sexta-feira, 31 de maio de 2019
O pragmático
Mandaram-no abaixo de Braga e ele foi. Há dois anos e meio que mora em Joane, Vila Nova de Famalicão.
Sílvio Duncan 3
Experiência
As palavras te levarão
até as fronteiras do transmundo,
onde é o país da loucura.
Aí te abandonarão.
Então aguçarás os olhos
e verás o invisível.
Se tiveres medo, volta,
porque o inferno desabará
sobre ti.
Se tiveres a alma serena,
continua
e não mais verás,
viverás a própria visão
e voltarás por teus próprios pés.
"Profetas do Cimento", Sílvio Duncan
(Sílvio Duncan nasceu no dia 1 de Junho de 1922. Morreu em 1999.)
As palavras te levarão
até as fronteiras do transmundo,
onde é o país da loucura.
Aí te abandonarão.
Então aguçarás os olhos
e verás o invisível.
Se tiveres medo, volta,
porque o inferno desabará
sobre ti.
Se tiveres a alma serena,
continua
e não mais verás,
viverás a própria visão
e voltarás por teus próprios pés.
"Profetas do Cimento", Sílvio Duncan
(Sílvio Duncan nasceu no dia 1 de Junho de 1922. Morreu em 1999.)
Murilo Rubião 7
Sempre tive confiança na minha faculdade de convencer os adversários, em meio às discussões. Não sei se pela força da lógica ou se por um dom natural, a verdade é que, em vida, eu vencia qualquer disputa dependente de argumentação segura e irretorquível.
A morte não extinguira essa faculdade. E a ela os meus matadores fizeram justiça. Após curto debate, no qual expus com clareza os meus argumentos, os rapazes ficaram indecisos, sem encontrar uma saída que atendesse, a contento, às minhas razões e ao programa da noite, a exigir prosseguimento. Para tornar mais confusa a situação, sentiam a impossibilidade de dar rumo a um defunto que não perdera nenhum dos predicados geralmente atribuídos aos vivos.
Se a um deles não ocorresse uma sugestão, imediatamente aprovada, teríamos permanecido no impasse. Propunha incluir-me no grupo e, juntos, terminarmos a farra, interrompida com o meu atropelamento.
Entretanto, outro obstáculo nos conteve: as moças eram somente três, isto é, em número igual ao de rapazes. Faltava uma para mim e eu não aceitava fazer parte da turma desacompanhado. [...]
"O Pirotécnico Zacarias", Murilo Rubião
(Murilo Rubião nasceu no dia 1 de Junho de 1916. Morreu em 1991.)
A morte não extinguira essa faculdade. E a ela os meus matadores fizeram justiça. Após curto debate, no qual expus com clareza os meus argumentos, os rapazes ficaram indecisos, sem encontrar uma saída que atendesse, a contento, às minhas razões e ao programa da noite, a exigir prosseguimento. Para tornar mais confusa a situação, sentiam a impossibilidade de dar rumo a um defunto que não perdera nenhum dos predicados geralmente atribuídos aos vivos.
Se a um deles não ocorresse uma sugestão, imediatamente aprovada, teríamos permanecido no impasse. Propunha incluir-me no grupo e, juntos, terminarmos a farra, interrompida com o meu atropelamento.
Entretanto, outro obstáculo nos conteve: as moças eram somente três, isto é, em número igual ao de rapazes. Faltava uma para mim e eu não aceitava fazer parte da turma desacompanhado. [...]
"O Pirotécnico Zacarias", Murilo Rubião
(Murilo Rubião nasceu no dia 1 de Junho de 1916. Morreu em 1991.)
Manuel Cuña Novás 3
O carro
Vida: Tempo é xa
de alongare os camiños
na pisada valeira dos mansos bois e cansos:
vai no eixo o teu centro, e van na roda os sonos
beirados de silveiras e tenros vagalumes.
E vai dando ao teu ser antigo, estarabouzo
feito de amor e xebre e restroballo,
a forma inaprensibre
na doce señardá das corredoiras:
a dór que non se vai, non, que non se vai, que non se vai.
"Fabulario Novo", Manuel Cuña Novás
(Manuel Cuña Novás nasceu no dia 1 de Junho de 1924. Morreu em 1992.)
Vida: Tempo é xa
de alongare os camiños
na pisada valeira dos mansos bois e cansos:
vai no eixo o teu centro, e van na roda os sonos
beirados de silveiras e tenros vagalumes.
E vai dando ao teu ser antigo, estarabouzo
feito de amor e xebre e restroballo,
a forma inaprensibre
na doce señardá das corredoiras:
a dór que non se vai, non, que non se vai, que non se vai.
"Fabulario Novo", Manuel Cuña Novás
(Manuel Cuña Novás nasceu no dia 1 de Junho de 1924. Morreu em 1992.)
Em nome do Espírito Santo
Envolta na bruma das
lendas, adornada pela magia das superstições e abonada por insondáveis
espantos, impera há séculos no coração do povo das Ilhas a devoção ao
Senhor Espírito Santo. Uma contínua, sempre renovada e abrangente
procissão de beatos, fiéis, crentes, simpatizantes e até incréus vela por
que não se extingam os sinais singulares desta tradição santa-profana
que individualiza os Açorianos, na sua terra ou pelas lonjuras da
diáspora.
Esta é uma crença muito antiga. As folias ao Espírito Santo, ainda que aparentem uma origem pagã no druidismo, ou na superstição grega, chegam a Portugal pelas mãos da Rainha Santa Isabel e são levadas para os Açores logo pelos primeiros povoadores. Convertidas na maior devoção e piedade, conservam-se até aos nossos dias: chamam-se, ali e agora, os impérios do Espírito Santo.
Os Açorianos são uma gente católica, extremamente crente e devota, e mesmo os mais fundamentalistas em matéria religiosa ou os ateus desobrigados fazem fé nos casos relacionados com o Divino Espírito Santo e temem as Suas "vinganças". É, como quem diz, uma questão de respeito.
Infinito é o rosário das salvações, grandes assombros ou modestos arranjos que o povo atribui à intervenção providencial do Divino - como gosta de chamar-Lhe, carinhoso, numa antiga e meiga confiança de nome próprio. Crises sísmicas e vulcões, pestes, o ror de maleitas e apertos do dia-a-dia, a vida difícil e o isolamento congregaram os ilhéus numa devoção que depressa se espalhou por todas as cidades, vilas e aldeias. E recorre-se-Lhe por tudo, coisa assim pataqueira ou missão a meio do impossível: simplesmente implorando saudinha em pró-forma de clínica geral ou prescrevendo cirúrgico tratamento de especialista; requerendo que o filho atine com os livros ou suspirando que calhe indulgência aos professores; convocando bênção para casamento novo ou clamando por intervenção de emergência em avaria conjugal; pedindo feliz termo para a viagem, que culturas e gado medrem, que as vinhas farturem, que o negócio corra, que o dinheirinho não falte. Tudo, edecétrea atrás de edecétera, até aos limites de encomendas de alto lá com elas. O Divino por tudo olha, tudo remedeia - que não é Pessoa, e isto é o povo a fazer constar, de desmanchar contratos.
P.S. - Sou apaixonado pelos Açores e mantenho uma relação muito especial com a ilha Terceira. Reencontrei este texto, que escrevi talvez em 1992 ou 1993, a propósito das famosas festas do Espírito Santo. Claramente datado, e generosamente adjectivado, republiquei-o aqui, numa mancheia de fascículos, em Julho de 2011, e repeti-o em Agosto de 2014, para matar saudades. O que está aí em cima é apenas o princípio. Se quiserem, procurem o resto. Mas ao que vem a repetição da repetição? Ora bem: hoje é exactamente Dia do Espírito Santo. Isto é, se todos morarmos no Brasil.
Esta é uma crença muito antiga. As folias ao Espírito Santo, ainda que aparentem uma origem pagã no druidismo, ou na superstição grega, chegam a Portugal pelas mãos da Rainha Santa Isabel e são levadas para os Açores logo pelos primeiros povoadores. Convertidas na maior devoção e piedade, conservam-se até aos nossos dias: chamam-se, ali e agora, os impérios do Espírito Santo.
Os Açorianos são uma gente católica, extremamente crente e devota, e mesmo os mais fundamentalistas em matéria religiosa ou os ateus desobrigados fazem fé nos casos relacionados com o Divino Espírito Santo e temem as Suas "vinganças". É, como quem diz, uma questão de respeito.
Infinito é o rosário das salvações, grandes assombros ou modestos arranjos que o povo atribui à intervenção providencial do Divino - como gosta de chamar-Lhe, carinhoso, numa antiga e meiga confiança de nome próprio. Crises sísmicas e vulcões, pestes, o ror de maleitas e apertos do dia-a-dia, a vida difícil e o isolamento congregaram os ilhéus numa devoção que depressa se espalhou por todas as cidades, vilas e aldeias. E recorre-se-Lhe por tudo, coisa assim pataqueira ou missão a meio do impossível: simplesmente implorando saudinha em pró-forma de clínica geral ou prescrevendo cirúrgico tratamento de especialista; requerendo que o filho atine com os livros ou suspirando que calhe indulgência aos professores; convocando bênção para casamento novo ou clamando por intervenção de emergência em avaria conjugal; pedindo feliz termo para a viagem, que culturas e gado medrem, que as vinhas farturem, que o negócio corra, que o dinheirinho não falte. Tudo, edecétrea atrás de edecétera, até aos limites de encomendas de alto lá com elas. O Divino por tudo olha, tudo remedeia - que não é Pessoa, e isto é o povo a fazer constar, de desmanchar contratos.
P.S. - Sou apaixonado pelos Açores e mantenho uma relação muito especial com a ilha Terceira. Reencontrei este texto, que escrevi talvez em 1992 ou 1993, a propósito das famosas festas do Espírito Santo. Claramente datado, e generosamente adjectivado, republiquei-o aqui, numa mancheia de fascículos, em Julho de 2011, e repeti-o em Agosto de 2014, para matar saudades. O que está aí em cima é apenas o princípio. Se quiserem, procurem o resto. Mas ao que vem a repetição da repetição? Ora bem: hoje é exactamente Dia do Espírito Santo. Isto é, se todos morarmos no Brasil.
quinta-feira, 30 de maio de 2019
Uma atençãozinha
Fazia sempre uma atençãozinha especial àquela cliente. Às vezes às pernas, outras vezes ao decote e regra geral ao rabo.
Ramón Piñeiro 4
[...] A idade, o saber e as facultades propias da súa función dábanlle ao escolante unha superioridade natural dentro do noso mundo infantil. Pero a utilización ríxida dunha lingua distinta da nosa, dunha lingua que excluía a nosa, dáballe unha autoridade estraña, unha autoridade que non era natural, unha autoridade que tiña un significado negativo, xa que en lugar de establecer a súa superioridade persoal de mestre trataba de establecer a nosa inferioridade colectiva. E non só a nosa inferioridade en canto a escolares, senón a inferioridade nosa en canto galego-falantes. Mais esa inferioridade englobaba tamén os nosos pais, os nosos irmáns e familiares, os novos veciños, a todo o que era o noso mundo propio.
"Da Miña Acordanza", Ramón Piñeiro
(Ramón Piñeiro nasceu no dia 31 de Maio de 1915. Morreu em 1990.)
"Da Miña Acordanza", Ramón Piñeiro
(Ramón Piñeiro nasceu no dia 31 de Maio de 1915. Morreu em 1990.)
Walflan de Queiroz 3
Autobiografia
Nasci sob o signo de São Bento José Labre.
Pedi esmola na porta de Notre Dame,
E fui encontrado morto numa rua de Madrid.
O primeiro hino foi meu, o primeiro canto,
Que comoveu a alma de Francesca de Rímini.
Fui monge, amei a virgem.
Fui marinheiro, estive no oriente.
Mais tarde, pertenci ao grupo dos poetas malditos,
E escrevi o meu último poema para uma menina espanhola.
"O Tempo da Solidão", Walflan de Queiroz
(Walflan de Queiroz nasceu no dia 31 de Maio de 1930. Morreu em 1995.)
Nasci sob o signo de São Bento José Labre.
Pedi esmola na porta de Notre Dame,
E fui encontrado morto numa rua de Madrid.
O primeiro hino foi meu, o primeiro canto,
Que comoveu a alma de Francesca de Rímini.
Fui monge, amei a virgem.
Fui marinheiro, estive no oriente.
Mais tarde, pertenci ao grupo dos poetas malditos,
E escrevi o meu último poema para uma menina espanhola.
"O Tempo da Solidão", Walflan de Queiroz
(Walflan de Queiroz nasceu no dia 31 de Maio de 1930. Morreu em 1995.)
Lições de História 42: Tito
Faz hoje mil novecentos e quarenta e nove anos que Tito e as suas legiões romanas derrubaram a segunda muralha de Jerusalém. Lá dentro, os judeus fugiram à rasca para a primeira muralha, mas os romanos, copiando o Porto de muitos séculos depois, construíram uma circunvalação, cortando vazas aos sitiados e todas as árvores num raio de quinze quilómetros, o que foi considerado um escândalo ambiental. A circunvalação de Tito era também conhecida como muralha de cerco, mais uma vez plagiando por antecipação a Invicta. Tito era o filho mais velho de Vespasiano e foi imperador entre 79 e 81. A mãe de Tito chamava-se Domitila, a Maior, para se diferenciar da filha Domitila, a Menor, irmã de Tito.
Tito dedicou-se com sucesso à construção civil em Roma, à presidência da antiga Jugoslávia e ao futebol no Atlético, onde começou a dar os primeiros toques, em 1962. Esqueceu as obras e fez bem, aquilo está tudo em ruínas, e abandonou a política. Deixou a Tapadinha e apostou a sério na bola: mudou-se para o União de Tomar e depois, por quinhentos contos, para o Vitória da Guimarães. É daí que o conheço.
Na década de setenta do século passado, Tito fez sete épocas na Cidade-Berço e marcou 82 golos. Era, e não sei se ainda é, o melhor marcador de sempre do Vitória na primeira divisão. Fisicamente falando, Tito pode ser visto como um monovolumezinho, baixote, entroncado da cabeça aos pés, uma espécie de Müller que os antigos percebem, uma espécie de Miccoli que os menos antigos sabem, e aos mais novos não sei o que lhes diga.
Tito, na área, era imperial. Fino. Até de cabeça. E de fora da área também. Mas não de cabeça. Como muitos craques de hoje em dia, Tito gostava de treinar livres e remates espontâneos atirados propositada e directamente à barra. E tinha uma elevada taxa de acerto. O extraordinário é que, mais difícil ainda, gostava de fazer o número também de costas para a baliza ou de olhos fechados. E acertava. Palavra de honra, acertava!
Claro, não havia YouTube. Conto assim tal qual porque eu vi. E de olhos bem abertos.
Tito dedicou-se com sucesso à construção civil em Roma, à presidência da antiga Jugoslávia e ao futebol no Atlético, onde começou a dar os primeiros toques, em 1962. Esqueceu as obras e fez bem, aquilo está tudo em ruínas, e abandonou a política. Deixou a Tapadinha e apostou a sério na bola: mudou-se para o União de Tomar e depois, por quinhentos contos, para o Vitória da Guimarães. É daí que o conheço.
Na década de setenta do século passado, Tito fez sete épocas na Cidade-Berço e marcou 82 golos. Era, e não sei se ainda é, o melhor marcador de sempre do Vitória na primeira divisão. Fisicamente falando, Tito pode ser visto como um monovolumezinho, baixote, entroncado da cabeça aos pés, uma espécie de Müller que os antigos percebem, uma espécie de Miccoli que os menos antigos sabem, e aos mais novos não sei o que lhes diga.
Tito, na área, era imperial. Fino. Até de cabeça. E de fora da área também. Mas não de cabeça. Como muitos craques de hoje em dia, Tito gostava de treinar livres e remates espontâneos atirados propositada e directamente à barra. E tinha uma elevada taxa de acerto. O extraordinário é que, mais difícil ainda, gostava de fazer o número também de costas para a baliza ou de olhos fechados. E acertava. Palavra de honra, acertava!
Claro, não havia YouTube. Conto assim tal qual porque eu vi. E de olhos bem abertos.
quarta-feira, 29 de maio de 2019
Anne Marie Morris 3
Inda
Coido vel-a túa cara,
cara queridiña,
vagando nos meus soños.
Polas noites,
cal nebrina,
tí me chegas
inda.
En cada soño,
cada noite,
tí me chegas
inda.
"Voz Fuxitiva", Anne Marie Morris
(Anne Marie Morris nasceu no dia 30 de Maio de 1916. Morreu em 1999.)
Coido vel-a túa cara,
cara queridiña,
vagando nos meus soños.
Polas noites,
cal nebrina,
tí me chegas
inda.
En cada soño,
cada noite,
tí me chegas
inda.
"Voz Fuxitiva", Anne Marie Morris
(Anne Marie Morris nasceu no dia 30 de Maio de 1916. Morreu em 1999.)
Xavier Costa Clavell 4
Don Fernando sempre me tratou moi ben. E tamén a súa ama de chaves, a señora Remigia. Comía o mesmo que eles. O porco era a base da nosa alimentación. Pero na casa do cura tamén se comía bastante a miúdo carne de vitela, que en Vimianzo sempre foi de calidade superior. Na bisbarra hai vacas tolas de dúas patas. Pero as de catro están todas cordas.
Frei Filgueira dábame libertade e algúns cartos cada semán ata que cheguei á idade de facer o ingreso no Instituto de ensino Medio, en Compostela, onde igoalmente fixen os estudios do Bacherelato, aloxado nunha pensión da cidade do Apóstolo. Don Fernando Filgueira corría con tódolos gastos e nunca me faltou nada. Si, foi para min como un pai, como o mellor dos pais.
"Fillo do Vento", Xavier Costa Clavell
(Xavier Costa Clavell nasceu no dia 30 de Maio de 1923. Morreu em 2006.)
Frei Filgueira dábame libertade e algúns cartos cada semán ata que cheguei á idade de facer o ingreso no Instituto de ensino Medio, en Compostela, onde igoalmente fixen os estudios do Bacherelato, aloxado nunha pensión da cidade do Apóstolo. Don Fernando Filgueira corría con tódolos gastos e nunca me faltou nada. Si, foi para min como un pai, como o mellor dos pais.
"Fillo do Vento", Xavier Costa Clavell
(Xavier Costa Clavell nasceu no dia 30 de Maio de 1923. Morreu em 2006.)
O viagra ao poder!
Estava aqui a pensar: do que nós precisávamos realmente era de um verrumador
encartado que nos tomasse conta do País. Sinceramente não sei se há alguém à
altura em Portugal, mas o viagra está aí para alçar o que for preciso, digamos assim.
Convinha-nos, creio, um estadista da casta de um John F. Kennedy, de um Bill
Clinton, de um François Mitterrand, tão presidentes quanto adúlteros, mesmo de um nojento Donald Trump, ou
até de um Dominique Strauss-Kahn, esse predador sem vergonha e de
colarinho branco que não descansou enquanto não fodeu todas as
hipóteses que tinha de suceder a Nicolas Sarkozy, outro sedutor, no
Palácio do Eliseu.
Mas o máximo era conseguirmos um borguista tipo Silvio Berlusconi, o octogenário italiano que, segundo o língua-de-trapos do seu médico pessoal, ainda aqui atrasado podia "ter, sem exagero, seis relações sexuais por semana", desde que descansasse ao domingo, derivado à religião.
Um homem assim é que era bom. Alguém que se concentrasse realmente no essencial - a mulherenguice - e que, por favor, nos saísse de cima.
(Texto publicado originalmente no dia 27 de Junho de 2011. Faltava-lhe o Trump.)
Mas o máximo era conseguirmos um borguista tipo Silvio Berlusconi, o octogenário italiano que, segundo o língua-de-trapos do seu médico pessoal, ainda aqui atrasado podia "ter, sem exagero, seis relações sexuais por semana", desde que descansasse ao domingo, derivado à religião.
Um homem assim é que era bom. Alguém que se concentrasse realmente no essencial - a mulherenguice - e que, por favor, nos saísse de cima.
(Texto publicado originalmente no dia 27 de Junho de 2011. Faltava-lhe o Trump.)
terça-feira, 28 de maio de 2019
Lições de História 41: a Guerra da Restauração
Quando a Guerra da Restauração entre Portugal e Espanha terminou e pediu a continha, em 1668, foi deveras porreiro. Os espanhóis começaram a vir comer bacalhau a Valença e os portugueses passaram a ir às bandejas de marisco a Vigo. Foi bom para o negócio e, entre mortos e feridos, salvaram-se consideráveis estabelecimentos.
Agustín Fernández Paz 4
Pero a noticia que acabo de ler no xornal de hoxe produciu dentro de min un efecto perturbador, e fíxome aflorar de novo as peores lembranzas. As protestas contra a destrucción do monte do Coto do Rei van en aumento, a xente oponse a que a autoestrada o coute polo medio e medio. As declaracións dos opositores son as de sempre, cántas veces non as terei oído xa: que é unha das poucas zonas do concello onde as árbores autóctonas aínda permanecen, que hai valiosos restos de orixe prerromana, que o seu valor paisaxístico e ecolóxico é incalculable... Eu mesma, noutras circunstancias, tamén subscribiría esa defensa. ¿Como podo explicar entón o temor que me invade cando penso que os políticos de Madrid poden ceder a estas presións? Total, para eles este non é máis que un lugar afastado do noroeste da península, un punto do mapa sen ningún significado especial. Qué máis lles ten ceder, deixar que a autoestrada rodee o monte, aínda que teña que ter unha curva máis. ¡Se mesmo lles é máis barato facelo así!
"O Enigma do Menhir", Agustín Fernández Paz
(Agustín Fernández Paz nasceu no dia 29 de Maio de 1947. Morreu em 2016.)
"O Enigma do Menhir", Agustín Fernández Paz
(Agustín Fernández Paz nasceu no dia 29 de Maio de 1947. Morreu em 2016.)
Eram quatro e formavam um excelente trio
Eram quatro pessoas em palco: um senhor à viola, uma senhora no
clarinete, um senhor ao piano e outro senhor virando-lhe as páginas da
partitura. Procurei-lhes os nomes enquanto tocavam Brahms e Mozart com
assinalável competência. Os quatro formavam o famoso Trio Tomter, Kam &
Ihle Hadland. Isto é: são o senhor Lars Anders Tomter, a senhora Sharon Kam e o
senhor Christian Ihle Hadland, por ordem de instrumentos. O mudador de páginas,
posto que exímio executante, era provavelmente... o rapaz.
Histórias do 28 de Maio (com bolinha)
Generoso, mais rápido do que uma linha recta
A menor distância entre dois pontos é uma recta? Nem sempre. Às vezes a menor distância entre dois pontos pode ser uma curva. Aqui não se trata de ciência, é mero exercício de memória. Por exemplo: lembram-se do Generoso? Claro que não se lembram do Generoso. Mas eu explico: o Generoso era um extremo brasileiro que jogou no SC Braga bem no início da década de setenta do século passado, por alturas da segunda divisão, se não me engano. O Generoso (e decerto um nome assim nunca foi tão bem empregue), o Generoso, dizia eu, era tão rápido, corria tanto, que, quando atacava e levava um adversário à ilharga, despossuído de outros e melhores argumentos técnicos, chutava a bola para a frente, saía do relvado, contornava o defesa pela pista de cinza, e - espantem-se! - ainda chegava lá primeiro.
Para que nos entendamos, o relvado e a pista de cinza eram no Estádio 28 de Maio, em Braga. Sim, antes do 25 de Abril de 1974, o Estádio 1.º de Maio chamava-se Estádio 28 de Maio. O que só demonstra (raciocínio palerma e suinamente fascistóide) que a Outra Senhora levava 27 dias de avanço em relação a Esta Senhora e que as revoluções cometem-se para mudar os nomes das ruas, praças, pontes, estádios e outro imobiliário. Mas eu também vi o Generoso executar a sua supersónica façanha no então pelado do meu Fafe, onde o resvés com os pilares de cimento e com os tubos metálicos da vedação conferia um toque extra de emoção e perigo ao espectáculo. O Generoso, sempre na mecha e a passar calafriantes tanjas ao excelentíssimo público e ao desastre, trazia-me à cabeça o encantatório e fanhoso reclame altifalante do poço-da-morte, nos dias dos 16 de Maio e da Senhora de Antime: também ali havia "arrojo, coragem, audácia, cooommm-ple-to desprezo pela vida". E eu sempre achei que o Generoso devia jogar de capacete.
Quando o 1.º de Maio era no dia 28 do mesmo
Antigamente o 1.º Maio era no dia 28 do mesmo. Quando digo antigamente quero dizer antes do 25 de Abril de 1974, que já é antigamente que chegue - que o confirmem os deputados da nação, cujos mais de um terço ainda não tinham nascido quando a coisa se deu. Um por exemplo: o estádio do SC Braga na Ponte, antes da extraordinária Pedreira do arquitecto Souto Moura, chamava-se Estádio 28 de Maio. Por questões políticas e não de calendário litúrgico, rito bracarense: chamava-se 28 de Maio glorificando o golpe militar que naquela data, em 1926, derrubou a Primeira República e abriu caminho à ditadura do Estado Novo. De corte fascista, o Estádio 28 de Maio, que ainda está de pé, tentava aparentar-se e rivalizar com o Estádio Nacional, no Jamor, ou em Oeiras, consoante a dor de cotovelo de cada qual, e foi inaugurado, em 1950, por Salazar e Carmona, que assim dito até parecem uma alegre sociedade de costureiros. Veio a revolução dos cravos e o estádio mudou de nome, passou a chamar-se Estádio 1.º de Maio, viva o Dia dos Trabalhadores, viva a classe operária!, mais ajuizado seria que se tivesse chamado sempre Campo da Quinta da Mitra.
Em todo o caso, mudar o nome do velho estádio de Braga, de 28 de Maio para 1.º de Maio, só demonstra (num raciocínio assumidamente palerma e suinamente fascistóide) que a Outra Senhora levava 27 dias de avanço em relação a Esta Senhora e que as revoluções cometem-se sobretudo e quase só para mudar os nomes das ruas, praças, pontes, estádios e outro imobiliário.
Querem outro por exemplo? O Estádio 25 de Abril, de Penafiel. Antes da "política", aquele terreiro chamava-se Campo das Leiras. Que mal é que tinha o nome?
O 28 de Maio de 1926 foi praticamente como o 25 de Abril de 1974, mas em versão fascista. Começou em Braga e chegou a Lisboa atrás do cavalo branco de Gomes da Costa, uma espécie de chaimite daquele tempo.
Antes do 25 de Abril, os 28 de Maio eram celebrados com desfiles, por assim dizer, militares: Mocidade Portuguesa, Legião Portuguesa, certamente bombeiros e escuteiros, provavelmente ranchos folclóricos e evidentemente soldados propriamente ditos. A Veneranda Figura lá estava, mas o de Santa Comba se calhar não, porque constipava muito de saísse à rua e o povo fazia-lhe espécie. Havia discursos, condecorações e sobretudo muitas fanfarras, a bem da Nação. O bom povo português assistia a tudo patrioticamente embebecido, se não me engano com aguardente, porque as cerimónias eram de manhã.
Uma vez eu também lá fui. Estava no seminário, em Braga, e os padres levaram-nos. Gostei muito, porque o meu tio Zé de Basto era corneteiro na fanfarra do Regimento de Infantaria 8, hoje Cavalaria 6, e eu já não o via há uma temporada. Pusemos a conversa em dia.
Resumindo e concluindo: Portugal continua a ser na mesma, só o tio Zé é que já não anda na tropa...
A menor distância entre dois pontos é uma recta? Nem sempre. Às vezes a menor distância entre dois pontos pode ser uma curva. Aqui não se trata de ciência, é mero exercício de memória. Por exemplo: lembram-se do Generoso? Claro que não se lembram do Generoso. Mas eu explico: o Generoso era um extremo brasileiro que jogou no SC Braga bem no início da década de setenta do século passado, por alturas da segunda divisão, se não me engano. O Generoso (e decerto um nome assim nunca foi tão bem empregue), o Generoso, dizia eu, era tão rápido, corria tanto, que, quando atacava e levava um adversário à ilharga, despossuído de outros e melhores argumentos técnicos, chutava a bola para a frente, saía do relvado, contornava o defesa pela pista de cinza, e - espantem-se! - ainda chegava lá primeiro.
Para que nos entendamos, o relvado e a pista de cinza eram no Estádio 28 de Maio, em Braga. Sim, antes do 25 de Abril de 1974, o Estádio 1.º de Maio chamava-se Estádio 28 de Maio. O que só demonstra (raciocínio palerma e suinamente fascistóide) que a Outra Senhora levava 27 dias de avanço em relação a Esta Senhora e que as revoluções cometem-se para mudar os nomes das ruas, praças, pontes, estádios e outro imobiliário. Mas eu também vi o Generoso executar a sua supersónica façanha no então pelado do meu Fafe, onde o resvés com os pilares de cimento e com os tubos metálicos da vedação conferia um toque extra de emoção e perigo ao espectáculo. O Generoso, sempre na mecha e a passar calafriantes tanjas ao excelentíssimo público e ao desastre, trazia-me à cabeça o encantatório e fanhoso reclame altifalante do poço-da-morte, nos dias dos 16 de Maio e da Senhora de Antime: também ali havia "arrojo, coragem, audácia, cooommm-ple-to desprezo pela vida". E eu sempre achei que o Generoso devia jogar de capacete.
Quando o 1.º de Maio era no dia 28 do mesmo
Antigamente o 1.º Maio era no dia 28 do mesmo. Quando digo antigamente quero dizer antes do 25 de Abril de 1974, que já é antigamente que chegue - que o confirmem os deputados da nação, cujos mais de um terço ainda não tinham nascido quando a coisa se deu. Um por exemplo: o estádio do SC Braga na Ponte, antes da extraordinária Pedreira do arquitecto Souto Moura, chamava-se Estádio 28 de Maio. Por questões políticas e não de calendário litúrgico, rito bracarense: chamava-se 28 de Maio glorificando o golpe militar que naquela data, em 1926, derrubou a Primeira República e abriu caminho à ditadura do Estado Novo. De corte fascista, o Estádio 28 de Maio, que ainda está de pé, tentava aparentar-se e rivalizar com o Estádio Nacional, no Jamor, ou em Oeiras, consoante a dor de cotovelo de cada qual, e foi inaugurado, em 1950, por Salazar e Carmona, que assim dito até parecem uma alegre sociedade de costureiros. Veio a revolução dos cravos e o estádio mudou de nome, passou a chamar-se Estádio 1.º de Maio, viva o Dia dos Trabalhadores, viva a classe operária!, mais ajuizado seria que se tivesse chamado sempre Campo da Quinta da Mitra.
Em todo o caso, mudar o nome do velho estádio de Braga, de 28 de Maio para 1.º de Maio, só demonstra (num raciocínio assumidamente palerma e suinamente fascistóide) que a Outra Senhora levava 27 dias de avanço em relação a Esta Senhora e que as revoluções cometem-se sobretudo e quase só para mudar os nomes das ruas, praças, pontes, estádios e outro imobiliário.
Querem outro por exemplo? O Estádio 25 de Abril, de Penafiel. Antes da "política", aquele terreiro chamava-se Campo das Leiras. Que mal é que tinha o nome?
O 28 de Maio de 1926 foi praticamente como o 25 de Abril de 1974, mas em versão fascista. Começou em Braga e chegou a Lisboa atrás do cavalo branco de Gomes da Costa, uma espécie de chaimite daquele tempo.
Antes do 25 de Abril, os 28 de Maio eram celebrados com desfiles, por assim dizer, militares: Mocidade Portuguesa, Legião Portuguesa, certamente bombeiros e escuteiros, provavelmente ranchos folclóricos e evidentemente soldados propriamente ditos. A Veneranda Figura lá estava, mas o de Santa Comba se calhar não, porque constipava muito de saísse à rua e o povo fazia-lhe espécie. Havia discursos, condecorações e sobretudo muitas fanfarras, a bem da Nação. O bom povo português assistia a tudo patrioticamente embebecido, se não me engano com aguardente, porque as cerimónias eram de manhã.
Uma vez eu também lá fui. Estava no seminário, em Braga, e os padres levaram-nos. Gostei muito, porque o meu tio Zé de Basto era corneteiro na fanfarra do Regimento de Infantaria 8, hoje Cavalaria 6, e eu já não o via há uma temporada. Pusemos a conversa em dia.
Resumindo e concluindo: Portugal continua a ser na mesma, só o tio Zé é que já não anda na tropa...
segunda-feira, 27 de maio de 2019
Um conto de Natal
Um conto de Natal era geralmente uma seca. Já um conto de réis eram mil
escudos. Uma pipa de massa naquele tempo, é preciso que se note.
José Craveirinha 6
Fábula
Menino gordo comprou um balão
e assoprou
assoprou com força o balão amarelo.
Menino gordo assoprou
assoprou
assoprou
o balão inchou
inchou
e rebentou!
Meninos magros apanharam os restos
e fizeram balõezinhos.
"Karingana Ua Karingana", José Craveirinha
(José Craveirinha nasceu no dia 28 de Maio de 1922. Morreu em 2003.)
Menino gordo comprou um balão
e assoprou
assoprou com força o balão amarelo.
Menino gordo assoprou
assoprou
assoprou
o balão inchou
inchou
e rebentou!
Meninos magros apanharam os restos
e fizeram balõezinhos.
"Karingana Ua Karingana", José Craveirinha
(José Craveirinha nasceu no dia 28 de Maio de 1922. Morreu em 2003.)
Xoán Cuveiro Piñol 2
Unha corrida de arroaces
Ningún pode gabarse de ver na súa vida máis que solasmente unha vez esta clas de festa. Tampouco se atopa en tódalas rías baixas nin en todo o litoral de Galicia, un sitio de mellor xeito que a ría de Pontevedra, e nesta ría a mesma capital, por ter a cercustáncea de desfogar naquela o río Lérez.
[...]
Xoán Cuveiro Piñol
(Xoán Cuveiro Piñol nasceu no dia 28 de Maio de 1821. Morreu em 1906.)
Ningún pode gabarse de ver na súa vida máis que solasmente unha vez esta clas de festa. Tampouco se atopa en tódalas rías baixas nin en todo o litoral de Galicia, un sitio de mellor xeito que a ría de Pontevedra, e nesta ría a mesma capital, por ter a cercustáncea de desfogar naquela o río Lérez.
[...]
Xoán Cuveiro Piñol
(Xoán Cuveiro Piñol nasceu no dia 28 de Maio de 1821. Morreu em 1906.)
Benfica humilhado nas eleições
O Benfica ganhou muito bem o campeonato, mas levou uma coça nas eleições. Um e meio por cento - isto é, 45 mil votos - não chega nem basta sequer para encher o estádio. Depois da merecida festa do título, as Europeias resultaram numa escusada humilhação para o partido dos seis milhões de adeptos. Mas lá está, como preconiza o doutor Ventura: quem com ferros ferros, com ferros ferros.
domingo, 26 de maio de 2019
A galinha da vizinha...
Foto Hernâni Von Doellinger |
Mataram os vizinhos. Agora somos condóminos.
Éramos vizinhos, lembram-se? E a palavra vizinho queria dizer coisas boas: proximidade, amizade, companhia, ramo de salsa, comunidade, confiança, solidariedade, conversa no passeio à noite, copinho de vinho novo, cumplicidade, visita ao hospital, dar a camisa, porta aberta, comadre, quase família, melhor que família, tu cá, tu lá. Agora somos condóminos. E a palavra condómino tem uma carga que é um pesadelo: propriedade, despesa, individualidade, indiferença, reunião, ausência, chatice, discussão, impessoalidade, porta fechada a sete chaves (três, pelo menos), queixinha, fracção, má-língua, elevador, o tempo, bom dia e boa tarde, eu cá, tu lá.
E é irónico. Há mais de trinta anos que eu sou um condómino exemplar, um condómino da melhor pior espécie, mas hoje deram-me as saudades de ser vizinho. Sei que já vou tarde. Estamos todos condenados a sermos condóminos para o resto das nossas vidas. Se ainda ao menos fôssemos conDominus nobiscum...
Weather report
- Isto é que tem estado!...
- Realmente...
- E então hoje!...
- Lá isso...
- O que é que eles dão para amanhã?
- Eu...
- Pois. Então até logo, vizinho.
- Vá pela sombra, vizinha.
É, o elevador aproxima muito as pessoas. O elevador e o boletim meteorológico.
A falta de ar é opcional
As pessoas vivem fechadas em caixotes. Em caixinhas dentro de caixotes. E cada caixinha tem um respiradouro chamado varanda. E as pessoas fazem marquises.
Minha varanda, meu castelo
No prédio onde eu moro, o meu apartamento é o único que não tem marquise ou paramarquise na varanda. Dá nas vistas, é verdade, destoa, incomoda os vizinhos, aliás condóminos, e todos os dias tenho a caixa de correio assediada por uns quantos panfletos em quadricromia e papel couché que me oferecem o sufoco a xis euros o metro quadrado. Muito agradecido, mas passo: a varanda faz-me falta tal qual está.
Gosto de correntes de ar, que hei-de fazer? Gosto de terra e gosto de mar. E gosto de levar com a terra e com o mar nas ventas. Gosto dos cheiros. Gosto de pensar (ou de pensar que penso), gosto de refrescar ideias. A minha varanda é o meu retiro. E é o meu quintal, a minha esplanada, o meu posto de vigia. Gosto de semear, de regar os vasos, de espreitar o nanocrescimento dos coentros, da salsa e do tomilho, e até tenho um loureiro e um carvalho, gostava de fumar a minha cachimbada e de beber o meu CRF "em balão previamente aquecido", que já não fumo e bissextamente bebo, gosto de ver passar navios. Condenaram-me a isso, a ver navios, mas eu gosto. Sou um gajo cheio de sorte: moro mesmo em frente ao mar, se me puser de lado.
Estão a ver a cabeça daquele cromo assamarrado e de chapéu enfiado até às orelhas, sentado na varanda, ignorante da chuva e do frio, de braço de fora e olhando o mar? A cabeça é minha, o cromo sou eu. Não podem ver, mas tenho uma manta a agasalhar-me as pernas. Estou muito bem, não se preocupem.
E estão a ver a gaivota belíssima, empoleirada no parapeito e quase em cima de mim? É a tal, a cagona que não me larga. A gaivota também sabe que ali é santuário, lugar de pensamento e liberdade. Somos cúmplices, praticamente almas gémeas. Mas a gaivota abusa, caga na varanda propriamente dita, o que enfurece a minha mulher. Eu, no que me diz respeito, tomo nota de mais um barco que entra no Porto de Leixões.
P.S. - Hoje, 27 de Maio, é Dia Europeu do Vizinho. Isto é: talvez seja. Na verdade, as várias fontes consultadas pelo Tarrenego! não se entendem quanto a uma data certa nem tampouco quanto ao nome do Dia propriamente dito. Típico de condóminos, não é?...
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Luís Veiga Leitão 3
Homem
É no silêncio do caminho aberto:
Quanto maior a alma maior o deserto
maior a sede e a miragem
do mundo à nossa imagem.
"A Bicicleta e Outros Poemas", Luís Veiga Leitão
(Luís Veiga Leitão nasceu no dia 27 de Maio de 1912. Morreu em 1987.)
É no silêncio do caminho aberto:
Quanto maior a alma maior o deserto
maior a sede e a miragem
do mundo à nossa imagem.
"A Bicicleta e Outros Poemas", Luís Veiga Leitão
(Luís Veiga Leitão nasceu no dia 27 de Maio de 1912. Morreu em 1987.)
sábado, 25 de maio de 2019
Glória de Sant'Anna
Afirmação
A essência das coisas é senti-las
"Um Denso Azul Silêncio", Glória de Sant'Anna
(Glória de Sant'Anna nasceu no dia 26 de Maio de 1925. Morreu em 2009.)
A essência das coisas é senti-las
tão densas e tão claras,
que não possam conter-se por completo
nas palavras.
A essência das coisas é nutri-las
tão de alegria e mágoa,
que o silêncio se ajuste à sua forma
sem mais nada.
"Um Denso Azul Silêncio", Glória de Sant'Anna
(Glória de Sant'Anna nasceu no dia 26 de Maio de 1925. Morreu em 2009.)
Ruben A. 6
Os verdes amarelavam-se de estio quando as ninhadas esvoaçavam das silvas onde ninhos secos rebentavam círculos de natureza. Confundia-se o exterior no íntimo do passeio - embriagantes de real alteavam-se conjuntos à passagem do carpinteiro e contudo uma sociedade estava a completar-se numa tarde com lenço de seda ao correr da brisa; aqui e ali cavalgavam os penetrantes na sua sensibilidade do adormecer germinado pela dúvida.
"Caranguejo", Ruben A.
(Ruben A. nasceu no dia 26 de Maio de 1920. Morreu em 1975.)
"Caranguejo", Ruben A.
(Ruben A. nasceu no dia 26 de Maio de 1920. Morreu em 1975.)
Flûte de Portugal
O Três Marias, o Casal Garcia, o Magos e até o "champanhe", doméstico ou de alterne, eram à taça. Agora deu-lhes para o flûte. Ou flauta. Pfff...
sexta-feira, 24 de maio de 2019
Barros Pinho 3
Gramática nos olhos da amada
Qual o adjetivo
para os olhos da amada
os olhos da amada
se confundem com o mar
ora verde ora azul
na cor do triste
no salmo da alegria
semântica da noite
metáfora da madrugada
as sílabas do vento
nos olhos da amada
o verbo amar edifica
os acentos da solidão
olhos do mar olhos do rio
olhos de serpente sem veneno
olhos de mulher olhos de sonhos
que guardei para viver no ponto do luar.
Qual o adjetivo
para os olhos da amada
os olhos da amada
se confundem com o mar
ora verde ora azul
na cor do triste
no salmo da alegria
semântica da noite
metáfora da madrugada
as sílabas do vento
nos olhos da amada
o verbo amar edifica
os acentos da solidão
olhos do mar olhos do rio
olhos de serpente sem veneno
olhos de mulher olhos de sonhos
que guardei para viver no ponto do luar.
Barros Pinho
(Barros Pinho nasceu no dia 25 de Maio de 1939. Morreu em 2012.)
Velhos tempos
Chamava-se Glória Dias, morava em Campolide e garantia que, no seu tempo, fora a musa inspiradora de Bruce Springsteen...
quinta-feira, 23 de maio de 2019
José Terra 3
[Os deuses, só
de os pensar...]
Os deuses, só de os pensar, existem.
Quando me sento a esta mesa e deixo
que o pensamento se concentre, a flecha
fende os ares e o real e tomba
aonde os deuses libam o meu sangue.
Sanguessugas os deuses; e contudo
damos-lhes rostos para que se tornem
mais suportáveis no convívio absurdo
que nos impomos quando estamos sós.
São mudos os deuses. E é por isso
que o que não dizem nos isola e oprime.
Moscas são os deuses, quando zunem
no momento do sono, à nossa volta.
Por vezes riem e dançam, mas tão longe!
"Espelho do Invisível", José Terra
(José Terra nasceu no dia 24 de Maio de 1928. Morreu em 2014.)
Os deuses, só de os pensar, existem.
Quando me sento a esta mesa e deixo
que o pensamento se concentre, a flecha
fende os ares e o real e tomba
aonde os deuses libam o meu sangue.
Sanguessugas os deuses; e contudo
damos-lhes rostos para que se tornem
mais suportáveis no convívio absurdo
que nos impomos quando estamos sós.
São mudos os deuses. E é por isso
que o que não dizem nos isola e oprime.
Moscas são os deuses, quando zunem
no momento do sono, à nossa volta.
Por vezes riem e dançam, mas tão longe!
"Espelho do Invisível", José Terra
(José Terra nasceu no dia 24 de Maio de 1928. Morreu em 2014.)
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Ferreira de Castro 7
Idalina desviou ligeiramente os olhos para o cão e voltou a fixá-los na rocha, com aquele mesmo ar preocupado que tinha quando o bicho chegara. Houve um pequeno silêncio e Horácio volveu ao tom de voz anterior:
- Como eu ia a dizer, o quartel de artilharia antiaérea prantava-se mesmo à beira do mar. Viam-se passar os navios, que iam para Lisboa. Às vezes, era cada um, tão grandalhão, que dentro dele ninguém podia ter medo de afundar-se. Ali perto ficava o Estoril. Tu já ouviste falar no Estoril? Aquilo é que é uma terra bonita! É como um jardim a perder de vista. Só te digo que lá até os pinheiros parecem árvores mansas! Nalguns, as roseiras trepam por eles arriba até chegar mesmo aos galhos. E todas as estradas são mais limpinhas do que o chão de uma igreja! Nas horas de dispensa, eu nunca me fartava de ver aquilo. Há lá automóveis por toda a parte e pessoas que falam o raio de umas línguas que a gente não percebe nada...
"A Lã e a Neve", Ferreira de Castro
(Ferreira de Castro nasceu no dia 24 de Maio de 1898. Morreu em 1974.)
- Como eu ia a dizer, o quartel de artilharia antiaérea prantava-se mesmo à beira do mar. Viam-se passar os navios, que iam para Lisboa. Às vezes, era cada um, tão grandalhão, que dentro dele ninguém podia ter medo de afundar-se. Ali perto ficava o Estoril. Tu já ouviste falar no Estoril? Aquilo é que é uma terra bonita! É como um jardim a perder de vista. Só te digo que lá até os pinheiros parecem árvores mansas! Nalguns, as roseiras trepam por eles arriba até chegar mesmo aos galhos. E todas as estradas são mais limpinhas do que o chão de uma igreja! Nas horas de dispensa, eu nunca me fartava de ver aquilo. Há lá automóveis por toda a parte e pessoas que falam o raio de umas línguas que a gente não percebe nada...
"A Lã e a Neve", Ferreira de Castro
(Ferreira de Castro nasceu no dia 24 de Maio de 1898. Morreu em 1974.)
As nudezes de Marisa Cruz
Uma vez Marisa Cruz entrou num filme e apareceu nua. Foi em 2004. O filme, de António Cunha Teles, chamava-se "Kiss Me" e entravam lá também o Nicolau Breyner, o Rui Unas, o Marcantónio Del Carlo e até a Clara Pinto Correia, entre outros.
Marisa Cruz estava então com o jogador de futebol João Pinto, com quem assinaria casamento em 2009 e do qual rescindiria em 2013. Tiveram tempo para dois filhos. João Pinto é hoje director da Federação Portuguesa de Futebol, mas em 2004, época da estreia do filme, jogava no Boavista.
Eu não entrei no filme, casei com a minha mulher e cá estamos, nunca joguei no Boavista nem sou assalariado da FPF. Em 2004 trabalhava no 24horas, Redacção do Porto, e as inteligências lisboetas do meu jornal mandaram-me telefonar ao Jaime Pacheco, que era o treinador dos boavisteiros, a perguntar-lhe se tinha visto o filme, o que é que achara do corpo da Marisa e se tinha comentado o assunto com o João Pinto. As inteligências lisboetas do meu jornal mandaram-me também telefonar aos colegas do João (lembro-me do Frechaut, do Diogo Valente e do Martelinho, por exemplo), a perguntar-lhes se tinham visto o filme, o que é que acharam do corpo da Marisa e se tinham comentado o assunto no balneário. As inteligências lisboetas do meu jornal mandaram-me ainda para a porta do cinema, no NorteShopping, se não estou em erro, a perguntar aos espectadores se gostaram de ver a Marisa nua, se ela era mesmo boa como o milho, como parecia vestida, e se coisa e tal...
Às inteligências lisboetas do meu jornal, eu mandei-as à merda. E ao filme também. Nunca o vi.
Vejo hoje num jornal desportivo - é o que me parece, desportivo - que Marisa Cruz continua a querer mostrar. Está no seu direito. Eu se lhe soubesse desta mania, às tantas, em 2004, em vez de guardar respeito, talvez devesse ter-me dado ao trabalho...
P.S. - As inteligências lisboetas do meu falecido jornal estão hoje muito bem colocadas nos melhores jornais de referência da nossa praça. Lisboetas, os jornais, bem entendido.
Marisa Cruz estava então com o jogador de futebol João Pinto, com quem assinaria casamento em 2009 e do qual rescindiria em 2013. Tiveram tempo para dois filhos. João Pinto é hoje director da Federação Portuguesa de Futebol, mas em 2004, época da estreia do filme, jogava no Boavista.
Eu não entrei no filme, casei com a minha mulher e cá estamos, nunca joguei no Boavista nem sou assalariado da FPF. Em 2004 trabalhava no 24horas, Redacção do Porto, e as inteligências lisboetas do meu jornal mandaram-me telefonar ao Jaime Pacheco, que era o treinador dos boavisteiros, a perguntar-lhe se tinha visto o filme, o que é que achara do corpo da Marisa e se tinha comentado o assunto com o João Pinto. As inteligências lisboetas do meu jornal mandaram-me também telefonar aos colegas do João (lembro-me do Frechaut, do Diogo Valente e do Martelinho, por exemplo), a perguntar-lhes se tinham visto o filme, o que é que acharam do corpo da Marisa e se tinham comentado o assunto no balneário. As inteligências lisboetas do meu jornal mandaram-me ainda para a porta do cinema, no NorteShopping, se não estou em erro, a perguntar aos espectadores se gostaram de ver a Marisa nua, se ela era mesmo boa como o milho, como parecia vestida, e se coisa e tal...
Às inteligências lisboetas do meu jornal, eu mandei-as à merda. E ao filme também. Nunca o vi.
Vejo hoje num jornal desportivo - é o que me parece, desportivo - que Marisa Cruz continua a querer mostrar. Está no seu direito. Eu se lhe soubesse desta mania, às tantas, em 2004, em vez de guardar respeito, talvez devesse ter-me dado ao trabalho...
P.S. - As inteligências lisboetas do meu falecido jornal estão hoje muito bem colocadas nos melhores jornais de referência da nossa praça. Lisboetas, os jornais, bem entendido.
quarta-feira, 22 de maio de 2019
Carlos de Assumpção 3
Mãe
Noite,
Os anos já pintaram de luar os teus cabelos,
No entanto, tudo parece estar acontecendo agora,
Neste instante.
Os anos já pintaram de luar os teus cabelos,
No entanto, tudo parece estar acontecendo agora,
Neste instante.
Noite,
Após tantos anos,
Neste momento,
Vejo tudo diante de mim,
Como se estivesse assistindo a um filme
Da infância:
Após tantos anos,
Neste momento,
Vejo tudo diante de mim,
Como se estivesse assistindo a um filme
Da infância:
Nós, teus filhos, todos pequenos,
O relógio parado na hora de privações,
Tantos sonhos de asas quebradas pelos cantos
De nossa casa pobre, sem conforto;
O relógio parado na hora de privações,
Tantos sonhos de asas quebradas pelos cantos
De nossa casa pobre, sem conforto;
Tu, mulher ainda jovem, tão boa, tão calma,
Constelação de esperança e ternura,
Inspirando segurança,
Inspirando fé, amor,
Em meio a tantos vendavais.
Constelação de esperança e ternura,
Inspirando segurança,
Inspirando fé, amor,
Em meio a tantos vendavais.
Noite,
Tua luta foi para nós teu maior ensinamento
Sofrias (hoje o sei), entretanto,
Em nossa presença, nunca uma lágrima
Rolou pelo teu rosto.
Tua luta foi para nós teu maior ensinamento
Sofrias (hoje o sei), entretanto,
Em nossa presença, nunca uma lágrima
Rolou pelo teu rosto.
Noite,
Desde criança aprendi a amar-te,
Mas só hoje, adulto, é que vejo, comovido,
As incontáveis estrelas que brilham em teu ser
E que tantos vendavais não conseguiram apagar.
Desde criança aprendi a amar-te,
Mas só hoje, adulto, é que vejo, comovido,
As incontáveis estrelas que brilham em teu ser
E que tantos vendavais não conseguiram apagar.
"Quilombo", Carlos de Assumpção
Chico Buarque, Prémio Camões 2019
Eu te amo
Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir
Ah, se ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir
Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir
Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu
Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu
Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios ainda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair
Não, acho que estás te fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir.
Chico Buarque
Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir
Ah, se ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir
Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir
Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu
Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu
Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios ainda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair
Não, acho que estás te fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir.
Chico Buarque
terça-feira, 21 de maio de 2019
Microcontos & outras miudezas 142
A minha cara
Ofereceram-me um livro. "É a tua cara", disseram-me. O livro resumia-se a uma fotografia. E era realmente a minha cara.
O broche (propriamente dito)
Ofereceram-me um livro. "É a tua cara", disseram-me. O livro resumia-se a uma fotografia. E era realmente a minha cara.
O broche (propriamente dito)
Há quem diga que não há diferença nenhuma entre um broche e
um colchete, que são uma e a mesma coisa. Dicionários razoavelmente informados,
como, por exemplo, o Dicionário da Língua Portuguesa (7.ª edição) da Porto
Editora, que é o que tenho aqui sempre à mão, consideram-nos, ao broche e ao
colchete, sinónimos. Eu, com o devido respeito, discordo. Para mim, tirando o
che que ambos ostentam, não há comparação possível entre um broche e um
colchete. Um broche é um broche e um colchete até pode ser um parêntese recto.
Um é uma coisa e o outro é, às vezes, um empecilho. Só quem não passou por eles
é que se confundirá. Sei do que falo. Também sei de salas de costura, não
cuidem, mas, vamos lá, admitindo a paridade, se vosselências forem gramáticos
como eu e quiserem tirar a questão a limpo, se tiver de ser um ou outro, se
pretenderem escrutinar a minha preferência, perguntem-me então sem tibiezas:
broche ou colchete? E eu digo logo e sempre: broche. Broche, evidentemente. Nem
imagino que se possa dizer: olha, faz-me um colchete!...
P.S. - Gramático era o que me chamava o Empregado do Arquivo quando, por azar, calhávamos no mesmo autocarro. O Empregado do Arquivo, assim autodenominado, meu camarada de Primeiro de Janeiro, morava, se não me engano, no Hospital Conde Ferreira, dava três voltas sobre si próprio antes de cruzar a porta do jornal, em Santa Catarina, e era filho do poeta Alberto Serpa, que lhe batia em público. Na próxima aula abordaremos as concomitâncias e respectivas adjacências da palavra pilão. Até lá.
Cautela e caldo de galinha...
Nunca levantava o pé direito sem ter a certeza de que tinha o pé esquerdo no chão. Assim andava Prudêncio.
Agora a sério
A Graça é de rir...
Palavra do senhor
Evangelista era um implacável porém monótono contador de histórias. Começava sempre: - Naquele tempo...
Que seca!
Madalena chorava por tudo e por nada. Um desperdício, nos tempos que correm...
P.S. - Gramático era o que me chamava o Empregado do Arquivo quando, por azar, calhávamos no mesmo autocarro. O Empregado do Arquivo, assim autodenominado, meu camarada de Primeiro de Janeiro, morava, se não me engano, no Hospital Conde Ferreira, dava três voltas sobre si próprio antes de cruzar a porta do jornal, em Santa Catarina, e era filho do poeta Alberto Serpa, que lhe batia em público. Na próxima aula abordaremos as concomitâncias e respectivas adjacências da palavra pilão. Até lá.
Cautela e caldo de galinha...
Nunca levantava o pé direito sem ter a certeza de que tinha o pé esquerdo no chão. Assim andava Prudêncio.
Agora a sério
A Graça é de rir...
Palavra do senhor
Evangelista era um implacável porém monótono contador de histórias. Começava sempre: - Naquele tempo...
Que seca!
Madalena chorava por tudo e por nada. Um desperdício, nos tempos que correm...
Jorge Barbosa
Poema do Mar
O drama do Mar,
o desassossego do Mar,
sempre
sempre
dentro de nós!
O Mar!
cercando
prendendo as nossas Ilhas,
desgastando as rochas das nossas Ilhas!
Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores,
roncando nas areias das nossas praias,
batendo a sua voz de encontro aos montes,
baloiçando os barquinhos de pau que vão por estas costas...
O Mar!
pondo rezas nos lábios,
deixando nos olhos dos que ficaram
a nostalgia resignada de países distantes
que chegam até nós nas estampas das ilustrações
nas fitas de cinema
e nesse ar de outros climas que trazem os passageiros
quando desembarcam para ver a pobreza da terra!
O Mar!
a esperança na carta de longe
que talvez não chegue mais!...
O Mar!
saudades dos velhos marinheiros contando histórias de tempos passados,
histórias da baleia que uma vez virou a canoa...
de bebedeiras, de rixas, de mulheres, nos portos estrangeiros...
O Mar! dentro de nós todos,
no canto da Morna,
no corpo das raparigas morenas,
nas coxas ágeis das pretas,
no desejo da viagem que fica em sonhos de muita gente!
Este convite de toda a hora
que o Mar nos faz para a evasão!
Este desespero de querer partir
e ter que ficar!
"Ambiente", Jorge Barbosa
(Jorge Barbosa nasceu no dia 22 de Maio de 1902. Morreu em 1971.)
O drama do Mar,
o desassossego do Mar,
sempre
sempre
dentro de nós!
O Mar!
cercando
prendendo as nossas Ilhas,
desgastando as rochas das nossas Ilhas!
Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores,
roncando nas areias das nossas praias,
batendo a sua voz de encontro aos montes,
baloiçando os barquinhos de pau que vão por estas costas...
O Mar!
pondo rezas nos lábios,
deixando nos olhos dos que ficaram
a nostalgia resignada de países distantes
que chegam até nós nas estampas das ilustrações
nas fitas de cinema
e nesse ar de outros climas que trazem os passageiros
quando desembarcam para ver a pobreza da terra!
O Mar!
a esperança na carta de longe
que talvez não chegue mais!...
O Mar!
saudades dos velhos marinheiros contando histórias de tempos passados,
histórias da baleia que uma vez virou a canoa...
de bebedeiras, de rixas, de mulheres, nos portos estrangeiros...
O Mar! dentro de nós todos,
no canto da Morna,
no corpo das raparigas morenas,
nas coxas ágeis das pretas,
no desejo da viagem que fica em sonhos de muita gente!
Este convite de toda a hora
que o Mar nos faz para a evasão!
Este desespero de querer partir
e ter que ficar!
"Ambiente", Jorge Barbosa
(Jorge Barbosa nasceu no dia 22 de Maio de 1902. Morreu em 1971.)
segunda-feira, 20 de maio de 2019
Olga Savary 2
A água
se enovela pelas pernas
em fio de vigor espiralado
sobre o ventre e o alto das coxas.
O orgasmo é quem mede forças
sem ter ímpeto contra a água.
(Olga Savary nasceu no dia 21 de Maio de 1933)
se enovela pelas pernas
em fio de vigor espiralado
sobre o ventre e o alto das coxas.
O orgasmo é quem mede forças
sem ter ímpeto contra a água.
Olga Savary
(Olga Savary nasceu no dia 21 de Maio de 1933)
Marcial Valladares 3
Dorido o peito
De suspirar
Triste, aburrido
De todo já
Neste mimoso
Garrido val
Apénas fago
Senon chorar:
¿Qué è de ti agora,
Meu ai ai ai?
(Marcial Valladares nasceu no dia 10 de Junho de 1821. Morreu no dia 20 de Maio de 1903.)
De suspirar
Triste, aburrido
De todo já
Neste mimoso
Garrido val
Apénas fago
Senon chorar:
¿Qué è de ti agora,
Meu ai ai ai?
Gustos, placeres,
Que a acibarar
D'ausencia ven
A tempestá,
Na mente vivos
De cote están,
Pois è imposible
Os sofocar.
¿Qué è de ti agora,
Meu ai ai ai?
Que a acibarar
D'ausencia ven
A tempestá,
Na mente vivos
De cote están,
Pois è imposible
Os sofocar.
¿Qué è de ti agora,
Meu ai ai ai?
[...]
Marcial Valladares
(Marcial Valladares nasceu no dia 10 de Junho de 1821. Morreu no dia 20 de Maio de 1903.)
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