Foto Hernâni Von Doellinger |
Alegria, alegria a sério era aquilo: chegar à escola primária e a "empregada" mandar-me embora. Ordenava, porque naquele tempo as "empregadas" é que mandavam nas escolas, repito, ordenava: - Vai para casa, diz à tua mãe que a senhora professora está doente. E ordenava com o braço estendido e no fim do braço estendido uma mão estendida com um dedo estendido que não admitia discussão e queria dizer "rua!"...
(Também poderia querer dizer "Salazar! Salazar! Salazar!", mas sem dedo.)
O coração rebentava-me pela boca mal saía o portão, aos gritos e aos saltos - Não há escola!, não há escola!, não há escola!, Rua Montenegro fora, enervando desnecessariamente o pobre Baptista do Asilo, que desatava às cabeçadas contra o gradeamento carcerário, e eu festejando efusivamente a dor de barriga da professorinha, dando a boa nova aos colegas retardatários, que faziam meia-volta-volver e também saltavam e gritavam - Não há escola!, não há escola!, não há escola!...
(Alegria ingénua, pura, intensa, física. Era evidentemente uma manifestação de profunda catarse, embora eu na ocasião não o soubesse, porque ainda não tínhamos chegado a essa palavra.)
Passávamos a Casa de Santa Zita, que caducou, a Cafelândia, que é um banco, a Rosindinha Catequista, que desapareceu, o Largo, que estreitou, a Loja Nova, que morreu de velha, o Peludo, que acabou, o Cinema, que é outra coisa, a Aurorinha Maia, que mudou de ares, a Padaria, que se foi, a Quiterinha, que é só memória, as Grilas, que Deus tem, o Funileiro, que já não há, quer-se dizer, alarmávamos a vila inteira - Não há escola!, não há escola!, não há escola!, eu chegava a casa, no Santo Velho, esbaforido e feliz, e a minha mãe, por tradição, dava-me logo à entrada dois ou três sopapos derivado àquele "espectáculo todo" e... "para aprender", mas não me roubava a alegria.
Aqui que a criançada não nos ouve, a verdade é esta: melhor do que ter escola (porque escola é bom!), só mesmo não ter escola. Ao longo da minha vida aconteceram-me outros momentos extraordinários, episódios marcantes, memoráveis, como, por exemplo, o nascimento do meu primeiro pentelho ou a descoberta do tesão, mas, palavra de honra: nada se compara com aqueles dias gloriosos em que chegava à Escola Conde Ferreira e me mandavam para trás. Ah, o doce prazer da gazeta!...
P.S. - A minha escola é agora sede da Banda de Revelhe. E o recreio, à volta, é um prometedor matagal.
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