeira pedra!
Eu vou apanhar o avião.
segunda-feira, 29 de abril de 2024
Sexofone, saxofome, aqui jazz a humanidade
A capella, ma non troppo
Apontamento musical
Maria Rita, Maria Rita
Foto Hernâni Von Doellinger |
Foi em Julho de 2016, dia 7. Ao ar livre, junto ao mar, no Passeio Atlântico de Matosinhos como se fosse no meu quintal, a cantora brasileira Maria Rita acompanhada pela excelentíssima Orquestra Jazz de Matosinhos, a melhor orquestra de jazz do país. Um mimo, um luxo matosinhense que relembro aqui, hoje.
domingo, 28 de abril de 2024
Não te escames!
sábado, 27 de abril de 2024
Rúben Amorim, sonso mas com boa imprensa
Rúben Amorim, o grande comunicador, afinal enganou-se quando foi esta semana a Londres, ele e o seu empresário, de avião particular, ai não, para tratar do contrato que se segue. "Foi um erro", disse hoje Rúben Amorim, o sábio, e pediu humildemente desculpa. Foi sem querer. Ele sabia lá! Como é que ele, coitado, ia adivinhar que o timing da lamentável viagem a Inglaterra era "completamente desajustado" e que a coisa ia dar merda? Como é que ele, o bom-serás, ia adivinhar que os sportinguistas não iam gostar? Como é que ele, a simpatia em pessoa, ia adivinhar que estava a trair os seus jogadores? Como é que ele, valha-me Deus, ia adivinhar que o Sporting joga amanhã com o FC Porto o jogo que até podia ser o do título? E pediu outra vez desculpa, porque ele, com grande categoria, é sempre "o primeiro a dizer que os problemas individuais não se podem sobrepor à equipa". Rúben Amorim, o cavalheiro, o preferido dos jornalistas e comentadores desportivos, pediu pela terceira vez desculpa. E depois saiu e riu-se. E riu-se. E continua rir-se, que eu bem o ouço...
sexta-feira, 26 de abril de 2024
O meu avô era designer e não sabia
Foto Hernâni Von Doellinger |
Já contei que o meu avô da Bomba, apesar de quarteleiro dos Bombeiros de Fafe, e daí o apelido, nunca se apartou completamente do velho e honrado ofício de sapateiro com que se iniciara na vida. Enquanto pôde, num cantinho por baixo das escadas que subiam para "o salão" do quartel da Rua José Cardoso Vieira de Castro, ele manteve banca e fez, com desenho próprio, as sandálias e sapatos que calçavam a família. A família lá de casa dele, quero dizer, mulher e filhos, porque o meu avô não era de dar. O máximo que dava eram os bons-dias, mas exigia o troco e recibo com número de contribuinte.
Em todo o caso, fui semanticamente injusto quando chamei sapateiro ao meu avô da Bomba. Sapateiro. Nestes tempos em que nem os cegos são cegos - são invisuais -, agora que já nem há mentirosos - mas inverdadeiros -, nos dias em que nem os bois são chamados pelos nomes - têm números -, chamar sapateiro ao meu avô da Bomba é praticamente um insulto, e estou muito arrependido, que me desculpem os sapateiros propriamente ditos.
Se escrevesse hoje, e é o que faço agora, eu diria que o meu avô da Bomba era um mestre do artesanato, um artífice do calfe, uma sumidade da sovela, uma Joana Vasconcelos por antecipação, e fazia-lhe um museu; diria que era uma start-up em pessoa e metia-o na Bolsa de Nova Iorque; diria que era um criador de sapatos e enchia-o de massa do PRR; diria que era um caso exemplar do empreendedorismo nacional e pendurava-lhe mais uma medalha no 10 de Junho; diria que era um estilista, um designer de calçado, e acompanhava-o à Feira de Milão. É isso. Se escrevesse hoje, eu diria que, para todos os efeitos, o meu avô era um designer, um artista, isso, sobretudo um artistas. Ai era, era...
P.S. - Publicado originalmente no dia 19 de Novembro de 2015. Hoje é Dia Mundial do Design Gráfico, e cá estamos outra vez...
quinta-feira, 25 de abril de 2024
Canção do Salgueiro (Maia)
Esta recebi-a do Jaime Froufe Andrade. No blogue Campainha Eléctrica, li que "o tema "Canção do Salgueiro" tem música e letra de Carlos Tê, que também assegura a produção ao lado de Mário Barreiros e Pedro Vidal. Barreiros é responsável pela mistura e masterização, pela bateria, guitarra eléctrica e teclados, cabendo a Pedro Vidal, director musical de Jorge Palma e parceiro dos Blind Zero e Wraygunn, outra guitarra acústica e eléctrica e também o banjo. Na canção participam ainda Rui David na voz, Patrícia Lestre na voz e violino, Paulo Gravato, saxofonista de Pedro Abrunhosa ou dos Azeitonas, e Rui Pedro Silva no trompete. A voz principal é de Carlos Monteiro." A canção pode ser ouvida aqui. E a letra do Tê diz assim:
Canto agora ao salgueiro
Que um dia abriu os olhos
E viu reinar o vampiro
Sobre a lezíria cansada
De tanto choro e suspiro
E gente tão aviltada
Saiu em fúria da margem
E foi bradar ao terreiro
No seu cavalo de ferro
Pediu contas ao vampiro
E ali lhe fez o enterro
Sem disparar um só tiro
Ai ó meu velho salgueiro
Dá-me a tua sombra amiga
Se há bom tronco lusitano
És da cepa mais antiga
Ai ó meu velho salgueiro
Estás aí tão mudo e quedo
És filho dum ferroviário
Que fez um manguito ao medo
E depois voltou à margem
E ficou a salgueirar
Junto ao Tejo em Santarém
Onde as Tágides vão dançar
Quando a lua harpeja as águas
Certas noites de luar
No poleiro da capital
Cantiga logo esquecida
Mas tu estás de pedra e cal
Mesmo em terra batida
Alto é teu pedestal
Ai ó meu velho salgueiro
Dá-me a tua sombra amiga
Se há bom tronco lusitano
És da cepa mais antiga
Ai ó meu velho salgueiro
Estás aí tão mudo e quedo
És filho dum ferroviário
Que fez um manguito ao medo
Por qué no te callas, Marcelo?
Marcelo sabia muito bem do que falava: de falar demais, de desbocamento. E dizia que Passos "não podia" andar por aí a bitaitar "de manhã, à tarde e à noite".
terça-feira, 23 de abril de 2024
O quinto dos infernos
Começou tudo no dia 1 de Março e deverá prolongar-se pelo menos por mais um ou dois meses, a fazer fé no aviso gentilmente afixado no placar de cortiça do condomínio. E não me posso queixar. Ainda de acordo com a missiva do vizinho do quinto, a empreitada "decorre tal como permite o quadro legal em vigor", dando "cumprimento ao estipulado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 16.º do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo decreto-lei n.º 9/2007 de 17 de Janeiro". Ainda bem. Assim, estou muito mais descansado...
segunda-feira, 22 de abril de 2024
domingo, 21 de abril de 2024
Pegada ecológica
De volta à terra
P.S. - Hoje é Dia da Terra ou Dia Mundial da Terra ou Dia do Planeta Terra ou Dia da Mãe Terra. É também Dia Nacional do Património Geológico.
sábado, 20 de abril de 2024
Stultorum infinitus est numerus
P.S. - Hoje é Dia da Latinidade. Sobretudo no Brasil e nas américas Central e do Sul de uma forma geral. Não por acaso, a fundação de Roma por Rómulo terá ocorrido, segundo a tradição, no dia 21 de Abril de 753 a.C.
Declinando
Chamam-lhe train surfing
Foto Hernâni Von Doellinger |
Isto, portanto, há nove anos, altura em que a coisa terá começado. Os putos chamam a isto, cá em cima, "andar à guna". Entretanto, em Abril de 2019, quatro destes gabirus, com 15 ou 16 anos, caíram à linha em Rio Tinto quando andavam nestes perigosos preparos, foram atropelados e ficaram feridos, dois deles em estado grave. E em Maio do ano anterior morrera uma rapariga de 13 anos. De acordo com os mais recentes avistamentos, a toléria continua. Os jornais e as televisões chamam a esta merda train surfing, o que lhe empresta um ar desportivo, radical, aventureiro, jovem e dinâmico, desafiante, descontraído, nome de nova modalidade olímpica. Eu chamo-lhe estupidez. Estupidez natural.
sexta-feira, 19 de abril de 2024
Posso pedir um disco?
Vinham o padre, o presidente da câmara, o chefe da polícia, o sargento da GNR, o Emplastro, o comandante dos bombeiros, a fanfarra dos escuteiros, uma gaiola com pombas brancas, o André Ventura e o director da prisão. Parecia a procissão da Senhora de Antime parando em frente à Câmara, meu rico menino. O carcereiro, que vinha também, desatarraxou a porta da cela e o director da prisão, pausado e solene, com voz de locutor de rádio, informou o condenado: - Tens direito a um último pedido. O condenado pensou um bocadinho e disse: - Pode ser o "Sete e Pico", do Conjunto António Mafra?...
Agora a sério. Isto é, à séria, se inadvertidamente lido em Lisboa. Falemos de discos, dos velhinhos e cada vez mais modernos discos de vinil. A primeira jukebox de todos os tempos entrou em funcionamento no "saloon" Palais Royale, de São Francisco, EUA, no dia 23 de Novembro de 1889. A Fafe, as primeiras jukeboxes deverão ter chegado no final da década de sessenta do século passado, com as barracas de matraquilhos que se instalavam por baixo da Arcada, mais central era impossível, pelos 16 de Maio e pelas Festas da Vila. Havia um brilhantíssimo grupo de jovens fafenses, mais velhos do que eu, que dava excelente uso à novidade. Dessa malta porreira fariam parte, se não me engano, o Berto Dantas, o tio, o Eduardo do Retiro, o Mesquita, creio que o Mané, o Dr. Mané, o Jorge Lem, se era assim que se chamava, o Jorge Barros, filho do Nelinho, bissextamente o Ginho Cardoso e não tenho a certeza se o Bi Valente, gente assim desta categoria, e estou decerto a esquecer alguém ou alguéns e a confundir nomes. Eu admirava muito estes tipos cheios de classe, seguia-os sempre que podia, distâncias à parte, uma vez até me levaram com eles para um jogo de futebol que foram fazer a Felgueiras e no fim ainda tiveram a bondade de convidar-me para a almoçarada na Juditinha, evidentemente depois do Bertinho ter pedido por mim à minha mãe.
Mas tornando à maquineta dos discos, que mais tarde haveria de exibir também videoclipes, aliás de muito duvidosa qualidade, artística e técnica. Aquela rapaziada, já com algum mundo, tinha fino gosto musical e conhecia o que, regra geral, em Fafe ainda não se sabia. Acredito que me educaram o ouvido, entre alguns outros a quem o devo. A escolha na jukebox era muito limitada, pindérica, a ementa ao dispor consistia quase só naquilo a que hoje costumamos chamar música pimba. "O autocarro do amor" - de "Os Taras" e Montenegro, por onde andava um moço chamado Quim Barreiros - tocava de manhã até à noite, num despique fratricida e interminável com "Eu te amo, meu Brasil", de "Os Incríveis". Uma xaropada insuportável, um atentado às orelhas de qualquer um, nem que não as tivesse ou por mais moucas que elas fossem. A minha sorte é que os rapazes do bando do Bertinho, chamemos-lhes assim, faziam questão de destoar da ignorância geral e caprichavam na evangelização, pondo a tocar, de forma paciente e cirúrgica, Beatles obrigatoriamente, "Aquellos ojos verdes", por Nat King Cole, que eu desconhecia, tenho vaga ideia também de um clássico de Sinatra, não sei qual, lembro-me da poderosa versão de "I'm free", da ópera rock Tommy, dos The Who, com a London Symphony Orchestra, e sobretudo, e estou-lhes tão grato por isso, ensinaram-me a inestimável "Eloise", de Barry Ryan, que ainda hoje me regala.
Por outro lado. Os matraquilhos foram inventados pelo galego Alexandre Campos Ramires ou Alexandre de Fisterra, que também era editor e escritor. O nome mais bonito dos matraquilhos é, digo eu, pseberico. Assim se falava pelo menos em Fafe.
quinta-feira, 18 de abril de 2024
Fafe já não tem piononos
"O Rapto", de Marco Bellocchio |
No monte de São Jorge havia um pionono. E constava que havia outro no monte de Castelhão. Fui testemunha de ambos, embora o segundo possa jamais ter existido. O pionono, para mim, era uma espécie de meco que ajudava montes de pouca monta a porem-se em bicos de pés, a chegarem-se a uma certa altura, a uma altura certa, a um número redondo que desse jeito falar. Quero dizer: era uma espécie de sapato de salto alto para caga-tacos complexados, porém ao contrário, com o tacão virado para cima e usado na cabeça, bem na crucha da cabeça. Depois tomei conhecimento do Pio IX, mas nunca percebi a relação, e acho um insulto chamar-lhe marco geodésico. Ao papa. Ao sumo pontífice.
Assim com maiúscula, o Pionono era exactamente em São Jorge, é justo que se diga. Pionono era nome próprio, sítio, geografia. Era topónimo com alvará. "Vou ao Pionono". Ia-se ao Pionono. Ao Pionono ia-se aos pinheiros pelo Natal, ia-se esgaçar umas pernadas de carvalho para o trono da cascata do Santo António, ia-se aos fentos ou ao mato para o eido ou às giestas secas para espertar a lareira do chão da cozinha, ia-se brincar aos cobóis, ia-se cagar ao monte e ia-se dar umas trancadas, e o que eu gostava da palavra trancadas, mesmo sem ainda conseguir alcançar o que ela quereria dizer. Nem de propósito, São Jorge parece que também tinha mamoas, eu confesso que não sabia mas fiquei a saber no final do ano passado.
(As giestas, por falar nelas, davam umas vassouras de categoria e o Trancadas era um barbeiro mesmo ao lado do tasco do Neca do Hotel, proximidade que se revelava de uma comodidade extrema. Por falar nisso, lembro-me de descer um degrauzinho, mais cá para o centro da vila, ali entre a sombria loja da Rosindinha Catequista e a Cafelândia, mas esse era o Sr. António Grande, o segundo barbeiro do meu padrinho Américo. Eu ia lá com o meu padrinho mais o meu tio Zé da Bomba, aos sábados de manhã, que naquele tempo eram sempre de sol. Na espera lia-se "O Primeiro de Janeiro", mal eu sabia que ainda o haveria de fazer. O meu padrinho Américo e o meu tio Zé da Bomba eram irmãos do meu pai, o grande Lando Bomba, e depois foram meus pais, à falta do propriamente dito, por razão de força maior.)
Hoje os montes de São Jorge e de Castelhão são casas e é o progresso. Os montes foram capados, terraplenados, desarborizados, alcatroados, liquidados. Os montes morreram de morte matada e a culpa morreu solteira. Fafe já não tem piononos. Mas, dizem-me, tem ainda a "Garrafinha" e historiadores até dar com um pau. Um deles, quem dera que não chova, ainda há-de contar esta como deve ser.
Era um perseguidor de sonhos
quarta-feira, 17 de abril de 2024
domingo, 14 de abril de 2024
O passeio do jovem ciclista em cuecas
Foto Hernâni Von Doellinger |
Palavra de honra, em cuecas. Os famosos slipes ou trusses. Em cuecas, portanto. O jovem ciclista atravessou com a maior das descontracções a praça principal da vila de Caminha, em frente à Câmara e à igreja, perante o espanto e a reprovação compungida da distintíssima esplanada do Café Central que rebentava pelas costuras de senhorecas e senhorecos, sobretudo portuenses da Foz chique em gozo de segunda casa. Ou terceira. Ou. Primeiro para cima, depois para baixo, pedalando em preparos tão resumidos, o ciclista em cima da bicicleta, parece impossível num centro histórico! A indignação foi praticamente geral, até as arcas dos gelados coraram. E perceba-se o escândalo: era domingo e hora da missa para os indígenas, valha-me Deus...
O poeta do sol
sábado, 13 de abril de 2024
Com bandeira portuguesa
O Irão atacou um navio com bandeira portuguesa no estreito de Ormuz. E eu estou preocupado. A bandeira, é a deste Governo ou a do anterior Executivo?
sexta-feira, 12 de abril de 2024
Dava-te um beijo, mas não tenho...
Dizemos "Beijinhos", dizemos "Abraço", dizemos olá de boca, e assim ficamos. Pelas palavras. Beijos e abraços são só vocábulos, paleio. Mantemos uma distância alegadamente higiénica entre nós, os alegados amigos uns dos outros. Amigos por computador. Dizemos. Enviamos. Remetemos. Aproveitamos a oportunidade para. Ao telefone, por escrito, ao vivo na pressa da rua, na patetice dos emojis. Dar a sério (à séria, se lido em Lisboa) é que não. Ninguém dá nada a ninguém - nem sequer beijos, nem sequer abraços. Fazemos votos de. "O que lhe estimo é um magnífico beijo", "Desejo-lhe um excelentíssimo abraço". E nisto estamos.
É. Olhem bem à volta: as palavras estão em alta, navegam de vento em popa. As palavras. O falatório. Nunca tanto se palavrou. Nunca se falou tanto, nunca se mentiu tanto. Isso. O que verdadeiramente está em crise é a palavra, a palavra singular e definitiva, essa vaga memória de uma honra démodée que se arrasta pelas ruas da amargura - abandonada, pobre, cega e nua. Mas isto, claro, sou eu a dizer e são apenas... palavras, palavras, palavras.
quinta-feira, 11 de abril de 2024
Nossa Senhora era astronauta
"Fosse o que fosse, talvez não seja temerário supor que, pela sua assunção, Maria foi a primeira criatura humana a transpor o espaço. Não foi uma mera espectadora da História, mas uma protagonista e precursora de uma das maiores proezas da humanidade.", proclama o Sr. Portocarrero, directamente de Cabo Canaveral, numa inesperada confusão entre astronáutica e santidade, ciência e fé que faria corar do vergonha o próprio Padre Mário da Lixa.
Depois os senhores gonçalos todos, sotainados ou não, ficam muito incomodados quando lêem e ouvem que Nossa Senhora de Fátima foi um ovni. E o negócio, valha-nos Deus?...
P.S. - Publicado originalmente no dia 15 de Agosto de 2019. O lamentável Sr. Portocarrero continua por aí, a dividir, a odiar, a disparatar, mas não é isso que interessa aqui hoje. Hoje é Dia Internacional do Voo Espacial Tripulado.
quarta-feira, 10 de abril de 2024
A vida era uma fotonovela
Recuemos. À década de oitenta do século passado e ao cimo da mui portuense Rua de 31 de Janeiro, onde havia uma casa de jogos de máquinas de flippers e afins que tinha uma cave com um altifalante fanhoso que, de uns quantos em quantos minutos, gritava cá para fora a curiosa frase "Mudança de modelo". Lá em baixo parece que havia umas raparigas muito jeitosas e nuas a fazerem não sei o quê e umas cabinas individuais e sebentas com ranhura para a clientela meter a moeda como nas velhas jukeboxes de feira e espreitar por um vidro e fazer também não sei o quê. Sei muito pouco do assunto porque, palavra de honra, nunca lá pus os pés. Ou se calhar pus, lembro-me vagamente da situação, não juraria em tribunal, mas isso também não vem ao caso.
Informei-me. "Mudança de modelo", logo a seguir ao ding-dong de uma campainha de aeroporto, queria dizer, por exemplo, que a morena mamuda passava a pasta à loura pernalta e ia para os bastidores ler a Corín Tellado, e assim sucessivamente e vice-versa, mas decerto queria dizer também que os clientes tinham de fechar a braguilha e limpar as mãos o mais rapidamente possível e dar a vez a outros, que eram mais que as mães, sobretudo no intervalo de almoço. O speaker de serviço dizia "Mudaaaança de modeloooo" com um garbo só comparável ao do mestre-de-cerimónias do Circo Merito quando anunciava na Feira Velha a sensacional "Maribelaaaa no seu rrrrrola-rolaaaa". Eu gostava: "Mudaaaança de modeloooo"! Parava em frente para ouvir, uma e outra vez, até à hora de voltar ao trabalho. E ria-me. Quase quarenta anos depois, leio e ouço a moderna lengalenga da "mudança de paradigma". "Mudança de paradigma" acima, "mudança de paradigma" abaixo. "Mudança de paradigma" para aqui, "mudança de paradigma" para ali. E também me faz rir, confesso, mas não me arrebita. Falta-lhe sustância, ao paradigma...
Já agora, sobre Corín Tellado, espanhola que se chamava Maria del Socorro Tellado Lopez e morreu no dia 11 de Abril de 2009, aos 82 anos. Escritora, autora mais lida na língua de Cervantes logo atrás do próprio, publicou mais de quatro mil romances cor-de-rosa ao longo de uma carreira de quase 56 anos, vendendo acima de 400 milhões de exemplares, o que lhe valeu a entrada no Guiness em 1994. Em Portugal, e pelo menos em Fafe, antes do 25 de Abril, a senhora Corín Tellado ficou famosa pela melosíssima revista de fotonovelas a que emprestava o nome. As revistas eram disputadas, partilhadas, emprestadas, trocadas, rompiam-se de mão em mão, iam de casa em casa como a Sagrada Família mas com outros interesses. A televisão era a RTP e o mais parecido com uma telenovela era o TV Rural do engenheiro Sousa Veloso, "despeço-me com amizade até ao próximo programa". Na rádio, o "Simplesmente Maria", folhetim radiofónico, chegou à Renascença apenas em Março de 1973, e o país desfez-se em lágrimas, como se houvera inundações. Já disse: era assim em Portugal e pelo menos em Fafe. A parte de Fafe do rés-do-chão, da esfregona e da costura. A parte de Fafe de que sou. Era triste mas era isto: a vida era uma fotonovela.
"Eu e a UNITA" no Mar Shopping
O novo livro do jornalista Orlando Castro, "Eu e a UNITA", é lançado no próximo domingo, dia 14 de Abril, pelas 16 horas, na Fnac do Mar Shopping Matosinhos. Sobre si próprio e sobre o que o move, diz Orlando Castro: "Ao longo dos anos defendo aquilo que considero o mais correcto para a minha terra, Angola. Consigo não agradar nem a gregos (MPLA) nem a troianos (UNITA)".
terça-feira, 9 de abril de 2024
Viva Zapata!
Viva Portugal!
Viva a República e a Monarquia!
Viva a Igreja e a Maçonaria!
Viva a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Vila Real de Santo António, não desfazendo de todas as outras associações humanitários de bombeiros voluntários do resto do País que têm nome mais curto, como, por exemplo, Fão ou Freixo de Espada à Cinta!
Viva!
Viva císsimo!
Viva mente!
Viva quente!
Vá para dentro!
Viva cidade!
Viva Villa!
Viva Zapata!
Viva México!
Arriba, arriba! Ándale, ándale!
Viva Las Vegas!
Ó Elvis, ó Elvis, bisavós à vista!
Viva!
Santinho!
P.S. - Emiliano Zapata (de seu nome completo, Emiliano Zapata Salazar), líder da Revolução Mexicana de 1919, herói nacional mexicano conhecido como Caudilho do Sul, foi emboscado e morto no dia 10 de Abril de 1919. Marlon Brando, o grande Marlon Brando cujo centenário passou por estes dias, foi Zapata no filme "Viva Zapata!", de 1952, com argumento de John Steinbeck e realização de Elia Kazan. "Viva Zapata!" foi considerado pelo The New York Times como um dos 1000 melhores filmes do mundo. De Zapata, dizem que disse um dia: "É melhor morrer de pé do que viver de joelhos", frase de almanaque também atribuída, parece que erradamente, a Franklin Roosevelt e, numa ligeira variação, a Che Guevara.
Memórias da ditadura
O livro "Memórias da Ditadura - Sociedade, Emigração e Resistência" será lançado depois de amanhã, dia 12 de Abril, pelas 18 horas, na Associação 25 de Abril, em Lisboa. A obra, concebida e realizada por Daniel Bastos, a partir do espólio fotográfico inédito de Fernando Mariano Cardeira, antigo oposicionista, militar desertor, emigrante e exilado político, tem edição bilingue (português e inglês), traduzida por Paulo Teixeira, e é prefaciada pelo historiador e investigador José Pacheco Pereira. A apresentação estará a cargo de Manuel Pedroso Marques, militar, antigo exilado político e presidente da RTP
Escreve Daniel Bastos: "No ano em que se assinala meio século de liberdade e democracia em Portugal, a publicação deste livro, que conta com o apoio institucional da Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril, constitui uma oportunidade simbólica de revisitar o país como era há 50 anos. Mormente o quotidiano de pobreza e miséria em Lisboa, a efervescência do movimento estudantil português, o embarque de tropas para o Ultramar e os caminhos da deserção, da emigração "a salto" e do exílio, uma estratégia seguida por milhares de portugueses em demanda de melhores condições de vida e para escapar à Guerra Colonial nos anos 60 e 70."
segunda-feira, 8 de abril de 2024
Então Ele não ressuscitou?
Gosto de entrar em igrejas e capelas. Igrejas e capelas vazias, silenciosas, fora dos horários de expediente. E abertas, o que é cada vez mais raro. Entro. Como ainda há bocado, na funcional capelinha da Obra do Padre Grilo, que frequento amiúde aqui em Matosinhos, ao pé da porta. Entrei, sentei-me, olhei em frente, e o que vi eu, para meu espanto, meu máximo espanto? O Jesus Cristo da Sexta-Feira Santa, seviciado, ferido, pregado à cruz e morto, como de costume em cima do sacrário vagamente dourado e embutido na parede de mármore, como se nada fosse, como se entretanto mais nada tivesse acontecido, como se não tivesse havido Domingo de Páscoa, como se a história tivesse morrido ali. - Ó diabo! - pensei, desconfiado -, mas então Ele não ressuscitou ao terceiro dia?...
É em situações assim, creio, que a fé de uma pessoa vacila.
O hóquei está de volta ao Palácio
Foto Tarrenego! |
Praticamente "pronto" o segundo Palácio de Cristal original, então baptizado Pavilhão de Desportos do Porto e ajambrado às três pancadas para o Campeonato Mundial de Hóquei em Patins de 1952, que decorreu assim mesmo sem cobertura. Isso, um pavilhão ao ar livre. Lá atrás, é possível ver talvez ainda um resto da cúpula central do verdadeiro Palácio de Cristal. Esta é uma de meia dúzia de fotos históricas que "trouxe" de O Primeiro de Janeiro antes que chovesse, mas não lhe sei o autor.
O Pavilhão Rosa Mota chama-se actualmente Super Bock Arena, isto é, continua ligado ao ramo das cervejas, quem sabe se um dia não será Sagres ou Cergal, e, 72 anos depois, volta a receber uma grande competição de hóquei em patins, agora a final four da Liga dos Campeões, nos dias 11 e 12 de Maio.
domingo, 7 de abril de 2024
sábado, 6 de abril de 2024
A tensão, muita a tensão
- Temos tomado a nossa medicação? - pergunta-me ela.
- Temos, temos, senhora doutora - respondo eu, que sou uma pessoa educada e um exemplar tomador de medicações.
- Temos feito o nosso exerciciozinho diário?
- Todos os dias, senhora doutora.
- Temos moderado a nossa alimentação?
- Que remédio, senhora doutora. O dinheiro já só dá para cascas de batatas.
- Ora ainda bem. Vamos lá ver como que é temos a nossa tensão - diz-me ela.
- Vamos a isso, senhora doutora, nem é tarde nem é cedo - digo eu, tirando o casaco que nunca uso e arregaçando a manga da camisa.
Vimos a tensão.
- Temo-la um bocadinho alta - informa-me ela, sem esconder a preocupação.
- Um bocadinho pouco ou um bocadinho muito, senhora doutora? - pergunto eu, evidentemente também já um bocadinho muito à rasca.
- Bastante, bastante. Vamos meter este comprimidozinho debaixo da língua e vamos deitar um bocadinho ali - diz-me ela.
- Vamos lá então, senhora doutora. A senhora doutora primeiro, que eu gosto de ficar por cima - digo eu, que, repito, sou uma pessoa educada e exemplar tomador de medicações.
P.S. - Publicado originalmente no dia 27 de Dezembro de 2012.
Na saúde e na doença
Os últimos castores
A obra-prima
P.S. - Os Delfins, de Miguel Ângelo, celebram hoje 40 anos de carreira. Melhor fariam se celebrassem 40 anos de início da carreira, uma vez que estiveram pelo menos uma dúzia de anos parados, desfeitos como banda, isto é, sem carreira, mas, pronto, este é o truque a que muitos artistas deitam mão para exibirem uma consistência e uma perenidade que verdadeiramente não têm...
sexta-feira, 5 de abril de 2024
Abdominais definidos
quinta-feira, 4 de abril de 2024
E se o fim do mundo for isto?
A autarquia agradece. Faz colecção. No brasão de Lisboa figuram corvos, no de Matosinhos deveriam desenhar saralhotos. A cidade de Matosinhos, para além das muitas outras coisas muito boas, é isto: não há passeios que cheguem para tanta merda de cão. E não é só Matosinhos, embora Matosinhos abuse. E a culpa não é do cão.
quarta-feira, 3 de abril de 2024
O rato roeu a rolha
Revoltaram-se portanto os ratos. Organizaram-se. Chegada a horinha, meteram-se na fila, esperaram pela vez respectiva, marcaram o ponto e abandonaram ordeiramente o navio. Foram os últimos a sair. E apagaram a luz. Já em terra firme, os ratos dirigiram-se sem mais delongas à montanha que os pariu e roeram a rolha da garrafa do rei da Rússia. Todos, menos o Alcides, que era um rato de biblioteca e foi para o café ler "A Saga/Fuga de J.B.", de Gonzalo Torrente Ballester.
Há barcos para muitos portos
terça-feira, 2 de abril de 2024
Salgueiro Maia, por Sophia
respeitou o vencido
Aquele que deu tudo e não pediu a paga
Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite
Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com a sua ignorância ou vício
Aquele que foi "Fiel à palavra dada à ideia tida"
como antes dele mas também por ele
Pessoa disse
Sophia de Mello Breyner Andresen
(Salgueiro Maia morreu no dia 3 de Abril de 1992)
Poema a Salgueiro Maia, de Manuel Alegre
a caminho de Lisboa
não sabia se ganhava
não sabia se perdia.
Ele ia de Santarém
para jogar a sua sorte
a caminho de Lisboa
em marcha de vida ou morte.
E dentro dele uma voz
todo o tempo lhe dizia:
Levar a carta a Garcia.
Ele ia de Santarém
todo de negro vestido
como um cavaleiro antigo
em cima do tanque verde
com o seu elmo e sua lança
ei-lo que avança e avança
ninguém o pode deter.
Ele ia de Santarém
para vencer ou morrer.
E em toda a estrada o ruído
da marcha do Capitão.
Eram lagartas rangendo
e mil cavalos correndo
contra o tempo sem sentido.
E aquela voz que dizia:
Levar a carta a Garcia.
Era um cavaleiro andante
no peito do Capitão.
E o pulsar do coração
de quem já tomou partido.
Ele ia de Santarém
todo de negro vestido.
Manuel Alegre
(Salgueiro Maia morreu no dia 3 de Abril de 1992)
Salgueiro Maia, segundo Manuel Alegre
Ficaste na pureza inicial
do gesto que liberta e se desprende.
Havia em ti o símbolo e o sinal
havia em ti o herói que não se rende.
Outros jogaram o jogo viciado
para ti nem poder nem sua regra.
Conquistador do sonho inconquistado
havia em ti o herói que não se integra.
Por isso ficarás como quem vem
dar outro rosto ao rosto da cidade.
Diz-se o teu nome e sais de Santarém
trazendo a espada e a flor da liberdade.
Manuel Alegre
(Salgueiro Maia morreu no dia 3 de Abril de 1992)
Manicómicos
Foto Hernâni Von Doellinger |
Por falar nisso. O Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, foi inaugurado no dia 2 de Abril de 1942. Ali estava, segundo a imprensa da época, um "manicómio", um lugar para "assistência a alienados", um "pavilhão para loucos", um sítio "esplêndido" e "simpático". E ainda bem. A imprensa da época vai entretanto ser corrigida com termos mais mansos, porque há coisas que hoje em dia realmente não se dizem. Nomeadamente "assistência", "pavilhão", "esplêndido" e sobretudo "simpático", que é uma palavra filha da mãe. Uma palavra, numa palavra, manifestamente suspeita e aliás indecente, direi até cancelável.
segunda-feira, 1 de abril de 2024
Eu queria ser palhaço, mas palhaço completamente
Que se segue: já há muito que sou grande e, francamente, sou tarzan e é um pau. Sou tarzan como a maioria dos portugueses: estamos de tanga e isso é indesmentível, somos portanto tarzões.
Mas palhaço é que era! Alguns amigos, lisonjeiros, dizem-me que eu às vezes até sou um bocado palhaço. Por outro lado, o das costas, alguns filhos da mãe que não me gramam acusam-me de eu às vezes ser um bocado palhaço. Palavra de honra, às vezes e um bocado não me chega: eu queria ser palhaço, mas palhaço completamente.
Brincar em serviço
P.S. - Hoje é Dia Internacional da Diversão no Trabalho.