Ele nunca brincava em serviço. O que, para um palhaço de circo, era talvez contraproducente.
P.S. - Hoje, 1 de Abril, é Dia Internacional da Diversão no Trabalho.
Ele nunca brincava em serviço. O que, para um palhaço de circo, era talvez contraproducente.
P.S. - Hoje, 1 de Abril, é Dia Internacional da Diversão no Trabalho.
Parece que não, mas hoje é Dia dos Enganos. Dia das Mentiras. Com isto da política, das redes sociais, dos jornais à rasca e das televisões sensacionalistas, que são todas, todos os dias são dia das mentiras, que agora se dizem em estrangeiro fake news, e quase passa despercebida a velhinha efeméride residente do primeiro de Abril.
- O senhor é um bocado mentiroso, não é?
- Minto com quantos dentes tenho...
- E são assim tantos?...
"Eu morra aqui se não é verdade", disse. E morreu. E era verdade. A vida às vezes parece parva...
Na política não há mentirosos. Há inverdadeiros. Porque os políticos não dizem mentiras - declaram inverdades. Porque os políticos não mentem - faltam à verdade. Mas justificam a falta. Porque, na política, a verdade é alternativa tal qual a corrente pode ser alternada. Porque na política moderna há narrativas e há desenhos, quer-se dizer: há ficção, fingimento, dissimulação, invenção, sugestão, engodo, engano. Mentira, não.
Se fosse hoje, Jesus Cristo não teria morrido. E nós íamos todos para o inferno.
As viagens de casa para o desemprego e do desemprego para casa custavam-lhes os olhos da cara. Organizaram-se. Agora vão de vaquinha. Para e do desemprego.
Bisbarra desta dor
Quixen coller do vento o salgadío pulo
da flor brillante i-o arelar que fire.
O noitébrego xeo das derrotas.
Os saregos do saibo dos meus beixos,
e a beleza das praias relembradas.
Voráxes do meu tempo e luces nídias
voltarían cal dornas fuxitivas
de ribeiras que alongan ó infinito.
Detrás dun mar lonxíncuo de soidades
ateime contra o gris agraz de nube
coa opulencia marela das mimosas,
os abrochos e os érvedos. O luxo
primaveral de herbiñas e camelias.
vou na bisbarra desta dor chegando
ata un destempo alto e repetido
nas longas estacións que tece o invemo.
"A Música dos Tempos", Pura Vázquez
(Pura Vázquez nasceu no dia 31 de Março de 1918. Morreu em 2006.)
Era realmente uma pessoa com um feitio difícil. Tinha um problema com o álcool. E outro com o betadine.
Foi má ideia aquele letreiro à porta do consultório - "Proibida a entrada de animais". Era um veterinário...
P.S. - A Escola de Medicina Veterinária foi criada no dia 29 de Março de 1830.
É veterinário porque gosta muito de animais. Coelhos, perdizes, tordos, javalis e sobretudo toiros. E só lamenta que em Portugal não sejam de morte.
Tinha macaquinhos no sótão. Denunciado pela vizinha, foi detido e preso. Os animais, após vistoria veterinária, seguiram para o jardim zoológico.
Os centros históricos são como os chapéus: há muitos. Ljubinko Drulovic que o diga e Mário Jardel que agradeça. Mas calcanhar de Madjer só houve um. O resto são imitações.
P.S. - Hoje, 28 de Março, é Dia Nacional dos Centros Históricos.
O amor nas escadas do metro
De quem é o braço?
E os cabelos sujos, roídos pela caspa
e falta de água?
E a perna que enlanguesce sob o tecido ruço
que não retém memória?
Meu deus, dirão os velhos ao descer com vagares
as escadas do metro, a mocidade agora
é sexo só e sujo a rolar pelo chão.
Mas quem deita o olhar com mais ternura
e calma
sobre o novelo dos dois
descobre no ar em volta a tessitura tensa
do desejo, um halo amarrotado pela fugaz curvatura
do sonho.
E na lama pérfida que se sobrepõe aos beijos
a parábola fiel às gerações
da terra.
Forçoso será então que caia a chuva,
e cubra a carne sôfrega
exposta à multidão.
Os solitários amaldiçoam toda a inocência
exibida em degraus, caída de bocas tão imundas,
tão perto do inferno
e do êxtase.
O amor pode ser também dalguns que passam
de olhos feridos,
o coração apertado de sangue
e breve compaixão.
Mas só os dois, ali, enleados na energia da alma,
são um palco da alegria do mundo,
gratuito,
à distância da morte e da sua serpente
circular.
São jovens, e estão a soletrar
tão mansos, o horror apreendido pelas bocas
que despontam,
como a planta se eleva do chão endurecido,
como o animal à luz no limiar do medo.
Os dois, ali, expectantes, transparentes, nus,
na natureza de sempre.
(Armando Silva Carvalho nasceu no dia 28 de Março de 1938. Morreu em 2017.)
O francês Jean-Baptiste Poquelin inventou as famosas pancadas de Jean-Baptiste Poquelin, as quais, secas e consecutivas, batidas no piso do palco, anunciavam ao público o início de um espectáculo teatral. Alguém alvitrou, no entanto, que chamar pancadas de Jean-Baptiste Poquelin às pancadas de Jean-Baptiste Poquelin não tinha jeito nenhum, até soava mal ao ouvido, e que chamar-lhes, por exemplo, pancadas de Molière seria muito mais engraçado. Tinha razão o perspicaz alvitrador. As pancadas mudaram então o nome para Molière e Jean-Baptiste Poquelin também. Assim se passaram as coisas.
P.S. - Hoje, 27 de Março, é Dia Mundial do Teatro. No Brasil é também Dia do Circo.
Transpôs a porta sagrada, procurou instintivamente à direita a piazinha de água-benta que não encontrou, genuflexou e benzeu-se num silêncio e num respeito que só vistos, caminhou lentamente até à estante, no mais profundo recolhimento, pegou no livro como quem pega em asa de borboleta ferida, afagou-o, ao livro, abriu-o como que a medo, em ângulo recto não mais, folheou-o sem destino mas com mil cuidados, contemplativo, num deleite adivinhatório de santidade gozosa. Tinha acabado de entrar numa livraria.
Entro no metro. Viagem curta, de Matosinhos Sul até à Senhora da Hora, apenas quinze minutos e mudança de linha para Vila do Conde. Sento-me num daqueles bancos frente com frente, éramos quatro, dois de cada lado e, se fosse futebol, a bola seria redonda. Ninguém conhecia ninguém. Os dois rapazes e a rapariga, os três mais para os trinta do que para os vinte, cabeças para baixo e graves, rapam dos bolsos os respectivos telemóveis como se se conhecessem de outras encarnações e estivessem combinados, e jogam, ela, e mensajam, eles, automaticamente, ignorantes uns dos outros, numa simbiose perfeita. Eu vou à mochila e tiro o livro. "Kafka à Beira-Mar", de Haruki Murakami. Pensei: é o que diz a minha mãe - sempre a destoar, eu.
Ofereceram-me um livro. "É a tua cara", disseram-me. O livro resumia-se a uma fotografia. E era realmente a minha cara.
Queixei-me. Do meu irmão. Que me ofereceu um livro com oitocentas e noventa e cinco páginas. E escrevi: "É a prova que faltava. Aquele gajo não me grama..."
Foi
pelos meus anos. Agora pelo Natal o meu irmão ofereceu-me, do mesmo
autor, um livro com 362 páginas. Francamente, senti-me desconsiderado. É
um bocadinho como - e a literatura que me perdoe - passar de cavalo
para burro. Eu estava à espera de um livro com pelo menos duas mil
setecentas e trinta e oito páginas e sai-me isto. Esta como hei-de
dizer, este digamos assim, este... opúsculo!
Realmente. Aquele gajo não me grama...
O homem caminhava vagarosamente ao lado da mulher. Curvado pelo peso de,
fiz as contas, setenta e tantos anos bem medidos, caminhava ainda assim
com uma dignidade evidente. O homem velho, de casaco e digno, pé ante
pé até ao café de praia e ao milagre do sol-pôr, levava as mãos atrás
das costas. E nas mãos, reparei, um livrinho da Colecção Vampiro, a antiga: "O
Imenso Adeus", de Raymond Chandler.
Caramba!, és cá dos meus - pensei. E apeteceu-me dar-lhe um abraço...
Quando me dizem que a greve na CP "vai perturbar comboios" eu acho mal e, palavra de honra, fico com pena. Dos comboios.
Fafe, algures pelos finais da década de sessenta do século passado. Na
sala de aula da agora desaparecida Escola da Feira Velha, no meio da
parede, por cima do quadro negro, um Cristo crucificado. Carmona à
direita da cruz, Salazar ironicamente à esquerda. Eu, que naquela altura já tinha
umas luzes bíblicas, nunca percebi qual destes dois era o bom ladrão...
P.S. - Publicado originalmente no dia 26 de Julho de 2018. No dia 25 de Março de 1928 o general Óscar Carmona foi eleito presidente da
República. Era candidato único. A oposição estava proibida. Curiosamente, o dia 25 de Março é dedicado pela Igreja Católica a São Dimas, o bom
ladrão.
Era um escanção com um paladar e um olfacto apuradíssimos, premiados. Até adivinhava o detergente de lavar os copos...
P.S. - Hoje, 24 de Março, é Dia do Escanção.
Dentro do seu corazón
Vina chegar nun abrente,
envolveita na alborada
e de roibéns coroada
a neve da súa frente;
no fulgor tremelucente
dun colar de pedraría
o milagre relucía
da belida face, como
cando Deus abriu o gromo
de lus do primeiro día.
Vina chegar no tesouro
mergullada da fervenza
que o seu cabelo destrenza
nunha fumarada de ouro;
presa nun ensoño louro
xermolando na paixón
e a cabalgar na ilusión
voadora dun salaio,
tiña máis gromos que maio
dentro do seu corazón.
Vina cruzar pola vía
frorida da mocedade,
vestida coa maxestade
escentilante do día;
o seu ollar refulxía
no zénit; con emozón
desfóllase unha canzón
e ao compás dos seus rumores
abalan logradas frores
dentro do seu corazón.
Vina ir pola vereda
melancónica da tarde;
na súa cabeza arde
vermella cofia de seda,
lourido o solpor enreda
coas xoias do seu xubón
que a negra desilusión
deixa, nun xiado sono,
máis follas secas que outono
dentro do seu corazón.
Vina ir polos vieiros
da nuite, na face súa
rebrila o livor da lúa
e o bagullar dos luceiros,
enloitada de nubeiros,
desfrorando unha oración,
pola tebrosa rexión
marcha, con dorido porte,
levando o frío da morte
dentro do seu corazón.
"Decrúa", Gonzalo López Abente
(Gonzalo López Abente nasceu no dia 24 de Março de 1878. Morreu em 1963.)
- Isto é que tem estado!...
- Realmente...
- E então hoje!...
- Lá isso...
- O que é que eles dão para amanhã?
- Eu...
- Pois. Então até logo, vizinho.
- Vá pela sombra, vizinha.
É, o elevador aproxima muito as pessoas. O elevador e o boletim meteorológico.
P.S. - Hoje, 23 de Março, é Dia Mundial da Meteorologia. Por outro lado: o primeiro elevador de Elisha Graves Otis foi instalado em Nova Iorque no dia 23 de Março de 1857.
Entrou na pequena capela e persignou-se com toda a presunção. É que não havia água-benta...
- Agora é que foi a gota de água - disse o brincalhão, pousando desajeitadamente o copo vazio do seu décimo terceiro uísque. Posto isto, vomitou com assinalável pertinácia em cima do excelentíssimo público.
A água é o princípio de todas as coisas; o vinho é o fim - dizia o filósofo antigo. Um tal... um tal... um Tales de Mileto.
Era uma localidade um bocadinho estranha, porém exuberantemente moderna e cosmopolita. Nas suas principais entradas, a autarquia colocara frondosas tabuletas que avisavam os forasteiros: "Se quiser sombra, traga a sua própria árvore".
Foto Hernâni Von Doellinger |
II Soneto para Cesário
Se te encontrasse, agora, na paisagem
Nocturna dos fantasmas da cidade
Contava-te dos nossos pobres versos
No teu rasto de sombra e claridade.
Contava-te do frio que há em medir
A distância entre as mãos e as estrelas
Com lágrimas de pedra nos sapatos
E um cansaço impossível de escondê-las.
Contava-te - sei lá - desta rotina
De embalarmos a morte nas paredes
De tecermos o destino nas valetas.
De uma história de luas e de esquinas
Com retratos e flores da madrugada
A boiarem na água das sarjetas.
Dinis Machado, no blogue Aspirina B, de José do Carmo Francisco
(Dinis Machado nasceu no dia 21 de Março de 1930. Morreu em 2008.)
Hoje é Dia da Felicidade. E também da Clementina, da Adelaide, da Iracema, da Adosinda, da Felisberta, da Miquelina, da Leocádia, da Emerenciana, da Umbelina, da Hortênsia da Perpétua e assim sucessivamente. Aquele gajo tem uma agenda realmente de fazer inveja...
P.S. - Hoje, 20 de Março, é Dia Internacional da Felicidade, manda a ONU. No Brasil é também Dia da Agricultura.
Jasmina era uma mulher feliz. Fazia o que queria do marido. Em casa
mandava ela, e mandava nele também. O homem gostava assim. As vizinhas e
amigas de Jasmina - à qual, pelas costas, chamavam Felismina -
perguntavam-se, roídas de inveja: "Como é que ela consegue, como é que
ela consegue?!..."
E um dia Jasmina explicou: "Trago-o bem preso pelos tomates, um bocadinho mais acima..."
É fácil, facilíssimo. Sempre em frente até ao largo da igreja, vira à direita pela rua com árvores, passa pelo campo da bola e pela sede, torna à esquerda e logo na esquina, encostada ao café e depois do funileiro, há uma casa pequenina com porta vermelha e vasinhos floridos na janela: é aí que ela mora. Ela e os dois filhos. Cuidado com o cão!
Vou a Oliveira de Azeméis, por exemplo, e levo uma data de "Ó jovem!", geralmente debitada por pessoas de bandeja na mão e com idade para serem, vá lá, meus netos. Afino! Ai, se soubessem como eu afino!... Por outro lado: vou a Fafe, por exemplo, e as pessoas, algumas com idade para serem, vá lá, meus filhos, chamam-me "Meu rico menino!", e eu gosto. Fico feliz da vida!... Quer-se dizer: todas as terras são por exemplo, mas algumas são mais por exemplo do que outras. E neste particular, deixem-me que vos diga, Fafe é, modéstia à parte, uma terra por exemplíssimo...
Tarde fazendeira
Tarde cabocla
com banzo de pretos nas sombras,
carícias de escravas mulatas
nas palmas dos longos coqueiros.
Um rouco ribombo de bombo
nos ecos; um trilo de estrídulos grilos
nas moitas; tarde cabocla
com um sol de miçangas, de gangas vermelhas
nos flancos das serras,
com um hálito fresco de folhas pisadas, de verdes pomares
pejados de frutas-de-conde, de mangas maduras,
com aros de lua nascente nos céus e nas águas,
tarde cabocla
com vagas preguiças de redes nas ramas,
com longos bocejos de luz nas encostas,
foi numa tarde como esta
que vieram ao mundo
os mestiços da raça...
Menotti del Picchia
(Menotti del Picchia nasceu no dia 20 de Março de 1892. Morreu em 1988.)
"Não há pai para ti, meu rico filho!", dizia-lhe a mãe, cheia de orgulho e vaidade. O rapaz por acaso não apreciava...
"Nunca se sabe o dia de amanhã", dizia ele constantemente ao filho. E repetia e repetia e repetia. "Nunca se sabe o dia de amanhã". Cansado de ouvir o pai, o filho ofereceu-lhe um calendário.
O antigo guarda-redes Mário Roldão morreu hoje, aos 84 anos. As notícias dizem que Roldão representou Leixões e Vitória de Guimarães e que passou também pelo FC Porto e pelo Vila Real. Esqueceram-se do Fafe, onde Roldão chegou creio que em 1970, vindo de Guimarães com o colega Daniel Barreto, que iniciou a época como jogador-treinador. Os registos poderão ser omissos, mas eu sou testemunha.
Indução
A dúvida, afinal, esclarecida:
ela jamais se foi da minha vida.
Minha vida, sem ela, é que se foi.
"Breves e Leves Poemas", Ronaldo Cunha Lima
(Ronaldo Cunha Lima nasceu no dia 18 de Março de 1936. Morreu em 2012.)O Levantamento das Caldas, tentativa de golpe militar contra o Estado Novo caetanista, ocorreu no dia 16 de Março de 1974 e, apesar de falhado, serviu de rastilho para a Revolução de 25 de Abril. É também chamado Intentona das Caldas, Revolta das Caldas ou Golpe das Caldas - tudo nomes bem menos sugestivos e mais ajuizados. É. Deixem-se de malandrices! Levantamento e Caldas, na mesma expressão, trazem logo à conversa fradinhos malacuecos...
Foto Hernâni Von Doellinger |
P.S. - Hoje, 15 de Março, é Dia Mundial dos Direitos do Consumidor.