domingo, 30 de abril de 2023

É preciso tê-los

Portugal tem o segundo maior carrilhão da Europa. Conta com 72 sinos, alguns dos quais pesam várias toneladas, e foi inaugurado no dia 1 de Maio de 2005 na Igreja dos Pastorinhos, em Alverca. Faz hoje anos. Para além disso, o de Alverca é o terceiro carrilhão construído em Portugal, depois dos famosos carrilhões instalados, no século XVIII, no Convento de Mafra e na Torre dos Clérigos, no Porto.
De carrilhões realmente até nem estamos mal servidos. E quem diz carrilhões, diz órgãos. Órgãos de tubos. Como, por exemplo, o avantajado órgão de tubos da portuense Igreja da Lapa, que é considerado "o maior órgão de tubos da Península Ibérica", e olé!, e o poderoso órgão de tubos da Basílica da Nossa Senhora do Rosário, em Fátima, que é considerado "o maior órgão de tubos de Portugal". Há qualquer coisa aqui que não bate certo, é verdade, mas eu não sei o que é. Os medidores de instrumentos não se entendem e desconhecem a geografia, mas o livro da antiga 4.ª classe, contas simples de somar e uma fita métrica podiam resolver o assunto. Isto com os órgãos não é questão de opinião ou desempenho. O tamanho importa, mesmo!

Sino da paixão bate bão-bão-bão

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 29 de abril de 2023

O associativismo jovem

Dizem-me que hoje é Dia do Associativismo Jovem. E vêm-me à ideia as claques de futebol, as queimas das fitas, os protestos com o olho do cu, os gangues, a tropa, os arrastões, as portas das discotecas, a catequese, os escuteiros, as jotas partidárias. E resolvo: hoje não saio de casa!

sexta-feira, 28 de abril de 2023

Feiras Francas de Fafe, de 13 a 17 de Maio

Foto Hernâni Von Doellinger

Feiras Francas de Fafe, de 13 a 17 de Maio, com tenda principal montada no Parque da Cidade. Feira Rural, Feira das Coisas, Mercado Bio, vinhos e petiscos, noitadas, fado vadio, festival de folclore, animação de rua, cenas da vida do campo, jogos tradicionais, concurso pecuário, chega de bois, corrida de cavalos, as duas bandas de música da terra, Golães e Revelhe, e bombos, muitos bombos. Para além disso, os cantores Toy, Jorge Guerreiro, Rosinha e Cláudia Pascoal. Programa completo e mais informação, aqui.

Lá vamos cantando e rindo, outra vez?

Foto Expresso de Fafe

Havia necessidade? Havia mesmo necessidade de acordar fantasmas, de incendiar revivalismos bacocos, de lançar a confusão e alimentar a discórdia, de desensinar, logo agora em tempo de pós/pré-fascismo consoante o ponto de vista? Era assim tão imperioso desenterrar um dos velhos símbolos das bandeiras, estandartes e guiões da Legião Portuguesa e da Mocidade Portuguesa - a Cruz de Avis? Estamos assim tão saudosos da liturgia do Estado Novo? É preciso ser-se muito ignorante ou então distraído ou então tolo. Ou então tudo. E não me venham falar da farpela de Nuno Álvares Pereira, de semióticas e de ordens religiosas ou militares, que eu já dei para esse peditório, e estou farto de histórias.
Vi esta tristeza há pouco, no Expresso de Fafe. Tanto quanto percebo, o novo velho "monumento" ficou ao léu exactamente no dia 25 de Abril, como um insulto porventura, a propósito da inauguração da Praça Santo Condestável, junto à Igreja Matriz. Mas o que quis com isto a Câmara de Fafe? Reabilitar, isso eu sei. Mas reabilitar o quê? Os antigos campos de milho do Costa do Assento ou a execrável ditadura e respectivo folclore?
Porra!, era mesmo necessário?...

quarta-feira, 26 de abril de 2023

Sainde da frente!...

Hoje é Dia do Goleiro. No Brasil. Se fosse em Portugal, seria Dia do Guarda-Redes, o que em certa medida explica logo à nascença a suprema necessidade e a utilidade sem medida dessa coisa escaganifobética e sonsa a que certos doutores chamam acordo ortográfico. Falando à nossa moda, o guarda-redes é-o, regra geral, porque, no que diz respeito à bola, não serve para mais nada, não joga um caralho, não dá uma para a caixa, é um trambolho, um cepo, um arrocho, e por isso vai para a baliza. Ali pelo menos não estorva. E grita a torto e a direito "Sainde da frente!, Sainde da frente!", desarrumando imaginárias barreiras no miserável recreio da Escola Conde de Ferreira, no largo da Feira Velha ou entre as aprazíveis tílias do Santo Velho, fazendo todo o cuidado aos vidros da Milinha Modista, mas podia ser no Maracanã ou no Prater de Viena, era só pensar e escolher. Sei muito bem do que falo. E falo orgulhosamente por experiência própria, não sendo o único.
Albert Camus, Arthur Conan Doyle, Karol Wojtyla, o papa João Paulo II, que foi eleito santo, Che Guevara, Julio Iglesias e Luís Marques Mendes tentaram ser ou foram mesmo guarda-redes. Do Luisinho lembro-me eu muito bem, nas camadas jovens da nossa AD Fafe, que agora tem uma extraordinária SAD que parece que vai para Felgueiras, suponho que na velha carreira, ida e volta todos os dias, como faziam antigamente as pessoas sérias, isto é, as pessoas que têm só uma família e trabalham...
Sobre guarda-redes, percebia muito o David Alves, como sabia também da vida. E eu já aqui contei. E também já passei a limpo duas ou três definitivas ideias que concatenei sobre a problemática guarda-redística e suas derivadas e concomitantes subjacências. Embora, não é para me gabar, eu seja geralmente brilhante, admito que duas das melhores definições sobre o guarda-redes terão sido elaboradas pelos escritores Eduardo Galeano e Nelson Rodrigues. "Carrega nas costas o número 1. Primeiro a receber, primeiro a pagar. O goleiro sempre tem a culpa. E, se não tem, paga do mesmo jeito", sentenciou o uruguaio. Já o brasileiro Nelson Rodrigues afirmou um dia - "Amigos, eis a verdade eterna do futebol: o único responsável é o goleiro, ao passo que os outros, todos os outros, são uns irresponsáveis natos e hereditários."
Por mim, o que continua a interessar-se no ofício de guarda-redes é tentar perceber esse mistério do homem que entra em campo como "guardião", sim, chamam-lhe guardião, e sai do campo como "frangueiro", sim, chamam-lhe frangueiro, ao ex-guardião. Frangueiro e filho da.

Eu não dei para nada, nem para guarda-redes. Fui sempre uma nódoa, futebolisticamente falando, desportivamente falando. Mas sei muito bem de quem tinha jeito para tudo, era só chamá-lo, dar-lhe a experimentar, fosse o que fosse, e ele, pimba, era imediatamente um sucesso. Sem ir mais longe, chamo aqui, a esse propósito, o testemunho parceiro de Francisco Assis Pacheco, nas suas "Memórias de Um Craque". E ele conta assim:

De como fiz a minha iniciação desportiva, hesitando entre a arte de guarda-redes e a de pedróbolo da quinta do Lopes

O Eusébio marca livres de 30 metros, o Artur Jorge chuta em moinho, o Dinis faz fintas à bandeirola de canto, mas eu fui o maior craque da Rua Guerra Junqueiro e está para nascer um sucessor digno desse título.
A Rua Guerra Junqueira continua no mesmo sítio, isto é, em Coimbra, capital da Beira Litoral, e creio que já de nascença tinha o quintal do Luís Marques (12x2,5m) com a parede do prédio à esquerda de quem desce as escadas e um muro infelizmente não muito alto à direita, que era por onde galgávamos para o quintal do Lopes à procura da chincha. Uma tarde, estava o craque nos cinco anos, ouviu-se a frase entre todas decisiva:
"E se o miúdo jogasse à baliza?"

Vi-me subitamente presenteado com um boné e dois lenços de assoar para as joelheiras. A maltózia era mais velha, nove, dez anos, e num relance percebi que o meu futuro desportivo, assaz brilhante nas épocas seguintes, poderia nem sequer começar. Ora como isto de futebóis mais vale um mergulho para o fotógrafo do que dois meses no banco dos suplentes, o craque enfiou o boné bem enfiado na tola, arreganhou o pior dos sorrisos (grr!) e dispôs-se a gravar o nome completo sobre o cimento do quintal. É claro que a minha equipa ganhou: nem seria nunca de outro modo, pois logo à pri­meira investida do Tó Mané Magalhães esfola gatos mata cães fui­-me a ele, encostei delicadamente a biqueira do sapato esquerdo ao tornozelo do artista, fiz força (uma força "do catarino", como então se dizia) e apliquei-lhe o acelerador com algumas ganas e sobeja intenção de brilhar. O Tó Mané desandou para as escadas agar­rado ao tornozelo. Perguntaram-lhe se queria que trouxessem a bilha de água.
"Quero, pois", urrou. "Quero a bilha e quero um calhau pra partir os focinhos a esse gajo do cento e dezoito!"
Nessa tarde, afora o incidente relatado supra, correu tudo à me­dida dos meus mais veementes desejos: cinco defesas em reboleta, três por cima das sardinheiras, enfim um penáltie socado por cima do muro que ainda estou a ver o Luís Marques muito chagado ex­plicando-me assim:
"Vais lá tu que é pr'aprenderes a não armar ao Barrigana, òviste?" Fui, sim senhor, e deliciado. Daí a pouco terminava o prélio: vi­tória dos Portas Pares, um convite ad aeternum para aparecer sempre que entendesse. Durante mais de sete anos não faltei ao compro­misso.

Como depois da jogatana era preciso secar as camisas, Luís Marques e seus muchachos costumavam trespassar-se até ao quin­tal do Lopes e entreter os derradeiros ócios antes da sopa da noite com um exercício de arremesso. Destarte me tornei o mais artilheiro dos pedróbolos da rua, com um saldo de catorze gatos só na semana de estreia. Quando ouço contar que o Zsivotzky lança o martelo a - setenta metros e tal, batendo com isso os máximos reconhecidos e a reconhecer, debruço-me na janela da Travessa do Patrocínio e,

deitando a bia fora, ponho-me a pensar em quanto é cruel o mundo dos homens. Um recordista mundial que não dá nem uma calhoada num gato - então isto chama-se pontaria?

E o 25 de Abril?

- E o 25 de Abril?
- Está feito.
- E agora?
- Só para o ano...

segunda-feira, 24 de abril de 2023

A papelada mandava-se para baixo

A minha mulher meteu os papéis para a reforma nos finais do ano passado. Isto é, mandou a papelada para baixo, como se dizia antigamente em Fafe e quem tratava do assunto era o Sr. Armindo Bristol, pai do Armindo Cinco-Coroas, príncipes do velho Picotalho e gente do melhor que possa haver no mundo inteiro. O Sr. Armindo pai, homem letrado e bom, vestia fato e sobretudo e despachava na mesa do tasco muito limpa e organizada em envelopes, folhas de papel de 25 linhas, folhas de papel selado, cédulas pessoais, bilhetes de identidade, cartões da Caixa, recibos, atestados médicos, provas de vida, recomendações do presidente da Junta, do regedor e do bufo da Pide, a bênção do senhor abade, selos dos Correios e estampilhas fiscais, uma caneca de verde tinto e quero crer que escrevia com caneta de tinta permanente. O Sr. Armindo, figura excelentíssima que um dia espero contar melhor, passou uma porrada de anos no sanatório e foi lá que se formou em burocracia e ajuda aos outros. Quando tornou a casa, salvou o resto das vidas de milhares de fafenses desinformados, abandonados, assustados e analfabetos. Serviço prestado a troco de um quartilho, por um punhado de moedas ou por uma nota de vinte, consoante as posses dos desgraçados requerentes e da previsão da tença a haver, ou então por nada, apenas por um obrigado, um Deus lhe pague, uma mãozada, ficamos assim e não se fala mais nisso, porque na nossa terra, naquele tempo, abundava quem não tivesse dinheiro sequer para assobiar em cuecas, e o Sr. Armindo sabia disso e fazia caso.
Mas nós, a minha mulher e eu, antes que me perca outra vez. Como ia dizendo, ela meteu os papéis, estava tudo certo, e em Janeiro ficou livre. Eu, como muito bem sabe quem me conhece mais ou menos, estou praticamente reformado desde que nasci, e livre sempre. Libertos os dois, podemos enfim realizar todos os sonhos de duas vidas inteiras que são só uma e vai a meio. Organizámos logo a primeira semana do ano, não sei se se lembram, chamando-lhe, muito originalmente, "a primeira semana do resto das nossas vidas". Agendámos viagens a Nova Iorque, a Londres e a Paris. Aos Himalaias e aos Apalaches. E à Conga, na portuense Rua do Bonjardim, para comermos duas ou três bifanas e talvez também uma codorniz. Isto só para a primeira semana. Mas, como igualmente admitíamos, o tempo não chega para tudo, e portanto que se segue? Entramos hoje na décima sétima semana do resto das nossas vidas, fomos um par de vezes à Conga, de metro para lá e de autocarro para cá, e por acaso também tem sido porreiro.

O camião do PS e o Mini de Narciso

Foto Hernâni Von Doellinger

O camião do PS acaba de instalar-se ali em baixo, junto à praia, na marginal de Matosinhos. Enquanto o avantajado veículo se acomodava, chegou imediatamente Narciso Miranda no seu Mini, estacionando do outro lado da rua, mesmo em frente ao estendal socialista, e gozando o panorama. Achei um piadão à premeditada coincidência, e o Narciso também, que me deu troco ao sorriso quando me viu a tirar a máquina fotográfica da mochila. Ele sabe que eu sei que ele é um incorrigível provocador, um pândego, um benévolo emplastro que aqui nas redondezas aparece quase sempre onde o PS monta banca, e se meter António Costa então é que é ferrinho, agora não de palanque mas de varanda ou esplanada - como se tivesse sido convidado, mas já não é: Narciso Miranda foi expulso do partido no tempo de José Sócrates, o que, para anedota, também não está nada mal. Narciso Miranda é o homem a quem o PS tudo deve em Matosinhos, ele andou literalmente com o partido às costas aqui e pelo país inteiro, ele presidiu durante quase trinta anos à Câmara socialista, mas que era repetidamente socialista exclusivamente por causa dele. E fez obra. E ela está à vista, goste-se ou não. Agora o PS e Narciso estão desavindos. Fica a perder o PS.
Dentro do camião parece que estão os cinquenta anos de história do PS. Narciso Miranda faz parte, queiram ou não, tem um lugar de destaque e por direito próprio nessa história. Ou talvez não seja nada disto. Se calhar o partido tirou-o dos retratos e rasurou-lhe o nome sem sequer uma missa de sétimo dia, à boa maneira estalinista. Eu não ficaria admirado, mas não vou lá ver para tirar a limpo...

domingo, 23 de abril de 2023

O Animal do Laboratório

O Silveira trabalhava no ramo da pesquisa e dos testes científicos. Quer-se dizer: era cientista, investigador, passava a vida enfiado na bata branca e em ensaios. Um génio, praticamente. E, rodeado de mulheres às vezes moças, gostava muito de levar a conversa para o picante e de meter a mãozinha onde ela não era chamada. Era conhecido, inter pares, como o Animal do Laboratório, mas essa parte ele não sabia.

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Animal de Laboratório. No Brasil.

Breakfast at Anémona's

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 21 de abril de 2023

A mim ninguém me leva!

Quem, por precisar, frequenta regularmente oftalmologistas, optometristas e oculistas, sabe muito bem do que eu vou falar. Os óculos. Os óculos estão pela hora da morte. Um par de óculos de apenas razoável qualidade, fiável assim-assim, de linhas mais ou menos actualizadas, custa-nos os olhos da cara. O que se paga por um par de óculos dá para comprar um carro em segunda mão. Ou, em alguns casos, até dois carros em segunda mão. E foi o que eu fiz: mandei foder os óculos, que a mim ninguém me leva, peguei no dinheiro que lhes tinha destinado e adquiri pela internet uma viatura "em razoável estado de conservação e óptimo consumo". Fiquei muito bem servido. Por outro lado, não sei conduzir, o automóvel nem sequer pega e eu praticamente não vejo...

Mando-te um beijo. E vai de barco...

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 19 de abril de 2023

O diplomata

Hoje é Dia do Diplomata. No Brasil. O diplomata é, por definição, um homem reservado e de fino trato, um indivíduo circunspecto, grave, cortês, cauteloso, prudente, ponderado, sensato, distinto, elegante, delicado, conciliador. "Ser diplomata é discordar sem ser discordante", sentenciou um dia Millôr Fernandes. E, a este propósito, vem-me à cabeça o nome do embaixador aposentado Seixas da Costa, antigo secretário de Estado em dois governos do socialista António Guterres, quase quatro décadas de altos serviços diplomáticos, em Oslo, em Luanda, em Londres, em Brasília e em Paris, representante permanente de Portugal junto das Nações Unidas, da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, da Unesco e da União Latina. Francisco Seixas da Costa, oficial da Ordem do Infante D. Henrique, cavaleiro da Ordem Militar de Cristo, grande-oficial da Ordem de Mérito, grã-cruz da Ordem Militar de Cristo e com mais uma carrada de condecorações do Reino Unido, Espanha, França, Bélgica, Polónia, Grécia, Roménia, Noruega e Brasil, Francisco Seixas da Costa, dizia eu, que, comentador encartado de mundo e de mundos, escrevendo no Twitter sobre o que realmente interessa à Humanidade, chamou "javardo" a Sérgio Conceição, treinador da equipa principal de futebol do FC Porto. "Javardo", isso. E foi levado a tribunal. E foi condenado. O diplomata.

O madrugador

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 14 de abril de 2023

Os melhores amigos do cão

Foto Hernâni Von Doellinger

Quando a costela tem osso

O Dias fazia anos. E foi celebrar ao famoso restaurante. O Dias mais a namorada, e digo que era namorada porque a senhora fartava-se de chamar "mor" ao Dias e se lhe fosse esposa chamar-lhe-ia outra coisa, isso tirava-se pela pinta. O Dias mais a namorada, portanto, apadrinhados por outros dois casais amigos e cúmplices, percebia-se, de velhas aventuras pelo menos gastronómicas. Um belo grupo: seis convivas praticamente vetustos mas, é preciso que se note, em razoável estado de conservação. O Dias fazia certamente 75 anos porque não se cansava de dizer que fazia 57 e bastava olhar para ele para se catrapiscar logo a pilhéria. Imagino o forrobodó que não terá sido quando ele fez 69! O Dias vestia um impecável casaco vermelho amaranto sobremaneira alusivo à efeméride e absolutamente adequado caso, nunca se sabe, fosse necessário por exemplo dar uma mãozinha ao serviço.
O Dias é que mandava, e mandava muito alto, porque ele, avisou, é que ia pagar. Mandou vir Alvarinho, "para começar", e encomendou três doses de bacalhau assado. Fez muito bem. Aquele restaurante prepara, de facto, o melhor bacalhau assado na brasa do mundo. Vieram duas travessas: uma, enorme, com duas doses, e outra, normal, com a outra dose, tudo ao mesmo tempo. Informa-se, a propósito, que uma dose de bacalhau dá para duas pessoas que comam muito e ainda cresce. Que se segue? Comeu-se e bebeu-se ali com considerável galhardia, que apetite não faltava, graças a Deus, àqueles seis. A travessa grande ficou vazia, na travessa normal sobrou uma lasca mínima de bacalhau, da parte mais fina. 
Passou o proprietário do estabelecimento, o Sr. A., na sua sacramental ronda por todas as mesas, e, à vista de semelhante limpeza, perguntou, como sempre faz questão de perguntar, satisfeito e simpático: - O bacalhauzinho estava bom?...
Que sim. "Excelente!", "Uma maravilha!", "Não podia estar melhor!", "Fantástico!", "Divinal!" - disseram todos à uma mas cada um à sua. Todos, menos a namorada do Dias, que se batera ferozmente com a dose singela e pediu licença para falar à parte, perante o evidente embaraço e os maldisfarçados safanões dos outros cinco, inclusive o Dias, que a mandava calar, mas sem efeito.
- Eu sou pelo direito! - começou ela. - Eu não digo o que não é, só para agradar, e o meu bacalhau estava deslavado, desenxabido... - sentenciou.
O Sr. A. encaixou, pediu desculpa, explicou, que isto, com as toneladas de bacalhau que ali se demolham semanalmente, às vezes pode acontecer, porque o bacalhau é um material muito ingrato de trabalhar, só na mesa é que se lhe pode tirar a prova dos noves, mas tudo se resolve e ia mandar servir uma nova posta, oferta da casa, e não se fala mais nisso.
Que não. Que não era preciso, que estava tudo muito bem, ela é que tem a mania, atiraram os outros, manifestamente envergonhados. Mas o Sr. A. insistia. E eles, que não. E o Sr. A., que sim. E eles, que não. Que sim. Que não. Que sim. Até que o Dias, reassumindo corajosamente o controlo da mesa e da situação, sugeriu, como quem faz um favor à casa, que só se fosse uma dose de costelinha, em vez da posta de bacalhau...
E sugeriu muito bem. Porque aquele restaurante prepara também, de facto, as melhores costelas assadas na brasa do mundo. E de borla, então nem se fala. Pois vieram as costelinhas, desapareceram num lampo, as batatas fritas também, e toda a gente acabou lambendo os beiços. Toda a gente menos a namorada do Dias, que continuava inconsolada, lamentosa, protestando agora derivado aos ossos. Isso, as costelas tinham ossos, e ela não podia deixar passar em claro uma coisa assim.

Ó solo mio

Dizia o famoso guitarrista: - Mais vale solo do que mal acompanhado...

P.S. - No Brasil, hoje é Dia Nacional da Conservação do Solo. Do outro...

O maneirismo

O maneirismo desponta na Europa em meados do século XVI e logo começa a ser criticado. A homofobia é, com efeito, uma doença muito antiga.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Arte.

Como gente grande

O trabalho infantil é uma tragédia, uma vergonha, sobretudo se a criança ajudar no campo os pais pobres e lerdos para haver alguma comida à mesa. Pão, por exemplo.
O trabalho infantil é muito bem, um orgulho, principalmente se a criança entrar numa telenovela ou se for modelo de moda ou se for imitador de cantores adultos e der na televisão (esta parte da televisão é importantíssima!), enriquecendo os pais remediados e vaidosos.
Depois há ainda as crianças, estas são do piorio, que, órfãs de tudo e até de tecto, fazem sapatilhas de marca para os pés das entrevistadoras e dos entrevistadores da televisão que entrevistam as crianças que entram nas telenovelas e nas passarelas e nas cantigas e para os babados pais, que no fim pedem recibo de viagem e presença para descontar no IRS.
Parece que a diferença está nisto, segundo percebi uma vez no programa Sociedade Recreativa da RTP e já aqui contei: os miúdos das telenovelas e da moda e do cançonetismo têm "agente". Os moncosos do campo, das fábricas, da rua, não.

E sabem que mais? Portugal aprovou o primeiro regulamento do trabalho de menores em estabelecimentos fabris no dia 14 de Abril de 1891. Sim, do trabalho de crianças nas fábricas. E acredito que tenha sido um grande avanço civilizacional...

quarta-feira, 12 de abril de 2023

Profissão: jovem!

Juventude é, basicamente, o período que vai da infância à maturidade. É a puberdade, a adolescência. Um tempo de aprendizagem e de formação de carácter. É-se jovem, grosso modo, entre os 15 e os 24 anos. Este é o entendimento geral. As excepções são, curiosamente, as organizações "juvenis", nomeadamente as jotas partidárias, geralmente governadas por matulões e matulonas bem acima dos trinta anos e que fazem da mocidade um cómodo e lucrativo modo de vida.

P.S. - Hoje é Dia do Jovem. No Brasil.

O office-boy

No tempo em que havia trolhas em Portugal, os trolhas tinham um moço. Para além de levarem umas valentes e educativas chapadas para aprenderem nunca se soube bem o quê, os moços faziam recados:
- Moço, traz a massa!
- Moço, vai ao tasco!
- Moço, cata-me os chatos!
- Moço, toma conta se o mestre vem!
- Moço, anda cá que já vais treinar!
- Moço, agarra-me este peido e põe-mo a corar!
Era assim naquele tempo. Hoje os trolhas chamam-se pintores de construção civil, como se trolha fosse defeito. Não sei.

P.S. - Hoje é Dia do Office-Boy. No Brasil, evidentemente.

Colecção Primavera-Verão

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 7 de abril de 2023

O dorsal

Foto Hernâni Von Doellinger

O dorsal chama-se dorsal porque é para usar ao peito - ou, vá lá, na barriga. Se fosse para usar nas costas, isto é, no dorso, chamar-se-ia peitoral.

O dia deles

Hoje é Dia Internacional do Cigano ou Dia Internacional dos Ciganos ou, mais manso ainda, Dia Internacional das Pessoas Ciganas. E creio que é assim que se começa a discriminar. Dando-lhes um dia à parte. Um dia só para eles. Nós, é outra coisa...

Você tem-me cavalgado, seu safado!

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Um pé assim e outro assado

Ele tinha um pé de laranja lima. O outro era normal, perfeitinho graças a Deus: cinco dedos, tarso e metatarso, planta ou sola, peito ou dorso, calcanhar e tornozelo, num total de 26 ossos em razoável estado de conservação.

Dupla penetração

Ele tinha 51 anos quando, pela primeira vez, foi clinicamente submetido ao famigerado toque rectal. Nesse mesmo dia soube também que ia perder o emprego. Somou um mais um e pensou: - Então é a isto que eles chamam dupla penetração...

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Saúde.

Mobiliário urbano (propriamente dito) 244

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Levantadores de dorsais

Com a minha mulher aposentada de fresco e eu praticamente, resolvemos enfim dar um pouco mais de atenção à actividade física. Desde o princípio do ano que nos inscrevemos em todas as maratonas, meias-maratonas e outras corridas temáticas ou genéricas aqui da região, às vezes mais do que uma no mesmo dia, consoante a variedade dos horários. Vamos lá, cumprimentamos o pessoal, levantamos os dorsais e voltamos para casa. De carro.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Actividade Física e Dia Internacional do Desporto ao Serviço do Desenvolvimento e da Paz.

A missa, aos domingos de manhã

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 4 de abril de 2023

Fazendo tijolo

O meu amigo brasileiro tinha um humor negro, muito negro. Ele dizia: - Hoje é Dia dos Fabricantes de Materiais de Construção ou, vá lá, Dia dos Fiéis Defuntos...

P.S. - Agora a sério: hoje, no Brasil, é mesmo Dia dos Fabricantes de Materiais de Construção.

Pessoas estranhas e assim

E há aquele aviso, aquele pendurado nas vedações dos estaleiros de obras. Um aviso cheio de segurança, com capacete e botas de biqueira de aço, nem percebo como é que os trabalhadores morrem todos os dias como tordos. E diz assim a tabuleta: "Proibida a entrada a pessoas estranhas". Na verdade costuma dizer "Proíbida", com acento analfabeto e teimoso no primeiro i, mas a pentelhice gramatical não é para aqui chamada. A questão é: pessoas estranhas!? Vamos lá definir. Homens com três braços e apenas um testículo, será? Mulheres com duas cabeças e sentença nenhuma? Eduardo Cabrita? José Castelo-Branco? Velhos reformados com as mãos atrás das costas? Extraterrestres manetas em trânsito para Las Vegas? Cavaco Silva? Um escuteiro adulto? João Paulo Rebelo, boneco de ventriloquia que fazia de secretário de Estado da Juventude e do Desporto? Putin e seus oligarcas russos? Comunistas portugueses? Portistas satisfeitos? José Sócrates? José "Joe" Berardo? Os bispos portugueses? Lá está: pessoas estranhas.
Dá-me para pensar cada uma...

De mãos atrás das costas

Chegou aos 65 anos e reformou-se. Tirou o passe de terceira idade, comprou um capacete, um par de botas de biqueira de aço e um colete reflector, pôs as mãos atrás das costas e foi para as obras mandar palpites.

Aqui que ninguém nos ouve...

Foto Hernâni Von Doellinger

Nem ratas nem ratos. Rates, como em Fafe...

O Rates vendia ratoeiras para ratos. Também vendia foguetes, rabichas, estalinhos, caretas, calçadeiras, fio do Norte, lixa, colchetes, gaiolas para grilos, anzóis e sedielas, chapéus de palha, palha de aço fina e grossa, galochas, velas, DDT, solarine, vassouras, lousas e lápis de ardósia, coadores, funis, navalhas, agulhas para desentupir máquinas a petróleo, e pelo menos um exemplar de todas as bugigangas e quinquilharias alguma vez inventadas no mundo inteiro, com ou sem serventia, tudo aparentemente ao monte porém segundo uma ordem que ele lá sabia, mas eu, na minha ideia de miúdo, achava era um piadão àquilo de o Rates vender ratoeiras para ratos. Para além disso, o Rates vendia rolhas. E já sabem: as palavras sempre me interessaram muito, e essa mania tola, que eu tanto estimo, felizmente não me larga.
Ora bem: hoje é Dia Mundial do Rato ou Dia Internacional da Ratazana Doméstica. Curiosamente, sendo hoje Dia do Rato, é também Dia da NATO, mas convém não confundir. Lembrei-me portanto do Rates, que era uma verdadeira instituição fafense, ali à beira de outras duas não menos notáveis instituições fafenses, o Marinho e o Miranda das famosas pataniscas, memórias infelizmente perdidas, parece que esquecidas de propósito numa praça agora em construção, sem árvores mas com polémica pelo menos da boca para fora. Creio que o sítio vai chamar-se, depois de pronto, Praça da Justiça. Seja feita.

Mas vergonha de quê? Devíamos era ter orgulho do nosso passado tasqueiro e similar. Fafe daquele tempo era muito avançado, não pensem o contrário. Era até muito à frente, tomara Fafe de agora! Reparem que, com mais de cinquenta anos de avanço em relação à guerra de sexos e de géneros que aí vai e à disfunção gramatical entre masculinos e femininos e assim-assim que nos arrelia as meninges, nós já praticávamos a solução redentora e neutral hoje em dia advogada pelas mentes brilhantes do politicamente correcto. Nem ratos nem ratas. Rates é que era! Rates, e tínhamos pelos menos dois: o das ratoeiras propriamente dito e o da bola, que era outro espectáculo!...

sábado, 1 de abril de 2023

Os dias do engano

Parecendo que não, hoje é Dia dos Enganos, como antigamente se chamava em Fafe ao Dia das Mentiras. Mas é assim: com isto da política e da guerra, da TAP e do Alojamento Local, das redes sociais, dos jornais e das televisões sensacionalistas, que são todos e todas, a mentira foi sorrateiramente metida a cotio, normalizada, e agora todos os dias são dia das mentiras, embora se chamem fake news para não darem muito nas vistas. Resultado: com tanta mentira e tanto mentiroso, quase passa despercebida a velhinha efeméride residente do primeiro de Abril. Mas querem saber?
Fafe daquele tempo celebrava entusiasticamente datas assim importantes, como o Dia dos Enganos. Datas patrióticas e etnográficas, civilizacionais. Havia respeito pela História e pela tradição. Brincavam-se brincadeiras educativas, nacionalistas e saudáveis, muito bem aprendidas, éramos a mocidade que passa...
Pregavam-se partidas tão engraçadas! No Dia dos Enganos saíamos para a rua, ali no nosso Santo Velho, estrategicamente colocados entre os tascos do Paredes e do Zé Manco, e dizíamos a quem passava: - Ó senhor, olhe o que lhe caiu!...
E o senhor, que podia muito bem ser uma senhora, mas geralmente era um moço ou uma rapariga mais ou menos da nossa idade, o senhor respondia, rimando: - Foi um peido que me fugiu...
Quer-se dizer: olhe o que lhe caiu - foi um peido que me fugiu. Estão a ver a piada? Estão a ver a categoria? Aquilo é que era, antigamente! Era assim todos os anos, à esquina, que bem que passávamos o Dia dos Enganos! Era de rir. Ríamo-nos muito com divertimentos assim de peidos, biológicos ou sintéticos, ali no nosso cantinho, para que é que precisávamos de brinquedos e de mundo?
Para além disso, tínhamos a velha nota de vinte escudos largada no passeio como que perdida e presa por uma invisível sediela que, escondidos, puxávamos repentinamente e às prestações mal algum transeunte ensaiava o gesto para apanhá-la, em frente à porta envidraçada do novíssimo Café Chinês. Ele a baixar-se e a nota a fugir-lhe à frente dos pés, parava, a baixar-se outra vez e ela a fugir-lhe outra vez, aos saltinhos, como se fosse viva, e outra vez, e outra vez, como num filme do Charlot ou do Pamplinas mas ao vivo e a cores. Ai, era realmente de rir! Claro que também era um risco: os vinte paus deviam ser devolvidos a casa, de onde alguém os desencaminhara como quem não quer a coisa, e às vezes nunca se sabe. Vinte escudos era a nota mais pequena e significavam muito dinheiro para quem não tinha nada. Vintes escudos desaparecidos eram como hoje um desfalque de milhões, davam para muito pão, havia fome e a pobreza morava com a gente.
Era de rir, sim senhor. Bons tempos, coisas bonitas. E ainda há quem diga mal do fascismo...