domingo, 28 de fevereiro de 2021

A volta ao quarteirão

Por mais voltas que desse ao quarteirão, eram sempre vinte e cinco, e não saía dali.

Paulo Mendes Campos 5

As mãos que se procuram
 
Quando o olhar adivinhando a vida
Prende-se a outro olhar de criatura
O espaço se converte na moldura
O tempo incide incerto sem medida

As mãos que se procuram ficam presas
Os dedos estreitados lembram garras
Da ave de rapina quando agarra
A carne de outras aves indefesas

A pele encontra a pele e se arrepia
Oprime o peito o peito que estremece
O rosto o outro rosto desafia

A carne entrando a carne se consome
Suspira o corpo todo e desfalece
E triste volta a si com sede e fome.

[Amor Condusse Noi Ad Una Morte] 


Paulo Mendes Campos

(Paulo Mendes Campos nasceu no dia 28 de Fevereiro de 1922. Morreu em 1991.)

Lavrando em erro

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 27 de fevereiro de 2021

Os engolidores

Engolidores, há-os. Como por exemplo engolidores de sapos, metaforicamente falando, engolidores de fogo, que na verdade não engolem mas borrifam, e engolidores de espadas. Engolidores de copas e engolidores de ouros não sei, mas engolidores de paus também há-os.

P.S. - Hoje, último sábado de Fevereiro, é Dia do Engolidor de Espadas.

Umas mão no chão e a outra não

Foto Hernâni Von Doellinger

Desarmado em parvo

Era tão pacifista, tão pacifista, tão objector de consciência, tão objector de consciência, tão não-violento, tão não-violento, que havia quem dissesse que ele andava constantemente desarmado em parvo. 

O homem-bala
Cabisbaixo e de mala na mão, o homem-bala apresentou-se logo de manhãzinha na rulote da gerência. Ia-se embora, para casa. Tinha descoberto durante a noite que era objector de consciência. 

P.S. - O estatuto de objector de consciência foi publicado no dia 27 de Fevereiro de 1987.

Que culpa é que o vinho tem?

Dizer-se que Alguém tem mau vinho é um insulto ao vinho e uma grande injustiça. Há quem seja filhodaputa mesmo em jejum e abstinência, e que culpa é que tem o vinho? Mau vinho é outra coisa, e ainda assim serve para vinagre...
(No próximo programa abordaremos as não menos fracturantes problemáticas do mau fígado, do mau-olhado e do mausoléu.)

P.S. - O escritor norte-americano John Steinbeck, autor de "As Vinhas da Ira" e Nobel da Literatura em 1962, nasceu no dia 27 de Fevereiro de 1902.

Mas bem haja um certo volume de coxas

Foto Hernâni Von Doellinger

Ruy Belo 8

O valor do vento

Está hoje um dia de vento e eu gosto do vento
O vento tem entrado nos meus versos de todas as maneiras e
só entram nos meus versos as coisas de que gosto
O vento das árvores o vento dos cabelos
O vento do inverno o vento do verão
O vento é o melhor veículo que conheço
Só ele traz o perfume das flores só ele traz
a música que jaz à beira-mar em agosto
Mas só hoje soube o verdadeiro valor do vento
O vento actualmente vale oitenta escudos
Partiu-se o vidro grande da janela do meu quarto

Ruy Belo

(Ruy Belo nasceu no dia 27 de Fevereiro de 1933. Morreu em 1978.) 

Albino Magaia 4

Peregrinação

Esta alma que sonha com mundos impossíveis
veio talvez de outras esferas
habitar a terra numa peregrinação cósmica
em busca da verdade.
Tatuada de revolta de nascença
sonha com mundos impossíveis
luta pela liberdade pelo amor.
Vencida pela rudeza palpável
de uma geração sem norte
mártir de uma sociedade injusta
um dia voltará a bater asas
prosseguindo a peregrinação cósmica
em busca da verdade.
Veio talvez de outras esferas
lançar um escarro numa geração sem norte
desafiar - com risco de perder
uma sociedade que não conhece outras esferas
nem pode entender uma revolta de nascença
nem pode (sem reprimir)
ver escarro de uma alma limpa... 


Albino Magaia

(Albino Magaia nasceu no dia 27 de Fevereiro de 1947. Morreu em 2010.)

Céu raramente

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Dúvida metódica

Era uma dúvida realmente metódica. Ignorante, mas muitíssimo organizada.

Antón Zapata García 4

¿Quén fúi?...

¿Quén fúi o desleigado que dixera
que Galiza non ten na súa fala
as virtudes do mármore e da cera,
do aceiro, do xílgaro e da ala?
 
¿Quén fúi o malpocado que nacera 
con irta condizón de besta mala, 
pra non ver que non houbo quen pudera 
torcer o seu camiño nin matal-a?
 
¡Fuxe can!... ¡Vaite can!... Dareiche broa...
pois, cal dixo o poeta:"Se da aboa
o tesouro da lingua non herdaras",

un consello dareiche encol da Lúa
e do mar de Galiza, cando brúa:
¡Mellor fora, ¡mellor!, que n-oubearas!... 

Antón Zapata García

(Antón Zapata García nasceu no dia 26 de Fevereiro de 1886. Morreu em 1953.)

Caminho 878

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Gémeos afastados

Eram gémeos mas não pareciam. E compreende-se: nasceram com três anos de diferença.

Rio-me por tudo e por nada

Gosto das escorregadelas em casca de banana. É humor de casca-grossa. Mas prefiro os trambolhões em pele de cereja - piada fina. A vida é uma comédia e há quem não saiba...

P.S. - Hoje, 25 de Fevereiro, é Dia Internacional da Commedia Dell'Arte.

Vou vendo o que o rio faz quando o rio não faz nada

Foto Hernâni Von Doellinger

Cesário Verde 8

Lúbrica

Mandaste-me dizer,
No teu bilhete ardente,
Que hás de por mim morrer,
Morrer muito contente.

Lançastes, no papel
As mais lascivas frases;
A carta era um painel
De cenas de rapazes!

Ó cálida mulher,
Teus dedos delicados
Traçaram do prazer
Os quadros depravados!

Contudo, um teu olhar
É muito mais fogoso,
Que a febre epistolar
Do teu bilhete ansioso:

Do teu rostinho oval
Os olhos tão nefandos
Traduzem menos mal
Os vícios execrandos.

Teus olhos sensuais,
Libidinosa Marta,
Teus olhos dizem mais
Que a tua própria carta.

As grandes comoções
Tu neles, sempre, espelhas;
São lúbricas paixões
As vívidas centelhas...

Teus olhos imorais,
Mulher, que me dissecas,
Teus olhos dizem mais
Que muitas bibliotecas! 

"O Livro de Cesário Verde", Cesário Verde

(Cesário Verde nasceu no dia 25 de Fevereiro de 1855. Morreu em 1886.)

Serviço de esplanada

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Ladies first?

Ele disse, força do hábito, "As senhoras primeiro". Ui!, caíram-lhe todos em cima - feministas,  machistas e indiferenciados -, derivado àquilo da igualdade de género...

David Mourão-Ferreira 8

Balada

Depois do sangue misturado,
depois dos dentes, dos lamentos,
estamos deitados, lado a lado,
e desfolhamos sofrimentos.
Temos trint'anos, mais trezentos
de sofredora exaltação.
É este o cabo dos tormentos?
Ai, não e não! Ainda não.
Saboreamos o passado
por entre os beijos mais violentos
e mais subtis que temos dado.
E o monumento dos momentos
oscila, desde os fundamentos,
a tão febril consagração.
Mas estacamos, sonolentos.
Agora, não. Ainda não...
Tudo se torna esbranquiçado:
eram azuis, são já cinzentos
os horizontes do pecado...
Há nos teus ombros turbulentos
cintilações, pressentimentos...
Os nossos corpos descerão
para que abismos lamacentos?
Ah! não, e não! Ainda não!
Eis-vos, de novo, movimentos
que apunhalais a inquietação!
E assim unidos gritaremos
que não e não! que ainda não! 


"Música de Cama", David Mourão-Ferreira

(David Mourão-Ferreira nasceu no dia 24 de Fevereiro de 1927. Morreu em 1996.) 

Também faço isto muito bem 540

Foto Hernâni Von Doellinger

Rosalía de Castro 10

Grilos e ralos, rans albariñas,
Sapos e bichos de todas crás,
Mentras ô lonxe cantan os carros,
¡Que serenatas tan amorosas,
N'os nosos campos sempre nos dan!

Tan sô acordarme d'elas,
Non sey o que me fai,
Nin sey s'é ben,
Nin sey s'é mal.

"Follas Novas", Rosalía de Castro

(Rosalía de Castro nasceu no dia 24 de Fevereiro de 1837. Morreu em 1885.)

Caminho 877

Foto Hernâni Von Doellinger

José Augusto Seabra 2

Das ruínas

Arde o infinito
no altar de Paulo
pelo céu aflito
a rasar as chamas
voando num grito
da fachada alta:
a última epístola
lida pela alma
da pátria. Tão tarde
para a eternidade?

"Poemas do Nome de Deus", José Augusto Seabra

(José Augusto Seabra nasceu no dia 24 de Fevereiro de 1937. Morreu em 2004.)

Mobiliário urbano (propriamente dito) 211

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Microcontos & outras miudezas 235

A máscara de Zorro
Ainda ninguém ensinou ao Zorro a maneira correcta de usar a máscara?...

Na saúde e na doença
Com a saúde não se brinca. Com a doença, sim.
 
Cuidado com o riso!
Tomem-se todas as precauções. O riso é altamente contagioso.

Calou-se e enriqueceu
Disseram-lhe que o silêncio é de ouro. Nunca mais abriu a boca e está muito bem na vida.

A regra
Era uma regra de ouro. Com pedras preciosas incrustadas.

O orador
- Profissão?
- Orador.
- Faz discursos?
- Rezo pai-nossos. 

Memória

Foto Tarrenego!

Dia 23 de Fevereiro de 1961. O Conselho de Segurança das Nações Unidas emite a primeira resolução condenatória da política colonialista de Salazar.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Levante-se o réu!

Crime, disseram-lhe
Foi levado a tribunal por matar o vício. Ele não sabia que era crime.

Crime, disseram-lhe 2
Matava o tempo por desfastio. Era um indivíduo frio e calculista. 

Crime, disseram-lhe 3
Todas as manhãs matava o bicho. Depois o PAN foi para o Parlamento e ele passou a andar em jejum até ao meio-dia. E então matava o bicho.

Antes que seja crime
Reuniram-se em segredo - disfarçados, desconfiados, culpados e urgentes. Eram os últimos, resistentes e irredutíveis como os gauleses. Uma candeia sigilosa e tremente alumiava o silêncio. Sentaram-se à volta de uma generosa vitela assada à moda de Fafe, clandestinos antes do tempo. Antes que seja crime.

Crime perfeito
Arranjou uma amante, contratou um mordomo, atrasou o relógio, matou a mulher e chamou a polícia. Por esta ordem.

O que seria da culpa sem o mordomo?
Vinham chegando aos poucos e discretos. August Dupin, Dick Tracy, Miss Marple, Clouseou, Maigret, Mike Hammer, Poirot, Sam Spade, Nero Wolfe, Philip Marlowe, Perry Mason, Ironside, Kojak, Columbo e Pepe Carvalho. Sherlock Holmes apareceu enfim, atrasadíssimo e ofegante e com um restinho de farinha amparo na ponta do nariz. Disse que a culpa foi do mordomo.

Órgãos no mercado
Comprar órgãos no mercado, embora possa salvar vidas, é crime, dá dez anos de prisão. Concertinas, vá que não vá...

Evasão
- Mais vale só do que mal acompanhado - disse o recluso n.º 14.112. E fugiu.

Justiça
- Mais vale uma pomba na mão do que duas a voar - defendeu-se o pedófilo, em tribunal. Mandaram-no para casa.

Duzentos e vinte e quatro
Foi julgado e condenado por ter ligado a pedir o 224. O 112 achou que era gozo, chamada falsa. A verdade é que foram realmente precisas duas ambulâncias...

A morte do maneta
Mãos ao ar!, disseram ao maneta. E o maneta deixou-se ficar. Mataram-no por causa disso.   

Crimes de peso
Era um contumaz praticante de crimes de peso. Até que foi apanhado. Os fiscais apreenderam-lhe a balança e o tribunal aplicou-lhe um coima de mil euros. 

O denunciante
Denunciado por ter tossido em casa, foi detido pela polícia, presente ao juiz e metido em prisão preventiva. O vizinho delator morreu de caganeira naquele mesmo dia.

Abençoado juiz
- Levante-se o réu - disse o juiz. O réu levantou-se e andou, perante o espanto e a comoção gerais. Abençoado juiz! Só naquela semana já era o quarto milagre... 

Se soubesse o que sei hoje
- Tem razão, senhor doutor juiz: se eu soubesse o que sei hoje...
- E então o que é que sabe?...
- Eu, senhor doutor juiz? Eu? Eu não sei nada...

Ponha-se no meu lugar
"Ponha-se no meu lugar, senhor doutor juiz", disse o réu. "Isso queria você", respondeu-lhe o meritíssimo.

Cala-te, boca
Se ele abrisse a boca e contasse tudo o que sabia a seu próprio respeito, estava bem fodido. Por isso comprou um assobio... 

P.S. - Agora a sério (à séria, se lido em Lisboa): hoje, 22 de Fevereiro, é Dia Europeu da Vítima de Crime.

Interlúdio fotográfico 296

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 21 de fevereiro de 2021

O'Neill, no Dia da Língua Materna

Caixadòclos

- Patriazinha iletrada, que sabes tu de mim?
- Que és o esticalarica que se vê.

- Público em geral, acaso o meu nome…
- Vai mas é vender banha de cobra!

- Lisboa, meu berço, tu que me conheces…
- Este é dos que fala sozinho na rua…

- Campdòrique, então, não dizes nada?
- Ai tão silvatávares que ele vem hoje!

- Rua do Jasmim, anda, diz que sim!
- É o do terceiro, nunca tem dinheiro…

- Ó Gaspar Simões, conte-lhes Você…
- Dos dois ou três nomes que o surrealismo…

- Ah, já agora sim, fazem-me justiça!

- Olha o caixadòclos todo satisfeito
a ler as notícias…

Alexandre O’Neill, "Feira Cabisbaixa"
 
P.S. - Hoje, 21 de Fevereiro, é Dia Internacional da Língua Materna.

Era uma vez a língua portuguesa

A insondável diferença entre espetador e espetador
Qual é a diferença entre um espetador e um espetador? Numa tourada, por exemplo, o que é que distingue os espetadores dos espetadores? Uns pagam bilhete e os outros fazem os touros pagá-las, é isso, não é? E espetadores de gelo: são adereços muito jeitosos para filmes de suspense ou uma audiência que não reage, por melhor ou pior que a fita seja? O que devo pensar quando leio um título de jornal que me diz que "Acidente em rali francês provoca a morte a dois espetadores"? E, já agora, no voyeurismo, quem é o verdadeiro espetador: o que fica a ver ou o que copula?

Cê tá topando?!...
Era o princípio activo de um certo e determinado medicamento. Quando perdeu o cê, derivado ao acordo ortográfico, deixou de fazer efeito...

Uma língua que apodrece
"A minha pátria é a língua portuguesa", escreveu o nosso Fernando Pessoa. "A Pátria não é a raça, não é o meio, não é o conjunto dos aparelhos econômicos e políticos: é o idioma criado ou herdado pelo povo. Um povo só começa a perder a sua independência, a sua existência autônoma, quando começa a perder o amor do idioma natal. A morte de uma nação começa pelo apodrecimento da língua", escreveu Olavo Bilac, o brasileiro e sensato.
Bilac (1865-1918) e Pessoa (1888-1935). Não quero saber aqui quem é ovo ou quem é galinha, nem me interessa como assunto, de momento, o miserável, escusado e alegado acordo ortográfico. Lembrei-me foi dos professores doutores da mula ruça, traidores à pátria, que enchem a boca de "periúdos", de "interésses", de "rúbricas", de "perzeveranças", de "mediúcres". Enchem a boca e apodrecem a língua. Apodrecem a língua e matam a nação.

António Costa, por exemplo. Já era tempinho de aprender a falar português, depois de, em 2015, ter aprendido a não falar mandarim. Não há lá pelos corredores e gabinetes de São Bento quem saiba ensinar ao nosso primeiro-ministro a basezinha das regras de concordância, alguém que o proíba de comer sílabas enquanto fala? Falar com a boca cheia é, para além do mais, falta de educação.

Tectos falsos com garantia
- Estes tectos são mesmo falsos?
- Como judas...

Desnecessidades da língua portuguesa
Já repararam na quantidade de palavras da língua portuguesa que usam escusadamente um eme final? O eme que se escreve mas não se lê. Podia passar aqui o dia inteiro a dar exemplos uns atrás dos outros - abrevio porém dando seis, como os dedos de uma mão mais um: rodage, vantage, viage, sabotage, calibrage, portage, arage, garage. E afinal são oito, os dedos de uma mão mais três da outra. Para que é que estas palavras precisam do eme no fim se o eme no fim não se diz? E logo a letra eme, a das três perninhas, tantas perninhas, menos duas apenas do que as cinco patas do cavalo.
O eme, faço notar, que ainda por cima é a letra minúscula mais obesa do nosso abecedário. Um escândalo! Uma evidente desnecessidade e um tremendo desperdício de espaço num país com somente noventa e dois mil quilómetros quadrados. Mas isto os da troika não viram, e aos do acordo ortográfico a avaria também lhes passou ao lado. Salta aos olhos que estes doutores da mula ruça não andam de metro e muito menos de camioneta. Não falam com pessoas, nunca foram a Fafe. Ou, se calhar, faltou-lhes corage para acabarem de vez com a coisam... 

P.S. - Sim. Hoje, 21 de Fevereiro, é mesmo Dia Internacional da Língua Materna. Saravá!

A basezinha

Foto Hernâni Von Doellinger

Do marxismo

Depois de ter inventado o comunismo, Marx fez comédia em Hollywood, cantou "A mula da cooperativa" e a "Pomba branca", candidataram-no à Presidência da República, abriu um restaurante em Fafe, foi inspector canino numa série da TVI e jogou a defesa direito no Benfica e no FC Porto. Actualmente diz piadas na rádio.

P.S. - O "Manifesto Comunista", de Karl Marx e Friedrich Engels, foi publicado no dia 21 de Fevereiro de 1848.

A chuva me irritava. Até que um dia

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 20 de fevereiro de 2021

Chove. E não é dia de Natal.

E para a semana?
- Para a semana eles dão chuva.
- E que se coma, nada?... 

O meteorologista
- O que tu querias era sol na eira e chuva no nabal...
- E o que é que tu tens contra os microclimas?...  
 
O astrólogo
- E aqui chove sempre assim?
- Quer-se dizer, é de luas...  
 
O lavrador
- Quem semeia ventos, colhe tempestades...
- E o que é que tu percebes de agricultura?... 
 
O objector de consciência
- Chuva civil não molha militar!
- E bala militar não mata civil?...
  
O mal-agradecido
- Chove que Deus a dá!
- Escusava era de dar tanta...
 
O analfabeto
- Eu chovo, tu choves, ele chove...
 
O aferidor de pesos e medidas
- Esta noite choveu a cântaros!
- A almudes, se faz favor...  
 
O previdente
- Nem que chova canivetes?
- Exactamente.
- Abertos?
- Não há problema...
- E se forem picaretas?
- Fechadas?... 
 
O pragmático
- Ui, o que chove!...
- Mas é lá fora...  
 
O respondão
- Vai chover...
- Vai tu!
 
O distraído
- Olhe que está a chover...
- Estou?

Esta janela não é de fiar
O meu espertíssimo telemóvel garante-me que lá fora, a esta hora, faz um rico dia de sol. Olho agora mesmo pela janela e chove copiosamente. Quando apanhar uma sombrinha, vou mandar arranjar a janela.

Perspicácia
Aquilo ontem é que foi chover. Será do tempo? 

Interlúdio fotográfico 295

Foto Hernâni Von Doellinger

Deixai vir a mim os animaizinhos!

Era uma vez um cão
Havia um cão que tinha um dono muito bem mandado: obediente, brincalhão, carinhoso, esperto. Só lhe faltava ladrar...

Os bois chamam-se pelos nomes
O porco é Ruço. A porca Vadia. A vaca Amarela. O boi Bonito. O touro Osborne. A turina Malhada. O cão Bobi. A cadela Cadela. O cachorro Kent. O gato Pantufas. A gata Gostosa. A cabra Cega. A ovelha Dolly. O cabrito Montês. O cavalo Silva. O burro Velho. O rato Mique. O coelho Branco. O leopardo Negro. A chinchila Mila. O furão Furão. A tartaruga Ninja. A mulher Alheia. O homem Erecto. O peixe Dourado. O surfista Prateado. A sardinha Biba. A pita Arisca. A periquita Alegre. O pombo Armando. O crocodilo Lontra. A lontra Pilantra. O pato Patola. O galo Badalo, a galinha Balbina, o pinto Jacinto e o peru Gluglu.
Assim se chamam os bois pelos nomes.

Macaquinhos no sótão
Tinha macaquinhos no sótão. Denunciado pela vizinha, foi detido e preso. Os animais seguiram para o jardim zoológico.

Cataminha, catatua, catadela
- É uma catatua esse pássaro tão vistoso que trazes ao ombro?...
- É, é: uma cataminha.

A realização do homem no século XXI
Adoptar um cão, comprar um bonsai e escrever no Facebook e similares. 

 
Troco neto por um cão (pago a diferença)
Três rapazes nos arrabaldes dos sessenta anos bem servidos, certamente amigos de longa data, gente bem, meninos da Foz no seu tempo, fazem o costumeiro passeio higiénico matinal na avenida à beira-mar. O da esquerda empurra um carrinho de bebé com uma vaidade que só vista, e é bonita de se ver. Os outros dois vão à rasca até às orelhas, envergonhadíssimos com "a situação", evitam ser reconhecidos por quem passa, como por exemplo eu, que não os conheço de lado nenhum, mais desconforto era impossível. O da direita puxa o do meio pela manga e diz-lhe, tapando a boca com a mão, como fazem agora os treinadores e jogadores de futebol quando querem falar da mãe de alguém e sabem que há câmara de televisão por perto: - Se inda ao menos fosse um cão, um canito! Agora o caralho do neto...
Não é metáfora política. É a vida.

 
O amigo da onça
O defeito dele não era ser amigo da onça. Era amigo da onça, da leoa, da pantera, da gazela, da girafa, da égua, da vaca, da macaca, da galinha, da pata, da avestruz, da gata, da cadela e das ratas em geral. Havia quem o incensasse como paradigma da amizade aos animais. A mulher chamava-lhe galdério, tarado.  

O amigo dos animais
Etelvino Ferraz da Cunha gosta muito de animais. Coelhos, perdizes, tordos e sobretudo toiros. E só lamenta que em Portugal não sejam de morte.

Meia dose de xenofobia
A chinesinha descia a rua em direcção à praia, e levava o cãozito pela trela. Achei aquilo tão esquisito. Como se eu levasse a passear um frango de churrasco.

Quem me dera ser cão
"Portugueses já gastam mais com cães do que com bebés", dizia uma vez a capa do semanário Expresso. Acontece no país certo.

P.S. - Hoje, 20 de Fevereiro, é Dia Mundial do Animal de Estimação. É também Dia Mundial da Justiça Social, mas isto que não saia daqui.

Foi de carrinho... 8

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Deus perdoa. A idade não.

- Então hoje não vai o bifinho?
- Peixinho, se faz favor.
- Faz questão?
- De princípio.
- Sexta-feira..., Quaresma..., pois..., quer-se dizer que o amigo é católico...
- Praticamente.
- Praticante?
- Ex-praticante. Sabe como é: a idade não perdoa. Mas continuo ligado à modalidade.

Entre a bisca lambida e o bilhar às três tabelas

Era um atleta de mão cheia. Dele se dizia, e com razão, que dava cartas no jogo de bilhar. Passou ao lado de uma grande carreira, exactamente porque nunca percebeu que bisca lambida é uma coisa e as três tabelas são outra. As duas juntas, com efeito, não fazem modalidade.

P.S. - Hoje, 19 de Fevereiro, é Dia do Desportista. Ou Dia do Esportista, como se escreve e diz no Brasil.

Também faço isto muito bem 539

Foto Hernâni Von Doellinger

Xosé María Díaz Castro 9

Vísperas

Polos días do Carmio a festa chega ó río.
Unha música ardente vén no aire coma un río
de recordos. Foguetes lonxanos cáin no río.
Este é o Porto-Muíño, todo en lapas, o río.

O río está deitado coma un boi remoendo,
i o Tempo non sei qué anda rente dél remexendo.
As bágoas do ameneiro cáin pola noite abaixo,
e fan céios pequenos de estrelas alombaixo.

Nas puntiñas dos pés a festa chega ó río,
i anésgase, larmeira, á veiriña do río. 
Despóis vólvese tola: brinca o río berrando,
e pérdese nos bímbios i as xesteiras beilando,

i acéndese nos vidros da aldeia chea de anos,
i ergue a meiga as palpebras de animás e cristianos... 
Chora o ameneiro en sonos (Qué bén se óin os muíños!), 
e chora polo tempo perdido nos camiños. 

Ai cómo está de bágoas de nenos feito o río! 
Este é o Porto-Muíño, todo en sombras, o río.
A Virxe pasa a mau polo lombo do río... 

"Nimbos", Xosé María Díaz Castro

(Xosé María Díaz Castro nasceu no dia 19 de Fevereiro de 1914. Morreu em 1990.)

Caminho 876

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

A sarça ardente (ou presunção e água-benta)

Quando Moisés disse todo vaidoso "A minha vida dava um filme", Deus ficou bastante chateado, chegou lume ao monte e proclamou: - Agora apaga-o, que o Noé gastou-me a água toda.

Interlúdio fotográfico 294

Foto Hernâni Von Doellinger

António Aleixo 9

Quantas sedas aí vão,
quantos brancos colarinhos,
são pedacinhos de pão
roubados aos pobrezinhos! 

"Este Livro Que Vos Deixo...", António Aleixo

(António Aleixo nasceu no dia 18 de Fevereiro de 1899. Morreu em 1949.)

Na minha rua passa o mar 106

Foto Hernâni Von Doellinger

Lêdo Ivo 4

A clandestina

- Quem é esta clandestina
que dentro de mim viaja

e de mim não se separa
mesmo quando estou dormindo

e aparece nos meus sonhos
breve e leve como a neve?

Quem é esta clandestina
doce e branca e feminina

que me segue quando saio
sombra em mim dissimulada

e torna a voltar comigo
colada ao cair da tarde?

Quem é esta clandestina
que de mim não desembarca?

Sou seu trem ou seu navio?
Seu barco ou seu avião?

E sua voz me responde:
- És meu berço e meu jazigo.

Antes mesmo de nasceres
eu já estava contigo.

E sempre estarei em ti
até o fim da viagem.

"Crepúsculo Civil", Lêdo Ivo

(Lêdo Ivo nasceu no dia 18 de Fevereiro de 1924. Morreu em 2012.)

Há vagas debaixo da ponte

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Somos pó...

"Lembra-te, ó homem, que és pó e ao pó hás-de voltar", diz a Bíblia logo na terceira página, ainda as coisas estavam a começar a compor-se. Convenhamos: a Bíblia não é lá muito inspiradora para os cocainómanos em recuperação... 

O melhor amigo da mulher

O cão é o melhor amigo do homem. Da mulher, há quem diga que é o gato.

P.S. - Hoje, 17 de Fevereiro, é Dia Mundial do Gato ou Dia Internacional do Gato. Há quem diga que é no dia 8 de Agosto.

A ponte aí

Foto Hernâni Von Doellinger

Maria Braga Horta 4

A moça da Praça Mauá

De onde vem?
Para onde vai
a moça de olhos de gata?

Parou na praça.
Pararam
grumetes em torno dela.

A moça não tem destino:
só tem caminho de ir,
no escuro da vida, ao cais
onde espera os marinheiros
(urgentes, por demorado
percurso na solidão).

São eles que vêm e vão...

Não lhe trazem "souvenirs"
nem contam as aventuras
do mar e de estranhos portos.
Nem passado e nem presente

lhe contam. Nem ela os tem
para contar a ninguém.
Iguais, no seu merecido,

um dia vai, outro vem.
[...]

Maria Braga Horta

(Maria Braga Horta nasceu no dia 17 de Fevereiro de 1913. Morreu em 1980.)

Também faço isto muito bem 538

Foto Hernâni Von Doellinger

Rogério Rodrigues 3

[...]
Quando passeares na cidade, não te esqueças das montanhas.
Ali se escondem os espíritos, os abandonados pelo tempo,
os banidos ladrões falhados no assalto à alegria.
Serei uma sombra, um nome vago, um morrer
sem memória. Não serei, Obscuro nulo de nada. Talvez um grão.
Estou de abalada para dentro de mim, sem bornal nem seguro.
Mas como eu sonho que um violino me toque como
se eu fosse o violino e a sua melodia. Flor,
deixa-me os espinhos e respira. Sinto que é brisa.
[...]

Rogério Rodrigues

(Rogério Rodrigues nasceu no dia 17 de Fevereiro de 1947. Morreu em 2019.) 

Leva-os o vento

Foto Hernâni Von Doellinger

Xosé Luís Franco Grande 2

Navego pola estrela dos meus soños
e sin sair de min eu vou moi lonxe,
sempre cara ningures…
Lonxe de min, moi lonxe,
eu vou sin volta polo mar do esquenzo,
onde poría medo dar con un.
E de vagar afúndome nun soño
onde xa non se sabe
si un volve, vai ou ven…!

Xosé Luís Franco Grande

(Xosé Luís Franco Grande nasceu no dia 17 de Fevereiro de 1936. Morreu em 2020.)

Caminho 875

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Já me tinhas dito

E diz o repórter: "As urnas fecharam e a contagem dos votos começou há cerca de dois minutos atrás". Ah!, sim, o rigor na informação! É que a contagem podia ter começado "há cerca de dois minutos à frente". E não era a mesma coisa.
De resto, dos "agentes da PJ à paisana" aos "carros da PJ descaracterizados", passando pelos suspeitos que "tapam a cara com o rosto" e pelo "corpo do morto que já se encontrava cadáver", tem sido um fartote. E o que sente neste momento?...
 
P.S. - Hoje, 16 de Fevereiro, é Dia do Repórter. No Brasil.

Mobiliário urbano (propriamente dito) 210

Foto Hernâni Von Doellinger

Luísa Dacosta 7

Perdas

Faltam sombras
à minha porta.
Quando a noite desce,
o Joaquim já não vem
espreitar a maré.
Um ataque cardíaco deixou-o
com o lado direito
esquecido e morto.
Ergue-se a manhã
e a Natália, que o não larga da mão,
não vem beber a malga do café à beirada.

Um dia, também, não estarei mais
para registar as perdas.

Luísa Dacosta

(Luísa Dacosta nasceu no dia 16 de Fevereiro de 1927. Morreu em 2015.)

I want to ride my bicycle 109

Foto Hernâni Von Doellinger

Lois Pereiro 8

Vendo eses dous ollos latexantes
cal visión dunha imaxe entresoñada
no seu peito en perfecta simetría
cun interno tremor que me fascina
desexaría entrar nela e refuxiarme
no seu corpo secreto para sempre
protexido da morte
coa súa vida

féndeme o corpo un húmido arrepío
e bícame as vértebras con furia
nun vértigo de dor e de tenrura.

"Poesía Última de Amor e Enfermidade", Lois Pereiro

(Lois Pereiro nasceu no dia 16 de Fevereiro de 1958. Morreu em 1996.)

Caminho 874

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

A morte do maneta

Mãos ao ar!, disseram ao maneta. E o maneta deixou-se ficar. Mataram-no por causa disso.

Interlúdio fotográfico 293

Foto Hernâni Von Doellinger

O carnaval do O'Neill

Um Carnaval

Vem ao baile vem ao baile
Pelo braço ou pelo nariz
Vem ao baile vem ao baile
E vais ver como te ris

Deixa a tristeza roer
As unhas de desespero
Deixa a verdade e o erro
Deixa tudo vem beber

Vem ao baile das palavras
Que se beijam desenlaçam
Palavras que ficam passam
Como a chuva nas vidraças

Vem ao baile oh tens de vir
E perder-te nos espelhos
Há outros muito mais velhos
Que ainda sabem sorrir

Vem ao baile da loucura
Vem desfazer-te do corpo
E quando caíres de borco
A tua alma é mais pura

Vem ao baile vem ao baile
Pelo chão ou pelo ar
Vem ao baile baile baile
E vais ver o que é bailar.


Alexandre O'Neill, "No Reino da Dinamarca"

O tempo faz caretas

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Até que a morte

Nunca por amor
Já ia no sétimo matrimónio e garantia que nunca casara por amor. Por interesse então?, perguntavam-lhe. Que não. Por dinheiro? Também não. Que casou sempre por acaso...

Homem de famílias
O casamento, para ele, era tudo. Aliás, tinha dois. A mesmo tempo.

Os meus três primeiros casamentos
Os meus três primeiros casamentos correram todos muito bem. Foram, por ordem de entrada, o casamento do meu padrinho e tio Mérico com a minha tia Laura, o casamento do meu tio Zé da Bomba com a minha tia Lena e o casamento da minha irmã Nanda com o meu cunhado Álvaro. Depois dos meus três primeiros casamentos, fui evidentemente a outros, incluindo ao meu, que também não desfazendo. E é a vida...

Convidados
Compareceram todos: o Sr. Moura, o Sr. Bragança, o Sr. Almeida, o Sr. Maia, o Sr. Castelo Branco, o Sr. Guimarães, o Sr. Paredes, o Sr. Abrantes, o Sr. Monchique, o Sr. Évora, o Sr. Braga, o Sr. Lamego, o Sr. Leiria, o Sr. Almada, o Sr. Viana e o Sr. Baião. Eram um grupo bastante homogéneo e deveras representativo. Inesperadamente apareceu também o Sr. Antunes. Ele é preciso ter lata...

Amor é fogo que hard
Querem saber como é que acabou aquele casamento que parecia tão bem? - Acentuado arrefecimento nocturno...

Trocado por miúdos
O divórcio aos cinquenta anos era-lhe um desgosto muito grande. Ainda por cima trocado por dois rapazes de vinte e cinco...

Branca e radiante
Branca de Neve brincava às casinhas com a casa dos sete anões. Com os anões brincava aos médicos, há quem diga.


Eflúvios amorosos
"Cheiras a cerveja", disse ela. "Aproveita", disse ele.

O casal Carter e o casal Garcia
O simpático casal Carter, Jimmy e Rosalynn, estão à beira de comemorar 75 anos de casamento, tantos quantos contarão de vida o pândego Donald Trump e George W. Bush, o inventor das armas químicas do Iraque. Jimmy Carter e Rosalynn Smith Carter têm o matrimónio mais duradouro de toda a história presidencial dos Estados Unidos. E os americanos estão todos contentes, porque acham sempre que são os maiores. Eles não sabem que, em Portugal, o Casal Garcia, since 1939, é só fazer as contas, já vai em 82 anos...

Matrimónio
O matrimónio é a herdança que a mãezinha dá ou deixa. Um bom matrimónio tem casas, carros, terrenos, jóias e muito dinheiro no banco.
 
Em primeira mão
Corno de África apresenta queixa contra incertos por difamação.

P.S.- Hoje, segundo domingo de Fevereiro, é Dia Mundial do Casamento. Este ano, curiosamente, coincide com o Dia dos Namorados.

Cada dois por seu caminho

Foto Hernâni Von Doellinger

Corsino Fortes 7

Porta de sol 

Das colinas de colmo
com portas de sol
Descem crianças
nuas e magras
como violas
As costelas dentro das cordas
Todas
primogénitas
do mesmo ventre
E filhas
Do mesmo vulcão E da mesma viola
Da mesma rocha E do mesmo grito
 
A ilha roda no rosto da criança
com a "vareta presa" na roda do vento
 
Nem sempre
A criança respira
um pulmão
roto de mapas
E assim
como as ilhas
Ao pôr-do-sol
Se alimentam
De fonema
Cada criança
É ditongo de leite
com sangue nas vogais

Corsino Fortes

(Corsino Fortes nasceu no dia 14 de Fevereiro de 1933. Morreu em 2015.)

E é a força sem fim de duas bocas

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 13 de fevereiro de 2021

É hoje! É hoje!

Hoje é Dia Internacional do Preservativo. Deixe-se de coisas, vá lá ao fundo da gaveta, vá!...

A mão que cumprimentou Agostinho da Silva

Uma vez tive a sorte de encontrar-me com mestre Agostinho da Silva. Ainda hoje guardo a mão com que o cumprimentei.

P.S. - Agostinho da Silva nasceu no dia 13 de Fevereiro de 1906.

É prò que está...

Foto Hernâni Von Doellinger

Cyro Armando Catta Preta 5

O cão. O jardim.
Distância. Acenos da infância.
Saudade de mim. 

"Velho Retrato", Cyro Armando Catta Preta

(Cyro Armando Catta Preta nasceu no dia 13 de Fevereiro de 1922. Morreu em 2010.)

What?...

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Notícias da retaguarda 5

Era uma pessoa muito dada 
Era uma pessoa muito dada. Contra todas as recomendações, acolheu de braços abertos o novo coronavírus. Que descanse em paz!

A importância do retrovisor no combate à pandemia
O espelho retrovisor central é um instrumento da máxima importância dentro de um veículo automóvel. Serve para pendurar coisas. Não coisas quaisquer, à sorte, mas coisas próprias de pendurar num retrovisor. Por exemplo, seria impensável pendurar num retrovisor uma gabardina molhada ou um guarda-chuva aberto, porque o retrovisor não é um cabide, é um retrovisor. E no retrovisor penduraram-se, ao longo da história, terços e senhoras de Fátima fosforescentes, relíquias sagradas da Terra Santa contrafeitas, árvores mágicas ambientadoras, castanholas, galhardetes dos Bombeiros de Montalegre, da Junta de Canas de Senhorim, da Câmara de Nelas, do Real Madrid e do Benfica, fitinhas vermelhas do Leixões, miniaturas de casais minhotos e folclóricos, óculos de sol e óculos de chuva, porta-chaves, porta-aviões, trevos de quatro folhas, estrelas de cinco pontas, cornos de besouro ou escaravelho e cornos em geral, patas de coelho, figas, ferraduras, CD, mesmo largos anos depois de ter passado a novidade, e agora penduram-se as máscaras. Exactamente: o sítio da máscara higiénica e sanitárica que nos protege da pandemia e da morte é o retrovisor, o que só lhe medra a relevância - ao retrovisor.
Ora bem: eu não tenho carta de condução, não sei conduzir e não tenho carro. E faço questão de elencar estas três fundamentais asserções, porque elas, as asserções, parecendo sinónimas e redundantes, não o são, não o são. Não o são. Na verdade, há quem não tenha carta de condução, saiba conduzir e não tenha carro; há quem não tenha carta de condução, saiba conduzir e tenha carro; há quem tenha carta de condução, não saiba conduzir e não tenha carro; há quem tenha carta de condução, saiba conduzir e não tenha carro; e até há quem tenha carta de condução, saiba conduzir e tenha carro - o que é uma raríssima coincidência. O mais certo é eu não ter esgotado todas as variáveis possíveis, mas desconfio que já perceberam o meu ponto de vista: não tenho carta de condução, não sei conduzir e não tenho carro. Portanto não tenho retrovisor.

Chegados aqui - de transporte público, evidentemente -, a grande dúvida que se me coloca é a que se segue: onde é que eu penduro a máscara? Na cara com certeza que não, porque me corta o ar e ainda ontem estive para morrer três vezes quando fui à peixaria, uma, e à padaria, duas. Por outro lado, e agora é uma dúvida mais pequena, alguém me saberá informar se haverá alguma brecha legal que me permita, vá lá, dar a volta às normas da Direcção-Geral da Saúde (DGS, como a pide), dispensando-me liminarmente do uso da máscara sufocante e substituindo-a, digamos, por um CD, com o nariz enfiado no buraco, o que já seria algum arejo? Haverá? Era o que eu gostava de saber...

P.S. - Mais sobre retrovisor, mas de outro ângulo, aqui.

Os cães estão exaustos
A verdade é estas: os cães já não conseguem aguentar mais um confinamento. Estão exaustos! Regra geral nunca tinham saído de casa.