Fafe era um terra de antonomásias, estoufarto de dizer. No nosso imenso pequeno mundo, tínhamos o Largo, a Avenida, o Monumento, a Recta, o Campo, o Depósito, o Banco, os Serviços, a Bomba, o Jardim, a Quelha, o Santo e o Café, que era o Peludo e que na verdade se chamava Cine-Bar, eventualmente dada a sua proximidade e até uma certa ligação ao Teatro-Cinema e à família Summavielle. Mas cafés, tascos e afins havia muitos. Uma mão-cheia de cafés, e tascos até dar com um pau, para ser mais preciso. Pastelarias, salões de chá ou snack-bares é que nada, até aparecer o Dom Fafe, mesmo no centro da vila, coisa fina e para clientela sem gases. O Dom Fafe, respeitando a tradição, passou a ser "o" Snack-Bar.
Eu era calisto. Calisto televisivo. A preto e branco e com muitos pedimos desculpa por esta interrupção. Para me fazer pagar a moina, o Sr. Avelino do Café, que era o Hoss do "Bonanza" em pessoa menos o chapéu alto, entregava-me umas moedas e mandava-me à cozinha do Hospital buscar uns enormes tijolos de gelo que ele depois partia e metia no barril de tirar finos (imperiais, se lido em Lisboa). No fim do recado dava-me o troco? É o davas. Oferecia-me um pastel? Fodias-te. Eu tinha para aí sete anos, o meu pai ainda não tinha trazido pastéis para casa e o Sr. Avelino punha-me à frente a merda de um cimbalino. Sete anos, e ele dava-me um café (bica, se lido em Lisboa). Se ainda ao menos fosse um cigarro!...
Eu e o Sr. Avelino, o tempo haveria de fazer-nos bons amigos, mas nunca lhe perdoei a desfeita do café.
Não sou de doces. E, dos pastéis que o meu pai trazia para casa, o que eu gostava mais era da festa, do riso. Daquela meia hora extra fora da cama. Da sensação de família e fartura, da felicidade antes do sono. Porque o meu doce preferido era outro: era a côdea de broa, "grande daqui até ao céu", enfiada às escondidas na lata do açúcar amarelo e comida na clandestinidade do fundo do quintal. Subia a um banco para subir à mesa da cozinha para chegar ao armário, abria a lata, passava o pão, fechava a lata e saía dali a cem à hora mas com mil cuidados para não entornar o "recheio". Côdea de broa com açúcar amarelo, isso, sim, era o meu bolo. Havia lá coisa melhor no mundo!? Por acaso até havia: era a gemada. Gemada simples e honesta: gema de ovo batida numa malga com muiiiiiito açúcar. Mas essa só podia ser duas vezes por ano, acho eu, pela passagem de classe e no meu aniversário. Com os ovos, lá em casa, todo o cuidado era pouco. Estavam contados, eram para deitar. E ao açúcar para a broa a minha mãe fechava os olhos. Fazia de conta que não sabia...
Não sou de doces. E, dos pastéis que o meu pai trazia para casa, o que eu gostava mais era da festa, do riso. Daquela meia hora extra fora da cama. Da sensação de família e fartura, da felicidade antes do sono. Porque o meu doce preferido era outro: era a côdea de broa, "grande daqui até ao céu", enfiada às escondidas na lata do açúcar amarelo e comida na clandestinidade do fundo do quintal. Subia a um banco para subir à mesa da cozinha para chegar ao armário, abria a lata, passava o pão, fechava a lata e saía dali a cem à hora mas com mil cuidados para não entornar o "recheio". Côdea de broa com açúcar amarelo, isso, sim, era o meu bolo. Havia lá coisa melhor no mundo!? Por acaso até havia: era a gemada. Gemada simples e honesta: gema de ovo batida numa malga com muiiiiiito açúcar. Mas essa só podia ser duas vezes por ano, acho eu, pela passagem de classe e no meu aniversário. Com os ovos, lá em casa, todo o cuidado era pouco. Estavam contados, eram para deitar. E ao açúcar para a broa a minha mãe fechava os olhos. Fazia de conta que não sabia...
Mais um escrito de se lhe tirar o chapéu! Com ou sem açucar, é uma doçura ler coisas destas. Ainda por cima, fez-me reler outras prosas deliciosas.
ResponderEliminarGrande abraço,
P.
Obrigado, caro Amigo, pela visita e pelo comentário. Temos que lá ir, ainda por baixo! Abraço,
Eliminarh.
Também ganhei o direito a algumas gemadas. Na verdade, percebi anos depois, nem era assim grande fã delas!... eram um prémio e por isso sim, eram boas! Agora, gostar... gostar... era do biju com a banana dentro. Isso sim, era bom! Às vezes também tinha direito, vá lá saber-se porquê!, a outros miminhos especiais. Em segredo! Sozinho no quarto do meio, para mais ninguém ver. Às vezes era um pastel (uma tíbia, que eu adorava)!...
ResponderEliminarj.
Lá está, a tíbia nunca me deu. Tinha creme, pá! Absolutamente dispensável. Como na bola de berlim, quem ma dera, naquela altura, sem a merda do recheio. Sabes que as bolas de berlim, para serem como manda a sapatilha, eram fritas, não eram de ir ao forno como este sucedâneo padario de agora.
EliminarQuanto aos segredos: o biju com banana, as tíbias no quartinho do meio e... a mãozinha de anho. Pensavas que eu não sabia? Eu sei tudo. Abraço.
E as cavacas?? Essas sim sempre doces de Festa.
ResponderEliminarAbraço Miguel
Fresquinhas? São bem boas. Abraço.
EliminarAs cavacas que mais gostava era as da puia. Tinham a fama de ser lambidas. Já agora, Hernâni, parece que o Dom Fafe vai passar a pastelaria. Por isso, o seu texto foi parar aos facebooks para os nossos conterrâneos o lerem. Espero que não se importe. Abraço
ResponderEliminarEsteja à vontade, como sempre.
EliminarObrigado. Abraço,
h.