sábado, 31 de agosto de 2019
O ovo de Colombo
Quando Colombo pôs o ovo, foi o assombro geral. O respeitável público ainda esperou que lhe saísse também um coelho da cartola ou, vá lá, um par de pombas brancas do lenço de seda. Mas nada. O ovo era número único e foi assim que ficou na História.
António Lobo Antunes 2
Na segunda quarta-feira de Setembro de mil novecentos e setenta e cinco comecei a trabalhar às nove e dez. Lembro-me não por ter uma memória por aí além ou escrever o que me acontece num diário (nunca me interessaram diários ou poemas ou patetices dessas) mas porque foi o meu último dia de consultório antes de fugirmos para Espanha. Logo a seguir à revolução, em Abril do ano anterior, civis barbudos e soldados de cabelo comprido e camuflado em tiras vigiavam as estradas, revistavam automóveis, ou desfilavam lá em baixo, em bando, nas pracetas, comandados por um desses microfones incompreensíveis de sorteio de cegos que o marxismo-leninismo-maoismo reciclara. Semelhantes aos cães das praias, que trotam rente ao mar a perseguir um cheiro imaginário, juntavam-se nos montes do Alentejo para ladrar o socialismo aos camponeses sob um projector poeirento; percorriam o país em camionetas escavacadas a ameaçar os lojistas com as pupilas vesgas das metralhadoras; arrombavam as casas à coronhada brandindo mandados de captura diante de narizes estupefactos. Quanto a nós, visitávamos aos domingos os tios que sobravam do naufrágio da família, presos no Forte de Caxias por sabotagem económica, a verem as marés do Tejo subirem e descerem na muralha entre grades de celas e sovacos de pára-quedistas. Só a avó, já doente do cancro, navegava ao acaso na poltrona de inválida, de radiozinho de pilhas encostado às farripas da orelha, contemplando a sorrir, sem entender, os democratas que de quando em quando rebolavam aos encontrões no corredor e vasculhavam o resto das pratas com o cano dos revólveres, repetindo os discursos estranhos dos altifalantes dos cegos.
"Auto dos Danados", António Lobo Antunes
(António Lobo Antunes nasceu no dia 1 de Setembro de 1942)
"Auto dos Danados", António Lobo Antunes
(António Lobo Antunes nasceu no dia 1 de Setembro de 1942)
Um Rio que é um oceano, Pacífico
Rui Rio, líder do PSD em exercício, fez soar solenemente os olifantes, pediu um megafone, pôs o som no máximo com assobios, disse um-dois-três-quatro-um-dois-experiência-chape-chape, e a seguir gritou e esperneou anunciando, da parte da sua pessoa, uma campanha eleitoral com "mais conteúdo e menos gritaria". Rio, pacífico de contrafacção e oceano de contradições, prometeu um novo discurso, um discurso com mais "moderação, equilíbrio e racionalidade". E depois riu-se. E o megafone estava ligado.
P.S. - De acordo com a CMTV, a forma correcta de dizer contrafacção é contrafacturação.
P.S. - De acordo com a CMTV, a forma correcta de dizer contrafacção é contrafacturação.
Viva a Justiça de Fafe! 12
Foto Hernâni Von Doellinger |
O Monumento à Justiça de Fafe, da autoria de Eduardo Tavares, foi inaugurado no dia 23 de Agosto de 1981. Fez portanto 38 anos há exactamente uma semana e um dia. As comemorações continuam. Em exclusivo no Tarrenego!
sexta-feira, 30 de agosto de 2019
A minha abençoadora das 7h30
Foto Hernâni Von Doellinger |
Gosto que me digam "Até amanhã, se Deus quiser". Gosto. Gosto que me digam "O Senhor te abençoe". Gosto. Gosto que me digam "Vai com Deus". Gosto. Acredito em bênçãos, mas execro as benzeduras. Como acredito na oração, mas dispenso as rezas. Acredito. Dispenso intermediários, agentes, representantes, vendedores e empresários - eu e Deus é assunto nosso, ligação directa. Dispenso também os novos profetas e as novas profetisas, o Facebook, o Instagram, o Twitter, as mensagens em cadeia e às vezes a opinião do Diário de Notícias. Dispenso.
Gosto de pedir a bênção, gosto que me abençoem. Eu pedia a bênção beijando a mão aos meus avós da Bomba e aos meus avós de Basto. Pedia a bênção ao meu pai, à minha mãe, ao meu padrinho, à minha madrinha, aos meus tios e às minhas tias. Até às tias chegadas à família por casamento, que no princípio achavam aquilo um bocado estranho, mas que depois se habituaram e creio que gostam.
Fiquei traumatizado para toda a vida, como diria o outro que disse Foucault.
Gosto tanto de ser abençoado, que a minha mãe já sabe: as nossas despedidas só estão completas quando ela me diz "O Senhor te abençoe! Fica com Deus!", e eu digo "Obrigado!", sem saber onde meter as mãos e as lágrimas. Pelo sim e pelo não, tusso.
Gosto de bênçãos, acredito nas bênçãos. Porque sim, e não por respeito ou porque me ensinaram ou obrigaram em pequenino. Sou interesseiro. Preciso de bênçãos como de pão para a boca, as bênçãos fazem-me tanta falta como o ar que respiro, como água no autoclismo. Sou abençoado por ter um amigo que há anos me abençoa sem juros e não acredita em bênçãos, e o que é que isso interessa? Pelo contrário, a Senhora Dona Maria Amélia, que ali vai no retrato, ligeira quanto pode, abençoa-me todos os dias cerca das sete e meia da manhã. Madrugo de propósito para encontrá-la na minha caminhada diária pela marginal Matosinhos-Porto.
A minha abençoadora das 7h30 vem de Gondomar e àquela hora já está prestes a apanhar o(s) autocarro(s) de regresso a casa. Não consigo imaginar a que horas é que ela sai da cama. Tem as pernas vergadas pela idade, talvez 84 anos, não sabe bem, e pela vida, dez filhos, muito trabalho e desgostos mais do que a conta. Vê-me, levanta o braço direito e diz-me, num largo e comovente sorriso, "Bom dia, vá com Deus!"
E eu fico pronto. Claro que a Senhora Dona Maria Amélia diz "Bom dia, vá com Deus!" a toda a gente. A maioria não liga, ignora-a ou sorri-se dela, pior para eles e mais sobra para mim.
Quando os meus, família ou amigos, saem cá de casa, digo-lhes sempre, à porta, "Vai com cuidado!", e repito quantas vezes forem precisas até obter uma resposta. Um "Sim!" ou um "Tá bem..." sossegam-me. Digo "Vai com cuidado!" porque vi muito A Balada de Hill Street e, por outro lado, sinto que não tenho estatuto para dizer "Vai com Deus!" Mas eles sabem que, nas entrelinhas do coração, o que lhes estou realmente a dizer é "O Senhor te abençoe, vai com Deus!" e, sobretudíssimo, "Até amanhã, se Deus quiser"...
P.S. - Texto publicado originalmente no dia 31 de Outubro de 2018, sob o título "Até amanhã, se Deus quiser". Entretanto. Eu e a minha abençoadora das 7h30, os nossos horários desirmanaram-se, coisas da vida, e já não nos encontramos há um par de meses, para meu grande desgosto e prejuízo, porque as bênçãos, já disse, fazem-me falta. Ontem soube, sem ter perguntado, que a boa senhora não é vista às horas do costume nos sítios do costume, entre Matosinhos e a Foz, há largos dias. Primeiro fiquei preocupado, mas depois resolvi pensar que a Senhora Dona Maria Amélia terá aproveitado Agosto para meter uns dias de férias, porque isto de desejar o bem dos outros também cansa. É isso, a minha abençoadora está de férias. Setembro é já amanhã e ela voltará, mais forte do que nunca, à moda dos jogadores de futebol, para me abençoar como manda a sapatilha. Se Deus quiser.
Celso Emilio Ferreiro 9
Lendo certo período menstrual
(Celso Emilio Ferreiro nasceu no dia 4 de Janeiro de 1912. Morreu no dia 31 de Agosto de 1979.)
Olla meu irmáu honrado
o que acontez con Daniel:
os que o tiñan desterrado
agora falan ben del.
O palurdo de alma lerda,
o tendeiro desertor,
o vinculeiro de merda
disfrazado de señor.
O lurdo carca refrito,
o monifate de entroido,
o aprendiz de señorito,
marqués de quero e non poido.
O devoto de onanismo,
o feligrés de pesebre,
o tolleito de cinismo
o que dá gato por lebre.
O rateiro de peirao,
o refugallo incivil,
válense de Castelao
pra esconder a caste vil.
Escoita puto nefando,
criado na servidume
non pasará o contrabando
dise teu noxento estrume.
Grotesco escriba sandéu,
inxertado nun rapaso,
Castelao nunca foi teu
porque Castelao é noso.
I anque a ti che importa un pito,
sabrás que é cousa sabida,
que estás incurso en delito
de apropiación indebida.
o que acontez con Daniel:
os que o tiñan desterrado
agora falan ben del.
O palurdo de alma lerda,
o tendeiro desertor,
o vinculeiro de merda
disfrazado de señor.
O lurdo carca refrito,
o monifate de entroido,
o aprendiz de señorito,
marqués de quero e non poido.
O devoto de onanismo,
o feligrés de pesebre,
o tolleito de cinismo
o que dá gato por lebre.
O rateiro de peirao,
o refugallo incivil,
válense de Castelao
pra esconder a caste vil.
Escoita puto nefando,
criado na servidume
non pasará o contrabando
dise teu noxento estrume.
Grotesco escriba sandéu,
inxertado nun rapaso,
Castelao nunca foi teu
porque Castelao é noso.
I anque a ti che importa un pito,
sabrás que é cousa sabida,
que estás incurso en delito
de apropiación indebida.
"Cantigas de Escarnio e Maldecir", Celso Emilio Ferreiro
(Celso Emilio Ferreiro nasceu no dia 4 de Janeiro de 1912. Morreu no dia 31 de Agosto de 1979.)
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Feira Medieval de Leça do Balio 2019 (programa)
Feira Medieval de Leça do Balio (Os Hospitalários no Caminho de Santiago), já na próxima semana, de 4 a 8 de Setembro, ao redor do Mosteiro de Leça do Balio. Programa completo, horários, preços de entrada e toda a informação, aqui.
Que culpa é que o vinho tem?
Dizer-se que Alguém tem mau vinho é um insulto ao vinho e uma
injustiça muito grande. Há quem seja filhodaputa mesmo em jejum e abstinência, e que
culpa é que o vinho tem? Mau vinho é outra coisa, e ainda assim serve
para vinagre.
P.S. - No próximo programa abordaremos as não menos fracturantes problemáticas do mau fígado, do mau-olhado e do mausoléu.
P.S. - No próximo programa abordaremos as não menos fracturantes problemáticas do mau fígado, do mau-olhado e do mausoléu.
quinta-feira, 29 de agosto de 2019
Fafe era o fim do mundo (e era exactamente aqui)
Foto Hernâni Von Doellinger |
Houve um tempo em que Fafe era o fim do mundo. Tenho testemunhas. Gente que se metia no comboio em Ouagadougou ou em Anchorage, vamos um supor, às tantas desprecatava-se, passava pelas brasas e quando acordava já estava em Fafe, porque não havia volta a dar, o mundo acabava ali, numa parede à frente do nariz, rés-do-chão da Rua do Retiro. Era também o fim da linha da CP. Ou o princípio, consoante o ponto de vista. Mas, chegando a Fafe, saía-se do comboio e da estação, subia-se a rampa até ao Zé da Menina, respirava-se fundo, olhava-se para o Largo e fazia-se vida. Se forem num instante à minha terra, ainda vão encontrar quem conte como fez. Perguntem ao Gino.
Depois a automotora começou a madrugar só para mim, para me trazer ao namoro ao Porto e tornar-me a casa à noite, Fafe desistiu do comboio e queixou-se muito quando lho "tiraram".
Hoje o fim do mundo é em Guimarães. É lá que está o muro. Para além dali, nada. É um fim do mundo indoor, asmático e com luzinhas de discoteca, uma boa merda à beira do nosso fim do mundo antigo, que era outra categoria - ao ar livre, com couves, tomates, cheiro a alfádega e só saúde. Ainda por cima, o nosso fim do mundo era feminino: dizia-se em Fafe, não sei explicar porquê, "a" fim do mundo.
O mundo está, portanto, mais pequeno. Isto é científico. Mingou 14 quilómetros. Este aperto mundial, de mais a mais num tempo em que os bons vão caindo como tordos, daria jeito para que nos aconchegássemos um bocadinho, trocássemos olás de boca, para que nos abraçássemos se fosse o caso, e no entanto apartamo-nos cada vez mais uns dos outros, de cabeças enfiadas em caixinhas de cores com teclas ou figurinhas de arrastar com os dedos.
Ia-me esquecendo: a outra conclusão a tirar, e igualmente científica, é que Fafe já não é deste mundo.
P.S. - Texto escrito, no seu geral, em 2013. Fui a Fafe no passado sábado e aproveitei para fotografar o fim do mundo. Era ali. Exactamente ali, como diria o senhor da televisão.
Viva a Justiça de Fafe! 11
Foto Hernâni Von Doellinger |
O Monumento à Justiça de Fafe, da autoria de Eduardo Tavares, foi inaugurado no dia 23 de Agosto de 1981. Fez portanto 38 anos na sexta-feira da passada semana. As comemorações continuam. Apenas aqui.
Algo de definitivo
Havia algo de definitivo no que ele dizia. Ele dizia: - Já não se fazem cigarros como antigamente.
Lembra-te, ó homem
"Lembra-te, ó homem, que és pó e ao pó hás-de voltar", diz a Bíblia logo
na terceira página, ainda as coisas estavam a compor-se. Convenhamos: a
Bíblia não é lá muito inspiradora para os cocainómanos em
recuperação...
quarta-feira, 28 de agosto de 2019
Era a continha, se faz favor...
Foto Hernâni Von Doellinger |
Durante muito tempo cuidei que se chamavam assim por causa das vacas que ficavam cá fora presas pela soga às argolas da parede, ruminando uma pouca de palha ou erva, enquanto os donos enchiam a mula lá dentro. "Casa de Pasto - Bons Vinhos e Petiscos", dizia a tabuleta, geralmente de madeira, numa letra desenhada às três pancadas e desbotada pelo uso do olhar. Já lá vão tantos anos, mas juro que até hoje ainda não encontrei coisa mais linda de se ler.
Nas décadas de sessenta, setenta e um cheirinho de oitenta do século passado, a vila de Fafe era o céu na terra para os devotos dos comes e bebes. Tascos, tabernas, casas de pasto, pensões e outros arraçados de restaurante, havia-os de vários feitios e para todos os gostos e bolsos, quase porta sim, porta não. O Escondidinho, o Alberto Coveiro, a Silvina Monteiro, na Rua Montenegro, o Sanica, o Marinho, o Guarda-Fios, o Vale D'Estêvão, o Manel Bigodes, da Granja, o Quinzinho e o Tanoeiro, ambos em Santo Ovídio, a Rapa e o Ferrador, os dois na Feira Velha, o Feira Velha, na Rua Visconde Moreira de Rei, o Jaime Biró, da Rua de Baixo, o Toninho da Ponte do Ranha, o Neca do Hotel, o Toninho Pires, o Zeca Batata, o Magalhães da Olímpia e o Matazana, só estes são mais do que as estações de uma via-sacra e havia quem entrasse para molhar a palavra em todos eles. Religiosamente.
Mais ou menos no meu raio de acção, centrado ali no Santo Velho, havia ainda o Peludo, o Zé Manco e o Paredes, mesmo ao pé da porta, o Chupiu, as pataniscas do Miranda, a Quiterinha, ou Texas, a Adega dos Vasinhos e as mãos de ouro da Juditinha, o vinho branco e bacalhau frito (há lá melhor mata-bicho!) no Lameiras da Rua de Baixo, o bolo com sardinhas da Brecha, a Dinâmica, o insubstituível Nacor, a Peninsular, o Zé da Menina, que também fazia sandes da famosa vitela e aviava umas quartilhadas avulsas fora do horário das refeições, a Esquiça, que ainda faz das tripas coração, a Adega Popular, ou Fernando da Sede, e o Manel do Campo, onde uma vez o meu querido tio Américo, que me iniciou nestas vidas, me levou a comer um arroz de ervilhas de quebrar com fanecas fritas que estava de se lhe cantar um Te Deum.
O Manel do Campo propriamente dito era um homem imenso, o homem mais gordo do mundo aos meus olhos de miúdo. Mas, de casa para o trabalho e do trabalho para casa, ia e vinha de bicicleta e suspensórios, naquela pedalada lenta e pesada que parece que estás aqui estás a malhar, cantando a plenos pulmões, numa voz grave, o "Marina, Marina, Marina" do Rocco Granata. Quem se lembra, que levante o braço.
Os tascos e casas de pasto de Fafe eram lugares de culto. Instituições de serviço público, monumentos de interesse nacional, património da humanidade. Ali praticava-se a fraternidade. Ali, do doutor ao sapateiro, como então se dizia, com os queixos numa caneca que passa de mão em mão, os homens (e as mulheres, que também as havia) eram todos iguais. Eram irmãos. O coitado que levava a caneca ao fim, mandava vir a próxima...
Nenhum recém-chegado começava a beber sem antes erguer a caneca aos presentes:
- São servidos, meus senhores?
- Estamos no mesmo - respondiam, à volta.
Este cerimonial, creio, ainda se pratica.
O vinho, a qualidade do vinho, era a pedra-de-toque para o sucesso de uma casa. Um sucesso traidor, de ida e volta. Sabia-se que em certo sítio havia pipa nova, de pinga de estalo, e era a invasão. A pipa chegava às últimas e todos lhe viravam costas, mesmo antes de ela exalar o derradeiro suspiro. Os apreciadores procuravam novo poiso, onde a história de amor e traição se repetia.
Era inevitável. Claro que também se apanhavam umas cardinas. E de caixão à cova. Eu não vou dizer nomes, mas podem acreditar no seguinte: por causa das coisas, havia uns bebedores muito conhecidos e prevenidos que, consoante os casos, tinham burro, bicicleta e até motorizada de tal maneira amestrados que podiam ir para casa de olhos fechados. E iam. Os bichos, incluindo os de duas rodas, já sabiam o caminho...
Isto é a minha memória, a memória dos meus. E a minha homenagem sumária e porque sim. Os tascos da minha terra têm uma história e histórias que deviam ser contadas ao detalhe por quem as saiba procurar e contar, com o rigor e a graça que os ilustres nomes dos tasqueiros de antanho justificam e merecem. No meio de tanta treta que se edita, patrocina, apresenta e promove em Fafe, ora cá está um livrinho que até eu era capaz de ler. Enquanto espero, sentado, venha mais um quartilho para a mesa do canto, e era a continha, se faz favor...
P.S. - Publicado originalmente no dia 30 de Setembro de 2011, sob o título "Mais um quartilho para a mesa do canto".
Viva a Justiça de Fafe! 10
Foto Hernâni Von Doellinger |
O Monumento à Justiça de Fafe, da autoria de Eduardo Tavares, foi inaugurado no dia 23 de Agosto de 1981. Fez portanto 38 anos na passada sexta-feira. Continuamos em comemorações.
Lições de História 45: os Sãos Joões
O azar do nosso São João, o Baptista, é não ter sido o outro, o
Evangelista. O nosso São João era um bocado esquisito mas muito homem:
profeta ambulante, vestia-se de peles de camelo, usava um cinto de
couro, comia gafanhotos
e mel e convivia muito bem com cabritinhos e cabritinhas. Clamava no
deserto. Um deserto que inopinadamente tinha um rio chamado Jordão como o
cinema de Guimarães,
e foi ali mesmo, no rio que não no cinema, que João, o nosso, inventou o
baptismo e baptizou o primo Jesus. O nosso São João era a Ana Gomes
daquele tempo. Punha a boca no trombone sem pauta nem contenção e isso
haveria de custar-lhe a cabeça, ainda nem chegara aos trinta anos. Os
amigos do Baptista tinham uma certa vergonha dele e muito gosto na
própria cabeça, e por isso deram-lhe o nome de código de O Precursor,
para que não se soubesse de quem falavam quando falavam. Hoje em dia, o
analfabetismo instalado chama-lhe O Percursor.
O São João que não é nosso, o Evangelista, era mais manso e teve uma vida flauteada. Morreu velho e de morte natural. Filho de Zebedeu, irmão de Tiago Maior e eventualmente sócio de André e Pedro no negócio das pescas, seria o mais novo dos doze apóstolos do Nazareno, segundo consta. De pescador quiçá analfabeto, fez-se teólogo e escritor. De evangelho e epístolas, apocalíptico então. Discípulo dilecto, João, o que não é nosso, era aquele a quem Jesus amava, o que se lhe aninhou no peito durante a Última Ceia, está nos retratos. O assunto continua a prestar-se, ainda hoje, às mais diversas e variadas.
P.S. - A Igreja Católica e outras tendências cristãs celebram hoje, 29 de Agosto, o Dia do Martírio de São João Baptista, ou a Decapitação de João Baptista, ou a Decapitação de São João Baptista, ou a Decapitação do Anunciador, ou a Decapitação do Precursor. Quer-se dizer: festeja-se a também chamada degolação do nosso São João. Valha-nos Deus!...
O São João que não é nosso, o Evangelista, era mais manso e teve uma vida flauteada. Morreu velho e de morte natural. Filho de Zebedeu, irmão de Tiago Maior e eventualmente sócio de André e Pedro no negócio das pescas, seria o mais novo dos doze apóstolos do Nazareno, segundo consta. De pescador quiçá analfabeto, fez-se teólogo e escritor. De evangelho e epístolas, apocalíptico então. Discípulo dilecto, João, o que não é nosso, era aquele a quem Jesus amava, o que se lhe aninhou no peito durante a Última Ceia, está nos retratos. O assunto continua a prestar-se, ainda hoje, às mais diversas e variadas.
P.S. - A Igreja Católica e outras tendências cristãs celebram hoje, 29 de Agosto, o Dia do Martírio de São João Baptista, ou a Decapitação de João Baptista, ou a Decapitação de São João Baptista, ou a Decapitação do Anunciador, ou a Decapitação do Precursor. Quer-se dizer: festeja-se a também chamada degolação do nosso São João. Valha-nos Deus!...
Algo de luminoso
Havia algo de luminoso no que ele dizia. Ele dizia: - Estás aqui, estás a levar uma lamparina...
Era ninguém, e com muito gosto
Perguntaram-lhe enfim - Mas quem é que você pensa que é?
Ele respondeu sorrindo - Sou o romeiro de "Frei Luís de Sousa". Quero dizer: ninguém...
Ele respondeu sorrindo - Sou o romeiro de "Frei Luís de Sousa". Quero dizer: ninguém...
terça-feira, 27 de agosto de 2019
O doce prazer da gazeta
Foto Hernâni Von Doellinger |
Alegria, alegria a sério era aquilo: chegar à escola primária e a "empregada" mandar-me embora. Ordenava, porque naquele tempo as "empregadas" é que mandavam nas escolas, repito, ordenava: - Vai para casa, diz à tua mãe que a senhora professora está doente. E ordenava com o braço estendido e no fim do braço estendido uma mão estendida com um dedo estendido que não admitia discussão e queria dizer "rua!"...
(Também poderia querer dizer "Salazar! Salazar! Salazar!", mas sem dedo.)
O coração rebentava-me pela boca mal saía o portão, aos gritos e aos saltos - Não há escola!, não há escola!, não há escola!, Rua Montenegro fora, enervando desnecessariamente o pobre Baptista do Asilo, que desatava às cabeçadas contra o gradeamento carcerário, e eu festejando efusivamente a dor de barriga da professorinha, dando a boa nova aos colegas retardatários, que faziam meia-volta-volver e também saltavam e gritavam - Não há escola!, não há escola!, não há escola!...
(Alegria ingénua, pura, intensa, física. Era evidentemente uma manifestação de profunda catarse, embora eu na ocasião não o soubesse, porque ainda não tínhamos chegado a essa palavra.)
Passávamos a Casa de Santa Zita, que caducou, a Cafelândia, que é um banco, a Rosindinha Catequista, que desapareceu, o Largo, que estreitou, a Loja Nova, que morreu de velha, o Peludo, que acabou, o Cinema, que é outra coisa, a Aurorinha Maia, que mudou de ares, a Padaria, que se foi, a Quiterinha, que é só memória, as Grilas, que Deus tem, o Funileiro, que já não há, quer-se dizer, alarmávamos a vila inteira - Não há escola!, não há escola!, não há escola!, eu chegava a casa, no Santo Velho, esbaforido e feliz, e a minha mãe, por tradição, dava-me logo à entrada dois ou três sopapos derivado àquele "espectáculo todo" e... "para aprender", mas não me roubava a alegria.
Aqui que a criançada não nos ouve, a verdade é esta: melhor do que ter escola (porque escola é bom!), só mesmo não ter escola. Ao longo da minha vida aconteceram-me outros momentos extraordinários, episódios marcantes, memoráveis, como, por exemplo, o nascimento do meu primeiro pentelho ou a descoberta do tesão, mas, palavra de honra: nada se compara com aqueles dias gloriosos em que chegava à Escola Conde Ferreira e me mandavam para trás. Ah, o doce prazer da gazeta!...
P.S. - A minha escola é agora sede da Banda de Revelhe. E o recreio, à volta, é um prometedor matagal.
Viva a Justiça de Fafe! 9
Foto Hernâni Von Doellinger |
O Monumento à Justiça de Fafe, da autoria de Eduardo Tavares, foi inaugurado no dia 23 de Agosto de 1981. Fez portanto 38 anos na passada sexta-feira. Continuamos em comemorações.
Algo de consolador
Havia algo de consolador no que ele dizia. Ele dizia: - Pronto, pronto, já não dói, já passou...
segunda-feira, 26 de agosto de 2019
Viva a Justiça de Fafe! 8
Foto Hernâni Von Doellinger |
O injustamente esquecido verbo terebintinar
O verbo terebintinar, esse mesmo, miseravelmente ignorado por quem hoje
escreve, lê e fala na ainda chamada língua portuguesa. O verbo
terebintinar que, como toda a gente sabe, conjuga-se como o verbo
pirilamparar. Evidentemente.
António Reis 3
É domingo hoje
É domingo hoje
mas nós não saímos
é o único dia
que não repetimos
e que dura menos
Mas põe o teu rouge
que eu mudo a camisa
não como quem
de ilusão
precisa
Tomaremos chá
leremos um pouco
e iremos à varanda
absortos
"Novos Poemas Quotidianos", António Reis
(António Reis nasceu no dia 27 de Agosto de 1927. Morreu em 1991.)
É domingo hoje
mas nós não saímos
é o único dia
que não repetimos
e que dura menos
Mas põe o teu rouge
que eu mudo a camisa
não como quem
de ilusão
precisa
Tomaremos chá
leremos um pouco
e iremos à varanda
absortos
"Novos Poemas Quotidianos", António Reis
(António Reis nasceu no dia 27 de Agosto de 1927. Morreu em 1991.)
Florencio Delgado Gurriarán 5
Dóres do agro
Fortes brazos de silveira
o camiño apadumaron;
anda a laiarse o silenzo
da puñelada dos carros
que lle fendeu as entranas;
pola forca dun arame
o parreiral enforcado
bota a lingua para afora,
o probe corpo estordega,
e remela os verdes ollos
nas ánseas da morte fera.
(Florencio Delgado Gurriarán nasceu no dia 27 de Agosto de 1903. Morreu em 1987.)
Fortes brazos de silveira
o camiño apadumaron;
anda a laiarse o silenzo
da puñelada dos carros
que lle fendeu as entranas;
pola forca dun arame
o parreiral enforcado
bota a lingua para afora,
o probe corpo estordega,
e remela os verdes ollos
nas ánseas da morte fera.
"Cantarenas", Florencio Delgado Gurriarán
(Florencio Delgado Gurriarán nasceu no dia 27 de Agosto de 1903. Morreu em 1987.)
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domingo, 25 de agosto de 2019
Viva a Justiça de Fafe! 7
Foto Hernâni Von Doellinger |
O Monumento à Justiça de Fafe, da autoria de Eduardo Tavares, foi inaugurado no dia 23 de Agosto de 1981. Fez portanto 38 anos na passada sexta-feira. Continuamos em comemorações.
Dia do Cão
Microcontos & outras miudezas 165
Lições de História: a mola (e, já agora, o Mola)
Molas de roupa, há-as em madeira, em plástico e em aço. As molas de aço são difíceis de vergar e muito dadas à preguiça, quase tanto como os garfos. Crê-se que as molas foram inventadas nas redondezas de 1700, em madeira, e que ganharam as suas formas actuais em 1853. O Dia da Mola celebra-se a 6 de Maio e só lhe ligam, um bocadinho, no Reino Unido, que são um povo que, apesar de nevoento, gosta de ter sempre alguma coisinha com que se entreter, como por exemplo o Boris e o Brexit. E a mola. Mola em inglês diz-se clothes peg ou clothespin se for na América. O famoso jornal londrino The Telegraph considerou a mola de roupa a centésima maior invenção da humanidade. Depois da mola já foram inventados os computadores, a bomba atómica, o coração artificial, a televisão, o telemóvel, os antibióticos, as naves espaciais, o peido-engarrafado, Donald Trump, o exoesqueleto, o clipe, a fita-cola, a cola-cientistas-ao-tecto, o post-it, o pós-modernismo, o velcro ou o pionés, e no entanto - tomem nota! - os mais virtuosos músicos das melhores, mais aclamadas e mais sofisticadas orquestras sinfónicas do mundo continuam a usar a mola, a modesta, a simplória, a velha mas competente mola de roupa para segurarem as sagradas partituras às respectivas estantes. O que é extraordinário.
Mola, por outro lado, também pode ser masculino. Nesse caso escreve-se com maiúscula inicial, diz-se o Mola, e deve informar-se que morava, se não me engano, quem vai para a Fábrica do Ferro, resvés com a descida final, frequentava evidentemente o Peludo e, por morte deste, o Arcada, que trabalhou muitos anos no Vitória de Guimarães e depois no Fafe, que era elegantemente discreto, cordato, sábio, infalível aos amigos e discípulos, noctívago, malandro, apreciador de bandas filarmónicas e ele próprio exímio executante de assobio, económico nas palavras, e tinha piada fina. Grande Mola! Uma figura mítica, irrepetível, um fafense excelentíssimo.
P.S. - Sou um gajo cheio de sorte. Fui no sábado a Fafe e vi o Mola. Calhámos eu e ele à hora de almoço no Fernando da Sede (Adega Popular) e comoveu-me sabê-lo vivo. Não falámos, porque eu não ousei. Eu estava com o meu filho e senti um prazer tremendo, uma vaidade sem medida contando ao Kiko a grandeza daquele homem, a importância que ele teve na vida do meu amigo Pimenta e a importância que o Pimenta teve e tem na minha vida. Antes de sair e de dar o meu segundo abraço ao Fernando, mandei ao Mola um sinal de obrigado e ele deu-me em troca um sorriso tímido e límpido, talvez ausente, secreto, quem dera que pelo menos lhe tenha passado pela cabeça, ainda que por acaso, "acho que em tempos conheci aquele miúdo..."
Conversing
- Estás com pressing?
- Não. Por acaso até tenho timing.
Pessoa colectiva
Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Bernardo Soares. É daí que vem.
Lições de História: Fleming
Alexander Fleming - médico, farmacologista, biólogo e botânico britânico - foi o inventor da penicilina e ganhou o Prémio Nobel. A questão ainda não está devidamente estudada e as razões continuam incógnitas, mas a verdade é que, a dado passo, possivelmente em 1952, Alexander mudou o nome para Ian e desatou a escrever livros sobre o 007.
Entre uma coisa e outra, Fleming, então chamada Rhonda, Rhonda Fleming, nome artístico de Marilyn Louis, foi actriz de filmes de aventuras e cantora em Hollywood e seus arredores. Baptizada pela imprensa especializada da época como a "rainha do Technicolor", era famosa mais pela sua beleza do que pelos seus dotes artísticos. E fez 96 anos aqui à meia dúzia de dias.
Rio e o elefante
Olha, finalmente Rui Rio fala do que sabe: do elefante na sala que parte tudo. Pelo menos é o que dizem os ajuntadores de cacos do PSD.
P.S. - O Rio dos Elefantes nasce na África do Sul e desagua no Limpopo, já em Moçambique. Mede, segundo as últimas contas, 560 quilómetros, menos um do que Portugal continental, o que há-de querer dizer qualquer coisa, mas eu não sei o quê.
Molas de roupa, há-as em madeira, em plástico e em aço. As molas de aço são difíceis de vergar e muito dadas à preguiça, quase tanto como os garfos. Crê-se que as molas foram inventadas nas redondezas de 1700, em madeira, e que ganharam as suas formas actuais em 1853. O Dia da Mola celebra-se a 6 de Maio e só lhe ligam, um bocadinho, no Reino Unido, que são um povo que, apesar de nevoento, gosta de ter sempre alguma coisinha com que se entreter, como por exemplo o Boris e o Brexit. E a mola. Mola em inglês diz-se clothes peg ou clothespin se for na América. O famoso jornal londrino The Telegraph considerou a mola de roupa a centésima maior invenção da humanidade. Depois da mola já foram inventados os computadores, a bomba atómica, o coração artificial, a televisão, o telemóvel, os antibióticos, as naves espaciais, o peido-engarrafado, Donald Trump, o exoesqueleto, o clipe, a fita-cola, a cola-cientistas-ao-tecto, o post-it, o pós-modernismo, o velcro ou o pionés, e no entanto - tomem nota! - os mais virtuosos músicos das melhores, mais aclamadas e mais sofisticadas orquestras sinfónicas do mundo continuam a usar a mola, a modesta, a simplória, a velha mas competente mola de roupa para segurarem as sagradas partituras às respectivas estantes. O que é extraordinário.
Mola, por outro lado, também pode ser masculino. Nesse caso escreve-se com maiúscula inicial, diz-se o Mola, e deve informar-se que morava, se não me engano, quem vai para a Fábrica do Ferro, resvés com a descida final, frequentava evidentemente o Peludo e, por morte deste, o Arcada, que trabalhou muitos anos no Vitória de Guimarães e depois no Fafe, que era elegantemente discreto, cordato, sábio, infalível aos amigos e discípulos, noctívago, malandro, apreciador de bandas filarmónicas e ele próprio exímio executante de assobio, económico nas palavras, e tinha piada fina. Grande Mola! Uma figura mítica, irrepetível, um fafense excelentíssimo.
P.S. - Sou um gajo cheio de sorte. Fui no sábado a Fafe e vi o Mola. Calhámos eu e ele à hora de almoço no Fernando da Sede (Adega Popular) e comoveu-me sabê-lo vivo. Não falámos, porque eu não ousei. Eu estava com o meu filho e senti um prazer tremendo, uma vaidade sem medida contando ao Kiko a grandeza daquele homem, a importância que ele teve na vida do meu amigo Pimenta e a importância que o Pimenta teve e tem na minha vida. Antes de sair e de dar o meu segundo abraço ao Fernando, mandei ao Mola um sinal de obrigado e ele deu-me em troca um sorriso tímido e límpido, talvez ausente, secreto, quem dera que pelo menos lhe tenha passado pela cabeça, ainda que por acaso, "acho que em tempos conheci aquele miúdo..."
Conversing
- Estás com pressing?
- Não. Por acaso até tenho timing.
Pessoa colectiva
Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Bernardo Soares. É daí que vem.
Lições de História: Fleming
Alexander Fleming - médico, farmacologista, biólogo e botânico britânico - foi o inventor da penicilina e ganhou o Prémio Nobel. A questão ainda não está devidamente estudada e as razões continuam incógnitas, mas a verdade é que, a dado passo, possivelmente em 1952, Alexander mudou o nome para Ian e desatou a escrever livros sobre o 007.
Entre uma coisa e outra, Fleming, então chamada Rhonda, Rhonda Fleming, nome artístico de Marilyn Louis, foi actriz de filmes de aventuras e cantora em Hollywood e seus arredores. Baptizada pela imprensa especializada da época como a "rainha do Technicolor", era famosa mais pela sua beleza do que pelos seus dotes artísticos. E fez 96 anos aqui à meia dúzia de dias.
Rio e o elefante
Olha, finalmente Rui Rio fala do que sabe: do elefante na sala que parte tudo. Pelo menos é o que dizem os ajuntadores de cacos do PSD.
P.S. - O Rio dos Elefantes nasce na África do Sul e desagua no Limpopo, já em Moçambique. Mede, segundo as últimas contas, 560 quilómetros, menos um do que Portugal continental, o que há-de querer dizer qualquer coisa, mas eu não sei o quê.
Joaquim Cardozo 3
Aves de rapina
Há muitos anos que os caminhos se arrastavam
Subindo para as montanhas.
Percorriam as florestas perseguindo a distância,
Lentos e longos deslizavam nas planícies.
Passaram chuvas, passaram ventos,
Passaram sombras aladas...
Um dia os aviões surgiram e libertaram a distância,
Os aviões desceram e levaram os caminhos.
"Poemas", Joaquim Cardozo
(Joaquim Cardozo nasceu no dia 26 de Agosto de 1897. Morreu em 1978.)
Há muitos anos que os caminhos se arrastavam
Subindo para as montanhas.
Percorriam as florestas perseguindo a distância,
Lentos e longos deslizavam nas planícies.
Passaram chuvas, passaram ventos,
Passaram sombras aladas...
Um dia os aviões surgiram e libertaram a distância,
Os aviões desceram e levaram os caminhos.
"Poemas", Joaquim Cardozo
(Joaquim Cardozo nasceu no dia 26 de Agosto de 1897. Morreu em 1978.)
Uma câmara de fachada
Foto Hernâni Von Doellinger |
O piso que envolve o Monumento à Justiça de Fafe no parque de estacionamento do Tribunal está uma chostra. Destruído, esburacado, perigoso até, como se tivesse sido acometido de terramoto. E pela relva medra o lixo, nojento, com aparentes sinais de actividade sexual. Vi esta desgraça ontem e pensei: cá está o exemplo acabado do abandono e desleixo de uma câmara de fachada que varre para debaixo do tapete a cidade das traseiras. E escrevo: cá está o exemplo acabado do abandono e desleixo de uma câmara de fachada que varre para debaixo do tapete a cidade das traseiras.
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sábado, 24 de agosto de 2019
Viva a Justiça de Fafe! 6
Foto Hernâni Von Doellinger |
O Monumento à Justiça de Fafe, da autoria de Eduardo Tavares, foi inaugurado no dia 23 de Agosto de 1981. Quer-se dizer: fez 38 anos na passada sexta-feira, pelas 11 horas, segundo consta. Continuamos em comemorações. Ponham-lhe flores, porra!
Luís González Tosar 2
[As palabras soben e baixan]
As palabras soben e baixan,
resoan na estreitez das rúas,
fanse luz e, a veces, até son felices,
chocan contra os muros,
rebotan, perden o equilibrio...
As palabras pasan sede
e teñen fame,
camiñan cos peregrinos,
aman outras palabras,
viven
e van morrendo
sen remedio.
Este poema ban podería ser
un monumento,
algo do que os humanos
lles debemos ás palabras.
Pero non...
"Estúrdiga Materia", Luís González Tosar
(Luís González Tosar nasceu no dia 25 de Agosto de 1952)
As palabras soben e baixan,
resoan na estreitez das rúas,
fanse luz e, a veces, até son felices,
chocan contra os muros,
rebotan, perden o equilibrio...
As palabras pasan sede
e teñen fame,
camiñan cos peregrinos,
aman outras palabras,
viven
e van morrendo
sen remedio.
Este poema ban podería ser
un monumento,
algo do que os humanos
lles debemos ás palabras.
Pero non...
"Estúrdiga Materia", Luís González Tosar
(Luís González Tosar nasceu no dia 25 de Agosto de 1952)
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Maria Alberta Menéres 2
Pretexto
Por que não cai a noite, de uma vez?
- Custa viver assim aos encontrões!
Já sei de cor os passos que me cercam,
o silêncio que pede pelas ruas,
e o desenho de todos os portões.
Por que não cai a noite, de uma vez?
- Irritam-me estas horas penduradas
como frutos maduros que não tombam.
(E dentro em mim, ninguém vem desfazer
o novelo das tardes enroladas.)
Maria Alberta Menéres
(Maria Alberta Menéres nasceu no dia 25 de Agosto de 1930. Morreu em Abril passado.)
Por que não cai a noite, de uma vez?
- Custa viver assim aos encontrões!
Já sei de cor os passos que me cercam,
o silêncio que pede pelas ruas,
e o desenho de todos os portões.
Por que não cai a noite, de uma vez?
- Irritam-me estas horas penduradas
como frutos maduros que não tombam.
(E dentro em mim, ninguém vem desfazer
o novelo das tardes enroladas.)
Maria Alberta Menéres
(Maria Alberta Menéres nasceu no dia 25 de Agosto de 1930. Morreu em Abril passado.)
sexta-feira, 23 de agosto de 2019
Viva a Justiça de Fafe! 5
Foto Hernâni Von Doellinger |
O Monumento à Justiça de Fafe, da autoria de Eduardo Tavares, foi inaugurado no dia 23 de Agosto de 1981. Quer-se dizer: fez ontem 38 anos, pelas 11 horas, segundo consta. Continuamos em comemorações. Ponham-lhe flores, porra!
Paulo Leminski 5
Incenso fosse música
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além
"Distraídos Venceremos", Paulo Leminski
(Paulo Leminski nasceu no dia 24 de Agosto de 1944. Morreu em 1989.)
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Carlos Casares 4
No pouco tempo durante o cal puiden ver o corpo espido
de Carlos, morto e tirado na bañeira, antes de que Arturo me sacase pola forza
do cuarto de baño, pareceume que da parte dereita da cabeza do cadáver, á
altura da tempa, penduraba un cacho pequeno de óso esmigallado en anacos
minúsculos e afiados, igual que se fosen os fragmentos da casca dunha noz que
se acabase de partir. Desde aquela noite, o estoupido da pistola que acabou coa
vida de Carlos asocieino con esa imaxe, non polo ruído da arma en si, senón
porque me parecía que o cranio, ó ser rebentado pola bala, rachara daquela
mesma maneira.
(Carlos Casares nasceu no dia 24 de Agosto de 1941. Morreu em 2002.)
"O Sol do Verán", Carlos Casares
(Carlos Casares nasceu no dia 24 de Agosto de 1941. Morreu em 2002.)
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