Foto Hernâni Von Doellinger |
Já contei que o meu avô da Bomba, apesar de quarteleiro dos Bombeiros de Fafe, e daí o apelido, nunca se apartou completamente do velho e honrado ofício de sapateiro com que se iniciara na vida. Enquanto pôde, num cantinho por baixo das escadas que subiam para "o salão" do quartel da Rua José Cardoso Vieira de Castro, ele manteve banca e fez, com desenho próprio, as sandálias e sapatos que calçavam a família. A família lá de casa dele, quero dizer, mulher e filhos, porque o meu avô não era de dar. O máximo que dava eram os bons-dias, mas exigia o troco e recibo com número de contribuinte.
Em todo o caso, fui semanticamente injusto quando chamei sapateiro ao meu avô da Bomba. Sapateiro. Nestes tempos em que nem os cegos são cegos - são invisuais -, agora que já nem há mentirosos - mas inverdadeiros -, nos dias em que nem os bois são chamados pelos nomes - têm números -, chamar sapateiro ao meu avô da Bomba é praticamente um insulto, e estou muito arrependido, que me desculpem os sapateiros propriamente ditos.
Se escrevesse hoje, e é o que faço agora, eu diria que o meu avô da Bomba era um mestre do artesanato, um artífice do calfe, uma sumidade da sovela, uma Joana Vasconcelos por antecipação, e fazia-lhe um museu; diria que era uma start-up em pessoa e metia-o na Bolsa de Nova Iorque; diria que era um criador de sapatos e enchia-o de massa do PRR; diria que era um caso exemplar do empreendedorismo nacional e pendurava-lhe mais uma medalha no 10 de Junho; diria que era um estilista, um designer de calçado, e acompanhava-o à Feira de Milão. É isso. Se escrevesse hoje, eu diria que, para todos os efeitos, o meu avô era um designer, um artista, isso, sobretudo um artistas. Ai era, era...
P.S. - Publicado originalmente no dia 19 de Novembro de 2015. Hoje é Dia Mundial do Design Gráfico, e cá estamos outra vez...
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