terça-feira, 7 de janeiro de 2025

PS, o velho saco de gatos

António José Seguro desafiou Mário Centeno a explicar o salário de Hélder Rosalino no Banco de Portugal - 15 mil euros por mês, como consultor da administração. António José Seguro e Mário Centeno são socialistas e potenciais candidatos à Presidência da República. Hélder Rosalino, não, nem é socialista nem candidato à Presidência da República - que só paga, líquidos, menos de 6 mil euros por mês.
Quer-se dizer: Seguro, para marcar posição, começa por atacar o seu camarada de partido, o que só lhe fica bem, na longa tradição socialista. Sendo o PS o eterno saco de gatos que é, queimam-se todos uns aos outros, os melhores, e no fim atamancam um candidato de merda, perdem as eleições, e a culpa, já se sabe, é do povo, que não sabe o que quer.
Eu por acaso acho extraordinário que alguém, para além dele próprio, pense que, nos dias de hoje, António José Seguro é um bom candidato a eleições. Seguro, apesar do nome, e não lhe ponho em causa a honradez e o sentido de serviço, é realmente uma personalidade arrebatadora e empolgante, uma figura carismática e mobilizadora, entusiasmante - tanto que, juro e com o devido respeito, de cada vez que o vejo e ouço, faz-me sempre lembrar o Droopy, o cãozinho melancólico dos desenhos animados de Tex Avery, e ainda assim fica a perder.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Mistérios de Fafe

Arranco o ano de 2025 com um novo blogue - Mistérios de Fafe, título que pedi emprestado à obra de Camilo Castelo Branco. Anunciam o abandono e morte dos blogues, e eu, como de costume em contramão, regenero-os e multiplico-os. Não prometo grandes novidades, é certo, mas ofereço mais do que baralhar e dar de novo. Mistérios de Fafe conterá, para começar, todos os meus textos já publicados sobre vidas, pessoas e acontecimentos do meu tempo de Fafe, isto é, sobre o modo como o recordo ou quero recordar. Todos os textos serão revistos e geralmente aumentados, passados a limpo, por assim dizer, à espera talvez de outro uso futuro, mas, de momento, sem um objectivo concreto no horizonte. Por outro lado, e sempre que possível, os textos serão expurgados das notas de actualidade a que amiúde estão conectados nos meus outros dois blogues - Tarrenego! e Fafismos (De Fafe, com muito gosto). Nenhum texto será igual à sua versão anterior, isso é garantido.
Mistérios de Fafe será o meu arquivo privilegiado, o meu caderno de apontamentos favoritos,  provavelmente para nada. Memórias pessoais, juvenis e profissionais, velhas amizades, cromos e admirações, cenas gagas ou desgraçadas, "adultérios, homicídios, missionários e outros cirros sociais", como dira Camilo, tudo será ali contado, portanto cuidado, muito cuidado! O ritmo de publicação em Mistérios de Fafe será vagarento, a seu-meu bel-prazer, sem agenda nem calendário, porque esta vida são dois dias e estamos praticamente no Carnaval, que são três.
É esta a ideia. Pelo menos, em princípio...

Cantei os Antunes aos Reis

Ando desencontrado com os dias. Ontem acordei outra vez com uma daquelas dúvidas tolas que me perseguem há que tempos, coisas da idade: seria dia de ir cantar os Reis aos Antunes ou dia de ir cantar os Antunes aos Reis? Atirei a moeda ao ar. Fui cantar os Antunes aos Reis.

Dia de Reis

Hoje é Dia de Reis. O Dia de Presidentes da República não sei quando é. Os calendários são omissos.

Como um camelo

Dizer-se que ele bebia como um camelo, era um abuso. Ele bebia realmente muito, mas todos os dias. 

Rei morto, rei posto

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 5 de janeiro de 2025

O meu amigo racista

Sabeis o que dizem todos os racistas para dizerem que não são racistas, claro que sabeis. Para dizerem que não são racistas, os racistas dizem: - Até tenho um amigo que é preto! É o que eles dizem, sim senhor, os racistas, essas criaturas da pior espécie, mas que fazem parte de nós, e escusais de vir agora chamar-me wokista, simplista, esquerdista, maniqueísta ou antista de qualquer coisa, porque realmente não sou. Se quereis saber, eu até tenho um amigo que é fascista, racista, xenófobo, homofóbico e o resto...

A respeito das Presidenciais

André Ventura é candidato à Presidência da República. Eu não. Somos, de facto, muito diferentes.

Entre mortos e feridos, ninguém se aleijou

Vinho na pipa
couves na horta
se não nos der nada
cagamos na porta

A casa do Sr. Carlos da Cantina, na Recta, tinha no portão um aviso que dizia, mais ou menos, "Atenção! Perigo! Propriedade protegida por arma de fogo!", e aquilo metia-me muito medo, arrepiava-me, perseguia-me, não porque me passasse pela cabeça enveredar pela carreira de assaltante de residências, longe disso, caramba, a minha mãe batia-me, mas porque, na minha natural infantilidade e ignorância, eu ainda não ligava "arma de fogo" a espingarda, caçadeira, metralhadora ou pistola, mas a uma série de armadilhas explosivas e incendiárias que rebentariam sem dó nem piedade em todo o perímetro mal alguém ousasse sequer pôr o pé na vedação, por acaso alta e gradeada. Não haveria sobreviventes. Aquilo não era uma casa, era uma mansão, um cofre-forte ou quartel-general, uma imensa ratoeira, com muito terreno à frente e hei-de crer que também atrás. Eu, ai ninas, mudava sempre para o outro lado da rua quando por lá passava por algum recado.
Portanto, para quem não soubesse que o Sr. Carlos da Cantina era um homem rico, muito rico, o aviso estava lá: - Sou! E é tudo para mim. Isto é: estão a ver o Marco Paulo? No que diz respeito a fortuna, cinjamo-nos a esse departamento, o Sr. Carlos da Cantina devia ser um bocado como o Marco Paulo, mas em careca. Filhos, não posso precisar se tinha ou não, não me lembro deles se os houve, pelo menos não foram das minhas relações, o que só lhes abonaria, mas sei que tinha um afilhado, que também se chamava Carlos, noblesse oblige, creio que morava frequentemente lá no palácio e foi meu colega de escola primária, na Conde Ferreira. Era um moço porreiro, o Carlos, e o que lhe estimo é o que para mim desejo.
A Recta é a Avenida de São Jorge e o Sr. Carlos era da Cantina porque era o responsável-mor pela Cantina da Fábrica do Ferro, grande negócio, uma mina, e era por isso que era rico, muito rico, porque todos os responsáveis da Fábrica do Ferro ficaram ricos, muito ricos, só os operários, evidentemente irresponsáveis, é que ficaram pobres, muito pobres, e se, pelo Natal e por vingança, algum deles, mais atrevido ou revolucionário, resolvesse saltar o muro do shangri-la do Sr. Carlos da Cantina tendo em vista, digamos assim, orientar uma braçada de couves-galegas para a panela da consoada, morria logo ali que se fodia, feito em picado como na Guiné, e essa imagem não me saía da cabeça.
Ainda por cima, uma vez, em Passos, isto é, em Basto, nas minhas inesquecíveis férias de Verão, vi uns rapazes a construírem uma verdadeira "arma de fogo", com um pedaço de madeira, um tubo, arames, pólvora, farrapos e varetas de guarda-chuva aguçadas, que eram as balas. Chamavam àquilo "espoleta" ou, realmente, "esporeta". Era para ir à caça, e foram. Um dos miúdos ficou cego de um olho, já não me lembro se derivado a explosão desorientada ou vazado pelo projéctil - meteu-me impressão, de qualquer maneira. E eu, tornando a Fafe e ao fort knox do Sr. Carlos da Cantina, imaginava milhares de varetas de guarda-chuva a rebentarem-lhe do quintal inteiro e a assobiarem os ares, como se fosse Senhora de Antime, mas flamejantes as varetas, certeiras e mortíferas na descida, levando tudo a eito, a ferro e fogo, desde a Parefa, sejamos razoáveis, pelo menos até ao tasco do Lando da Recta, no fim da mesma, onde a estrada começa a curvar e a descer para Armil. Uma carnificina extraordinária, espectacular, nunca vista em lado algum, nem mesmo no nosso Cinema, que, não desfazendo, era de tiro e queda e de caixão à cova. E a gente a morrer ali desalmadamente, sem tempo sequer para levar a caneca aos queixos.
Ora bem. O que eu digo é o seguinte: conheci muito bem o Sr. Carlos da Cantina e a sua imensa viatura, mas sou capaz de admitir que o filho da puta do letreiro de ponta e mola me tenha indrominado a mente a respeito do homem propriamente dito, que se calhar até era uma jóia de indivíduo, eu que é estou para aqui a fazer filmes. Admito, sim senhor. Em todo o caso, e pelo sim e pelo não, nunca lhe fui cantar os Reis ou as Janeiras, no tempo deles e delas, nessa nunca me apanharam. Eu, que era um solista requisitado por vários e afamados grupos, voz de anjo já com certificação seminarística, tinha medo àquele reclame armado em parvo, já disse, ali nunca ninguém me haveria de ouvir. Cagar-lhe à porta, talvez. Mais do que isso, não.

P.S. - A quadra lá de cima era cantada, em Fafe, no final das Janeiras e dos Reis, espécie de encore caso tardasse a abertura da porta da casa e a moedinha da ordem. E, na verdade, não se dizia "cagamos" mas "caguemos", "caguemos na porta", como se ainda faláramos o velho e indesmentível galego. Era também uma reclamação, um aviso, mas da parte de fora, uma ameaça, quem sabe se alguma vez consumada...

sábado, 4 de janeiro de 2025

Português, taxista, 86 anos de idade

Foto Ivo Borges / O Minho

A notícia é de ontem, do jornal O Minho, e vendo-a pelo preço que a comprei:
"Um táxi desgovernado embateu numa carrinha, derrubou placas de sinalização, postes e iluminações de Natal e ainda embateu num edifício, na rua Dr. José Sampaio, em Guimarães, ao início da tarde desta sexta-feira.
Ao que O MINHO apurou no local, o taxista tem 86 anos, sendo um dos profissionais mais antigos na cidade. Terá tido um acidente na semana passada e trocou de carro. Por ainda não estar habituado à viatura ter-se-á atrapalhado com os pedais, acabando por levar tudo à frente.
O octogenário terá sofrido um ferimento ligeiro e recusou transporte ao hospital.
O acidente causou grande aparato no cidade.
A PSP registou a ocorrência."
Quer-se dizer: Portugal, século XXI, alguém a precisar ou a fazer questão de trabalhar aos 86 anos? E, ainda por cima, como taxista? E pode? E deixam? E é apenas "um dos profissionais mais antigos na cidade"? Há  mais, e mais antigos? Palavra de honra? Não me venham dizer que este país não é para velhos. E os novos, que fujam! Da frente...

Firme e hirto como uma barra de ferro


Não sei se foi pelos 16 de Maio ou pela Senhora de Antime, talvez fosse pelo Natal ou então ocorreu num dia qualquer, anónimo, um dia sem atributos que o destaque ou recomende. Mas aconteceu. Uma vez, um artista hipnotizador, quiçá mentalista e certamente ilusionista veio dar um espectáculo ao nosso Cinema e eu, que era mocico e pobre, não entrei, não vi, porque era preciso pagar bilhete para entrar. E era uma bonita tarde de sol. Para chamar povo como no Poço da Morte dos 16 de Maio e da Senhora de Antime, o artista hipnotizador, quiçá mentalista e certamente ilusionista fez cá fora, na Rua Monsenhor Vieira de Castro, o famoso número de conduzir um carro com os olhos vendados, naquele bocado de estrada entre a esquina do Santo Velho e o ateliê do Zé Manel Carriço, exactamente nesse sentido, que era permitido na altura, nem cem metros sempre em linha recta, assim também eu, foi o que então pensei, e no entanto ainda hoje não sei conduzir nem tenho carta de condução, com os olhos abertos ou fechados. O mirabolante número da condução em braille terá sido feito cá fora de mais a mais porque lá dentro decerto não daria jeito, cheguei também a essa importante conclusão aqui atrasado, quando finalmente percebi que o bonito Teatro-Cinema de Fafe, apesar de realmente glorioso e frequentemente "icónico", é muito mais pequeno do que eu o supunha no meu tempo.
Esperei pelas horas à sombra, no passeio em frente, fazendo malha com o cotão dos bolsos, discretamente, encostado à histórica casa-mãe dos Summavielles, como já lhe chamei, e que era habitual sítio de estar. No final da função, os ilustres que pagaram para entrar e ver disseram-me que aquilo lá dentro não prestou, que não valera o dinheiro. Felizmente para eles, a saída era de graça...
O artista talvez fosse o Professor Karma, esse extraordinário e irrefutável hipnotizador de galinhas, lembrei-me agora, mas de momento não estou em condições de o afiançar sem correr risco de levar com um par de desmentidos no focinho. Era, em todo o caso, "um" Professor Karma, ainda que vestisse outro nome mais ou menos estrambólico. O grande Zandinga, haveria eu de conhecê-lo pessoalmente, alguns anos mais tarde, numa noitada para lá de estranha, no Porto, e Alexandrino, o cromo do "firme e hirto como uma barra de ferro" a quem Herman José deu fama, é muito mais recente.
Em Fafe apareciam de vez em quando uns fenómenos assim, prontos a facturar sem serem convidados, e uma ocasião até nos quiserem impingir espectáculos de luta livre nos antigos Bombeiros, com cartazes sugestivos, os sensacionais Tarzan Taborda, José Luís, Carlos Rocha e tudo, vindos directamente do Coliseu dos Recreios, do Parque Mayer e do Pavilhão dos Desportos de Lisboa. Eu conto falar proximamente de mais algumas dessas extraordinarices fafenses, antigas, na linha do artista hipnotizador, quiçá mentalista e certamente ilusionista armado em cego que nos veio enganar a preço eventualmente módico numa bonita tarde de sol. Os fafenses de hoje em dia não fazem ideia da sorte que têm com a programação que lhes colocam actualmente ao dispor, do melhor que pode ser visto e ouvido em Portugal, e digo isto apenas por inveja retroactiva e, por uma vez, sem ponta de cinismo.

P.S. - Publicado no passado dia 31 de Janeiro, ainda sem Professor Karma e Zandinga, assinalando o Dia Mundial dos Mágicos. Hoje é Dia Mundial do Hipnotismo. E Dia Mundial do Braille.

Cantemos os reis, cantemos os roques

viva o rei
dos leitões, do cachorro quente, dos queijos e dos beijos
da sardinha assada, do churrasco, do carvão, dos frangos, dos galos
de barcelos
das bolas de berlim, do vinho e da cerveja, dos presuntos, das bifanas
do caracol, das castanhas, das batatas, do pernil
do cabrito e dos cabrões
do bacalhau, da picanha, da laranja, das tripas, dos bitoques
das migas, das caldeiradas
do marisco, das carnes, do cozido, frito, assim e assado
do caldo verde, dos croissants, dos bolos e dos tolos

viva
viva o rei
dos fogões e dos balões, da louça, dos móveis, dos candeeiros
dos tapetes, das alcatifas, dos relógios, dos tecidos, das fardas
dos sapatos, das meias, das malhas, das samarras
dos guarda-chuvas, das luvas, dos chapéus e dos bonés
das gravatas, dos fatos e dos factos
dos sofás

do ioió, do sexo, dos gnomos, do crime, dos filmes
da noite, do jet-set
da pornografia
dos pássaros e das pássaras
das cópias, das fotocópias
dos livros e dos livres 

viva
viva o rei
dos óculos, das limas, das ferramentas, dos salvados, da sucata, do pneu
das tintas e dos tintos
da rádio
do fado, do gado, do rock'n'roll, do baião, do malato, do kuduro, do forró
das flores
do butão e do fecho-éclair

viva
viva o rei
de espadas
de ouros
sobre azuis
de copas
de copos
e de paus
mandados
reispectivamente

viva
viva o rei
dos cartões amarelos e de crédito
das bolas paradas e das assistências
das pole positions e dos afundanços

vivam
vivam
rei pelé, ray charles, ray liotta, rei zinho, rei naldo, rei nunido

vivam
vivam os reis
com o rei na barriga
rei morto, rei posto

viva o rei dos catalisadores

vivam os reis dos cartuchos
dos carimbos, dos caramelos
e dos carburadores

vivam os reis
sem rei nem roque
vivam o roque e a amiga
viva o rock em stock
viva, viva a rei nação
o rato roeu a rolha da garrafa do rei da rússia

vivam
vivam
o rei da selva, o rei-do-mar, o rei pescador
e o rei taxidermista, o rei da montanha
mais o rei dos ares
condicionados

vivam
vivam
o rei momo, o reigrilo
o armindo rei, o dos reis almeida
o rei tor manietador e o reisparta

vivam
vivam
o rei do universo
o cristo-rei
o rei dos reis
o bolo-rei

e os reis
belchior, baltasar e gaspar
magos

(fresquinho, no Peixoto, pela passagem de ano)

vivam o rei
maila sua ex-celsa com sorte
vivam

tchim
tchim

P.S. - Publicado originalmente no dia 5 de Outubro de 2011, sob o título "Viva o rei".

O injusto sono dos justos

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

O dia em que envelheci

Sei muito bem o dia em que envelheci. Foi de repente. Sei o ano, sei o mês, sei o dia e até sei a hora, mas tanta exactidão não vem aqui ao caso. Sei o local e sei as circunstâncias. Foi no Hospital de Gaia, numa consulta de medicina do sono, creio que a coisa se chamava ou chama assim. A dado passo da bateria de exames e do minucioso inquérito, a médica perguntou-me, surpreendentemente: - Quando era novo, o Sr. Américo já sentia este cansaço?..
Eu ia caindo de cu. Primeiro. Esta mania de me tratarem pelo meu primeiro nome, Américo, nas consultas e, em geral, em todos os serviços públicos ou privados que exigem a competente apresentação de credenciais. Não sei, chamam-me Américo e eu, que estou tão habituado a chamar-me Hernâni, procuro sempre outro indivíduo ao meu lado, no meu próprio lugar. Sinto-me outra pessoa, um estranho de mim mesmo. Tratar-me por Américo é um privilégio que está reservado ao meus companheiros da escola primária, em Fafe, e mesmo com esses poucos que ainda se lembram de mim nunca sei se é comigo que estão a falar quando falam comigo. O Bergiguinha chama-me Américo com todo o direito, mas diz que chama Américo a todos os homens da minha família. Segundo. "Quando era novo", disse ela. Quando era novo?! Porra, eu ainda sou novo, tentei corrigir gentilmente a senhora doutora, atirando ao ar duas ou três larachas e apanhando-as, a todas, sem deixar cair, disparando-me da marquesa, acto contínuo, num acrobático salto encarpado, com duas piruetas à retaguarda. 
Mas não adiantou. Pelo contrário. A doutora insistia, parecia-me agora que com algum prazer, com uma certa maldade, "quando era novo" para aqui, "quando era novo" para ali, "quando era novo" acima, "quando era novo" abaixo, e quem sou eu para contrariar o veredicto da medicina, a sábia decisão da ciência? 
E foi assim. Nesse dia, naquele preciso momento, fiquei velho para toda a vida, por indicação médica e sem remédio. Eu acabara de fazer 41 anos.

P.S. - Hoje é Dia do Festival do Sono. Coisa de velhos. Por outro lado, de acordo com o nosso Governo, a juventude vai pelo menos até aos 35 anos.

O candidato da Maçonaria

Parece que o almirante Gouveia e Melo vai ser o candidato da Maçonaria à Presidência da República. E não me admirará que ele seja também o candidato, declarado ou não, do Opus Dei. Quer-se dizer: ainda sem vir à tona, o nosso submarinista já faz o pleno.

Aqui estão os Reis à porta...

Os Reis, já seremos tão poucos a lembrarmo-nos, cantavam-se de porta em porta. Na rua por nossa conta. Em Fafe de antigamente, como nos antigamentes de outras terras. Fazia um frio de rachar e éramos crianças lamentavelmente enfiadas em roupa regrada mas limpa e calçado malpropício, desagasalhadas da vida mas livres e felizes ao menos uma noite em cada ano. As palavras saíam-nos tremidas, vaporosas, condensadas, pedras de gelo às vezes, num bater de dentes que, regra geral, passava muito bem por acompanhamento a trancanholas ou reco-reco (ou requerreque, em fafês), até parecia habilidoso arranjo musical feito de encomenda por um artista das nossas bandas filarmónicas. Éramos portanto crianças, pobres, de porta em porta, na rua gelada, a abençoar a noite dos adultos, se possível burgueses e talvezes. Estão a ver o Halloween? Os nossos Reis eram isso mais ou menos, mas a generosidade morava no lado de fora. E o papel higiénico era um luxo e só limpava o cu dos ricos. O nosso, limpávamo-lo ao jornal...

Cantávamos:
"Do dia cinco prò seis,
nós vimos cantar os Reis..."

Cantávamos:
"Correi, ó pastores,
que a noite está bela,
vinde ver Jesus
na formosa estrela."

Cantávamos:
"Aqui estão os Reis à porta..."

Cantávamos:
"Olhei para o céu,
estava estrelado,
vi o Deus Menino
nas palhas deitado.
Nas palhas deitado,
nas palhas esquecido,
filho duma rosa,
dum cravo nascido."

Cantávamos:
"Pastorinhos, pumpum,
do deserto, pumpum,
vinde todos a Belém.
Pumpum.
Vinde ver, pumpum,
o Menino, pumpum,
que Nossa Senhora tem.
Pumpum."

Cantávamos:
"Quem diremos nós que viva
nas folhinhas do codesso,
viva o dono desta casa
que eu por nome não conheço."

E também cantávamos:
"Vinho na pipa,
couves na horta,
se não nos der nada,
cagamos na porta."

É. Era. Não me canso de o dizer. Estão a ver o Halloween? O "típico" Halloween português, essa "tradição" tão fafense do Halloween? Os nossos Reis eram isso mais ou menos, mas em verdadeiro, em realmente nosso. E com música.

Encontro de Cantadores, em Fafe

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Quantos eram os três reis magos?

Os três reis magos eram não se sabe quantos, e na verdade nem eram reis nem eram Magos. Provavelmente inexistiram. Ou então seriam Moët & Chandon. Mas isso não interessa. O certo é que, depois de terem adorado o Menino Jesus, em Belém, e de lhe terem oferecido ouro, incenso, mirra, um tambor, uma playstation e um carrinho de bombeiros, dedicaram-se à bola: Gaspar brilhou no Rio Ave, Baltasar fez seis épocas no Sporting e Belchior jogou na selecção de futebol de praia.

Por outro lado, que raio de ideia foi aquela de oferecer mirra a alguém? Mirra!? Mas isso é algum presente?...

O introvertido

Hoje é Dia Mundial do Introvertido. Mas vamos deixá-lo em paz...

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Sérgio Conceição, o novo Matusalém

Foto Hernâni Von Doellinger

Sérgio Conceição, treinador de futebol, chegou ao Milan e disse, a respeito de uma desimportância qualquer que lhe perguntaram: "Não tenho de mudar agora, tenho 50 anos, há 13 anos que faço este trabalho". O homem completo, o velho sábio. O Sr. Sérgio Conceição pensa que sabe tudo do mundo, mas sabe pouco da vida - ouso dizer eu, que, humildemente, tenho apenas 67 anos e faço este trabalho há apenas 43 anos e mudo todos os dias, várias vezes ao dia, e ainda não acertei, essa é que é a verdade. Conceição é uma criança, mas pensa que é Matusalém. Não é. Matusalém morreu aos 969 anos, inesperadamente, no ano mesmo do Dilúvio, e apenas porque decerto não saberia nadar.

Um dia para a paz, o resto para nós

Hoje é Dia Mundial da Paz. E pensou muito bem o papa Paulo VI quando, em 1967, inventou a efeméride, marcando-a logo para o primeiro dia do ano. Assunto resolvido! Os outros 364 dias ficam todos por nossa conta, e é a guerra que se sabe...

A guerra dos dias

Hoje é Dia Mundial da Paz. O Dia Internacional da Paz será a 21 de Setembro, se Deus quiser. E não é pacífica a discussão sobre qual é, das duas, a data mais importante e vice-versa.

E assim se passou

Meia hora na fila para o pão, uma hora na fila para o bolo-rei, duas horas na fila do marisco para o almoço, três horas na fila do leitão para o jantar, quatro horas na fila da discoteca para o réveillon. Celebrou as doze badaladas cerca das cinco da manhã, ao relento, na fila da bomba de gasolina, bêbado como um cacho, e não se lembra de nada. Foi um ano muito bem passado.

Como os melões

Os anos são como os melões. Mas ao contrário. Só depois de fechados é que se sabe se foram bons. 

Como as cerejas

Os anos são como as cerejas. Vêm uns atrás dos outros.

Como por exemplo

Foto Hernâni Von Doellinger