Foto Hernâni Von Doellinger |
segunda-feira, 30 de abril de 2018
Otto Lara Resende 2
Sou jornalista, especialista em idéias gerais. Sei alguns minutos de muitos assuntos. E não sei nada.
"Otto Lara Resende: A Poeira da Glória", Otto Lara Resende
(Otto Lara Resende nasceu no dia 1 de Maio de 1922. Morreu em 1992.)
"Otto Lara Resende: A Poeira da Glória", Otto Lara Resende
(Otto Lara Resende nasceu no dia 1 de Maio de 1922. Morreu em 1992.)
José de Alencar 6
Refresca o vento.
O rulo das vagas precipita. O barco salta sobre as ondas; desaparece no horizonte. Abre-se a imensidade dos mares; e a borrasca enverga, como o condor, as foscas asas sobre o abismo.
Deus te leve a salvo, brioso e altivo barco, por entre as vagas revoltas, e te poje nalguma enseada amiga.
Soprem para ti as brandas auras; e para ti jaspeie a bonança mares de leite.
Enquanto vogas assim à discrição do vento, airoso barco, volva às brancas areias a saudade, que te acompanha, mas não se parte da terra onde revoa.
"Iracema", José de Alencar
(José de Alencar nasceu no dia 1 de Maio de 1829. Morreu em 1877.)
O rulo das vagas precipita. O barco salta sobre as ondas; desaparece no horizonte. Abre-se a imensidade dos mares; e a borrasca enverga, como o condor, as foscas asas sobre o abismo.
Deus te leve a salvo, brioso e altivo barco, por entre as vagas revoltas, e te poje nalguma enseada amiga.
Soprem para ti as brandas auras; e para ti jaspeie a bonança mares de leite.
Enquanto vogas assim à discrição do vento, airoso barco, volva às brancas areias a saudade, que te acompanha, mas não se parte da terra onde revoa.
"Iracema", José de Alencar
(José de Alencar nasceu no dia 1 de Maio de 1829. Morreu em 1877.)
Afonso Arinos 2
Mironga, vaqueiro meio maduro, era respeitado por sua justa fama e pelo conceito de que gozava junto ao patrão.
- Como ia dizendo, encostei a porteira ao batente e entrei sutil.
O pátio estava soturno. Nem viva alma. Isso no tempo das guerras bravas da era de quarenta e dois. Patrão velho andava amoitado. Amoitado é um modo de dizer, porque ele dormia, lá vez em quando, num rancho de palmito no meio do mato, mas zanzava de uma banda para outra o dia inteiro, sem perder de vista a casa do retiro onde estava a família. Eu não lhe deixava a costela: vivia rente com ele para o que desse e viesse, porque, Deus louvado, nunca me desprezou, e nós da família servimos até à morte a gente do patrão, isso desde meus velhos.
Quando entraram lá na cidade as forças do defunto coronel Joaquim Pimentel para agarrarem os rebeldes, patrão velho teve aviso. Ele era homem de opinião e não fugia assim com dois arrancos. E demais disso, a patroa estava chegadinha a ter menino, esse pedação de moço que vocês veem aqui hoje - Sô Neco.
"Pelo Sertão", Afonso Arinos
(Afonso Arinos nasceu no dia 1 de Maio de 1868. Morreu em 1916.)
- Como ia dizendo, encostei a porteira ao batente e entrei sutil.
O pátio estava soturno. Nem viva alma. Isso no tempo das guerras bravas da era de quarenta e dois. Patrão velho andava amoitado. Amoitado é um modo de dizer, porque ele dormia, lá vez em quando, num rancho de palmito no meio do mato, mas zanzava de uma banda para outra o dia inteiro, sem perder de vista a casa do retiro onde estava a família. Eu não lhe deixava a costela: vivia rente com ele para o que desse e viesse, porque, Deus louvado, nunca me desprezou, e nós da família servimos até à morte a gente do patrão, isso desde meus velhos.
Quando entraram lá na cidade as forças do defunto coronel Joaquim Pimentel para agarrarem os rebeldes, patrão velho teve aviso. Ele era homem de opinião e não fugia assim com dois arrancos. E demais disso, a patroa estava chegadinha a ter menino, esse pedação de moço que vocês veem aqui hoje - Sô Neco.
"Pelo Sertão", Afonso Arinos
(Afonso Arinos nasceu no dia 1 de Maio de 1868. Morreu em 1916.)
Feiras Francas de Fafe 2018
domingo, 29 de abril de 2018
Carlos Lacerda 2
Você não repare, a mulher hoje parece que está enfezada. Quando vai ferver roupa fica assim feito coisa que está chorando; mas não é choro não, que aqui em casa não se chora. Desgraça pouca é bobagem, não é mesmo? Pra que aumentar. Chorar desgraça é aumentar. Depois não é com choro que se arranja nada... Logo não adianta chorar. Veremos, como dizem os cegos.
"21 Contos Inéditos de Carlos Lacerda", Carlos Lacerda
(Carlos Lacerda nasceu no dia 30 de Abril de 1914. Morreu em 1977.)
"21 Contos Inéditos de Carlos Lacerda", Carlos Lacerda
(Carlos Lacerda nasceu no dia 30 de Abril de 1914. Morreu em 1977.)
Amador Montenegro 2
N-a incrusa
Renx'o o torno, resoa a campanilla,
Escóitase un vaguido:
Unha nai sin entranas abandona
N-aquél istante un fillo.
Fora, marcha antr'as sombras a esconderse
Aquela fera humana;
Drento, corre unha virxen candorosa
Y-ô tenro infante abraza.
¡Bendit'a nosa Fé que nunca deixa,
N-o mundo, abandonado,
Ô probe ser, a quén a nai infame
Privou d'o seu regazo!
"Muxenas", Amador Montenegro
(Amador Montenegro nasceu no dia 30 de Abril de 1864. Morreu em 1932.)
Renx'o o torno, resoa a campanilla,
Escóitase un vaguido:
Unha nai sin entranas abandona
N-aquél istante un fillo.
Fora, marcha antr'as sombras a esconderse
Aquela fera humana;
Drento, corre unha virxen candorosa
Y-ô tenro infante abraza.
¡Bendit'a nosa Fé que nunca deixa,
N-o mundo, abandonado,
Ô probe ser, a quén a nai infame
Privou d'o seu regazo!
"Muxenas", Amador Montenegro
(Amador Montenegro nasceu no dia 30 de Abril de 1864. Morreu em 1932.)
Alda do Espírito Santo 2
Ilha nua
Coqueiros e palmares da Terra Natal
Mar azul das ilhas perdidas na conjuntura dos séculos
Vegetação densa no horizonte imenso dos nossos sonhos.
Verdura, oceano, calor tropical
Gritando a sede imensa do salgado mar
No deserto paradoxal das praias humanas
Sedentas de espaço e de vida
Nos cantos amargos do ossobô
Anunciando o cair das chuvas
Varrendo de rijo a terra calcinada
Saturada do calor ardente
Mas faminta da irradiação humana
Ilhas paradoxais do Sul do Sará
Os desertos humanos clamam
Na floresta virgem
Dos teus destinos sem planuras…
"É Nosso o Solo Sagrado da Terra", Alda do Espírito Santo
(Alda do Espírito Santo nasceu no dia 30 de Abril de 1926. Morreu em 2010.)
Coqueiros e palmares da Terra Natal
Mar azul das ilhas perdidas na conjuntura dos séculos
Vegetação densa no horizonte imenso dos nossos sonhos.
Verdura, oceano, calor tropical
Gritando a sede imensa do salgado mar
No deserto paradoxal das praias humanas
Sedentas de espaço e de vida
Nos cantos amargos do ossobô
Anunciando o cair das chuvas
Varrendo de rijo a terra calcinada
Saturada do calor ardente
Mas faminta da irradiação humana
Ilhas paradoxais do Sul do Sará
Os desertos humanos clamam
Na floresta virgem
Dos teus destinos sem planuras…
"É Nosso o Solo Sagrado da Terra", Alda do Espírito Santo
(Alda do Espírito Santo nasceu no dia 30 de Abril de 1926. Morreu em 2010.)
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sábado, 28 de abril de 2018
As forças em Parada
As forças em Parada já não eram muitas. Felizmente depois foi sempre e descer...
Francisco Bandeira de Mello 2
A Murilo Mendes
Nos meus milhares de bolsos
eu tenho 203 candelabros
eu aceso eu sou uma multidão feérica
eu deitado sou o fantasma da loucura
e sempre diante da vida eu vivo fechado
para balanço.
Indiviso todas as conjuminâncias termonucleares
paro diante de uma sorveteria
ou de uma igreja presbítera
rezo um padre-nosso e tomo um sorvete de mangaba
às cinco em ponto abrirei a minha camisa esportiva
e recolherei as flores do aeroclube.
Agora, eu sou uma multidão férica.
Francisco Bandeira de Mello
(Francisco Bandeira de Mello nasceu no dia 29 de Abril de 1936. Morreu em 2011.)
Nos meus milhares de bolsos
eu tenho 203 candelabros
eu aceso eu sou uma multidão feérica
eu deitado sou o fantasma da loucura
e sempre diante da vida eu vivo fechado
para balanço.
Indiviso todas as conjuminâncias termonucleares
paro diante de uma sorveteria
ou de uma igreja presbítera
rezo um padre-nosso e tomo um sorvete de mangaba
às cinco em ponto abrirei a minha camisa esportiva
e recolherei as flores do aeroclube.
Agora, eu sou uma multidão férica.
Francisco Bandeira de Mello
(Francisco Bandeira de Mello nasceu no dia 29 de Abril de 1936. Morreu em 2011.)
João Penha 4
Cena de taberna
Vede-o, além, no esconso, à luz mortiça
Do velho lampadário que vacila!
No lábio tem o insulto, e na pupila
O raio ardente que as paixões atiça.
Vede-os, que são rivais! Fatal cobiça
Violenta os arrancou à paz tranquila,
E no rude brigar, que os aniquila,
Já tingem de vermelho o chão e a liça!
- "Acima o canjirão!" - com voz acesa
Diz a mais fera na tremenda luta,
"Acima!" - e pousa-o sobre a mesa.
Mas, vendo soçobrar a massa bruta
Do insolente rival, dos vinhos presa:
- "Venci! diz vomitando; é minha a truta!"
"Rimas", João Penha
(João Penha nasceu no dia 29 de Abril de 1838. Morreu em 1919.)
Vede-o, além, no esconso, à luz mortiça
Do velho lampadário que vacila!
No lábio tem o insulto, e na pupila
O raio ardente que as paixões atiça.
Vede-os, que são rivais! Fatal cobiça
Violenta os arrancou à paz tranquila,
E no rude brigar, que os aniquila,
Já tingem de vermelho o chão e a liça!
- "Acima o canjirão!" - com voz acesa
Diz a mais fera na tremenda luta,
"Acima!" - e pousa-o sobre a mesa.
Mas, vendo soçobrar a massa bruta
Do insolente rival, dos vinhos presa:
- "Venci! diz vomitando; é minha a truta!"
"Rimas", João Penha
(João Penha nasceu no dia 29 de Abril de 1838. Morreu em 1919.)
Jaime Cortesão 6
A borboleta
Filha da larva que o Inverno hostil
Gelou numa dureza concentrada
Ao aquecer do flavo Sol d'Abril
Surgiu de forma leve e curva alada.
Íris que voa, aspiração subtil
Da flor que quis ser ave, e transformada
Libra no ar a pétala gentil,
Asa da cor, paleta iridiada,
Poisa tão breve que se um sopro a agita
Ergue-se a bambolina num fulgor...
Aflora os lábios duma margarita.
Abrindo manchas, vai de flor em flor,
Flutua, anseia, embala-se e palpita...
Como um bailado trémulo da cor.
Filha da larva que o Inverno hostil
Gelou numa dureza concentrada
Ao aquecer do flavo Sol d'Abril
Surgiu de forma leve e curva alada.
Íris que voa, aspiração subtil
Da flor que quis ser ave, e transformada
Libra no ar a pétala gentil,
Asa da cor, paleta iridiada,
Poisa tão breve que se um sopro a agita
Ergue-se a bambolina num fulgor...
Aflora os lábios duma margarita.
Abrindo manchas, vai de flor em flor,
Flutua, anseia, embala-se e palpita...
Como um bailado trémulo da cor.
Jaime Cortesão
(Jaime Cortesão nasceu no dia 29 de Abril de 1884. Morreu em 1960.)
O reality show começou em Fafe
Foto Hernâni Von Doellinger |
Quando eu era mocico e a ambulância acudia a um desastre com a sirene em altos berros, as pessoas de Fafe corriam para as escadas do hospital. Ali se plantavam, esperavam, prognosticavam, diagnosticavam, e finalmente assistiam ao espectáculo. Ao vivo. Em casos mais graves e raros, assistiam também ao morto. As escadas do hospital eram um palco de desgraças e caldeirão de emoções, cenário de reality show sem que Portugal sequer soubesse o que isso viria a ser. Eram também muito jeitosas para tirar fotografias de grupo a casamentos, bombeiros em festa e bandas de música, palavra de honra. Eram, portanto, o sítio mais in da vila e só estorvavam naquilo em que deveriam melhor servir, que era carregar macas com feridos e doentes por ali acima ou por ali abaixo, às vezes de cangalhas até ao chão.
Mas o espectáculo. A ambulância saía e o povo corria. O bom do Senhor Ferreira via-se à rasca para manter na ordem aquela gente toda e tola que fazia guerra por um lugar na primeira fila, sobretudo mulheres afogueadas e gordas, com os socos e o coração nas mãos ou enrodilhados no avental arregaçado. Faço notar que não foi por distracção que escrevi "a" ambulância. O artigo definido é aqui propositado e certo, porque, naquele tempo, dará para acreditar?, os Bombeiros de Fafe tinham apenas uma ambulância, uma velha Skoda vermelha que regularmente ficava sem travões no meio das descidas. Pois, como dizia, as pessoas de Fafe corriam para as escadas do hospital e regalavam-se de braços decepados e orelhas arrancadas e narizes esborrachados e fémures a céu aberto e pés desfeitos e tripas de fora e miolos ao léu e espinhelas partidas e... - Foi tiro?, Foi facada?, Foi sachola?, Foi o home?, Foi a amante? Foi desastre?, Foi o vinho? E muitos Uis! e muitos Ais! e muitos Coitadinhos! e muitos Valha-nos Deus! Estavam ali no relambório, a dar água sem caneco e a benzer-se na direcção da Igreja Nova, mas sem perder pitada. Vampiros mirones, iam ao sangue, queriam sobretudo molhanga, muita, vermelha vermelha como a ambulância que chegava enfim, esbaforida e ganinte. Era um fartote! Uma comoção!...
Agora as pessoas não precisam de ir a correr para as escadas do hospital. Sentam-se em casa, ligam a televisão e vêem na CMTV.
P.S. - Fui a Fafe e verifiquei, com desgosto, que ainda há algumas árvores. Espero que a Câmara faça o que lhe compete: é cortá-las pela raiz, sem dó nem piedade, é queimar flores, sementes e plantas, para acabar de vez com a raça. As árvores são piores que javalis imaginários ou perdizes amestradas. E não fogem ao tiro. Viva a solução final e a Volta a Portugal! Fafe livre de árvores, já!
Pela calada da noite
Pela calada da noite falava a outra. A calada da noite era puta, mas muito envergonhada...
sexta-feira, 27 de abril de 2018
Poesias completas e praticamente reunidas (vol. VII)
Branco é
Branco é
galinha o põe
-te em guarda
nacional republicana
socialista e laica
dela
Um dia um grande homem
Escreveu
um dia um grande homem.
Leu em voz alta.
Gostou do que ouviu:
um dia um grande homem.
Há bar e bar
Bar Aço
Bar Afunda
Bar Afusta
Bar Alho
Bar Ão
Bar Atinado
Bar Ato
Bar Ba
Bar Bacã
Bar Bante
Bar Bárie
Bar Batana
Bar Bearia (ou cervejaria, em estrangeiro)
Bar Beita
Bar Bicacho
Bar Bichas (e outras idiossincrasias)
Bar Bitúrico
Bar Carola
Bar Cu
Bar Damerda
Bar Ítono
Bar Lavento
Bar Baquim
Bar Celos
Bar Bosa
Bar Dino
Bar Inho
Bar Isto
Bar Queiros
Bar Tinho (o constipado)
Bar Tolo
Bar Rabás
Bar Reiro
Bar Roso
Bar Aneante
Bar Boto
Bar Celete
Bar Demar
Bar Keley (recomendado pelo Prufeçor Dotôr Arkitéto Inginheiro Méstre vírgula Feliciano Bar Reiras Duarte).
Branco é
galinha o põe
-te em guarda
nacional republicana
socialista e laica
dela
Um dia um grande homem
Escreveu
um dia um grande homem.
Leu em voz alta.
Gostou do que ouviu:
um dia um grande homem.
Há bar e bar
Bar Aço
Bar Afunda
Bar Afusta
Bar Alho
Bar Ão
Bar Atinado
Bar Ato
Bar Ba
Bar Bacã
Bar Bante
Bar Bárie
Bar Batana
Bar Bearia (ou cervejaria, em estrangeiro)
Bar Beita
Bar Bicacho
Bar Bichas (e outras idiossincrasias)
Bar Bitúrico
Bar Carola
Bar Cu
Bar Damerda
Bar Ítono
Bar Lavento
Bar Baquim
Bar Celos
Bar Bosa
Bar Dino
Bar Inho
Bar Isto
Bar Queiros
Bar Tinho (o constipado)
Bar Tolo
Bar Rabás
Bar Reiro
Bar Roso
Bar Aneante
Bar Boto
Bar Celete
Bar Demar
Bar Keley (recomendado pelo Prufeçor Dotôr Arkitéto Inginheiro Méstre vírgula Feliciano Bar Reiras Duarte).
Alberto de Oliveira 5
A casa da Rua Abílio
A casa que foi minha, hoje é casa de Deus.
Traz no topo uma cruz. Ali vivi com os meus,
Ali nasceu meu filho; ali, só, na orfandade
Fiquei de um grande amor. Às vezes a cidade
Deixo e vou vê-la em meio aos altos muros seus.
Sai de lá uma prece, elevando-se aos céus;
São as freiras rezando. Entre os ferros da grade,
Espreitando o interior, olha a minha saudade.
Um sussurro também, como esse, em sons dispersos,
Ouvia não há muito a casa. Eram meus versos.
De alguns talvez ainda os ecos falarão,
E em seu surto, a buscar o eternamente belo,
Misturados à voz das monjas do Carmelo,
Subirão até Deus nas asas da oração.
"Poesias, 4.ª série", Alberto de Oliveira
(Alberto de Oliveira nasceu no dia 28 de Abril de 1857. Morreu em 1937.)
A casa que foi minha, hoje é casa de Deus.
Traz no topo uma cruz. Ali vivi com os meus,
Ali nasceu meu filho; ali, só, na orfandade
Fiquei de um grande amor. Às vezes a cidade
Deixo e vou vê-la em meio aos altos muros seus.
Sai de lá uma prece, elevando-se aos céus;
São as freiras rezando. Entre os ferros da grade,
Espreitando o interior, olha a minha saudade.
Um sussurro também, como esse, em sons dispersos,
Ouvia não há muito a casa. Eram meus versos.
De alguns talvez ainda os ecos falarão,
E em seu surto, a buscar o eternamente belo,
Misturados à voz das monjas do Carmelo,
Subirão até Deus nas asas da oração.
"Poesias, 4.ª série", Alberto de Oliveira
(Alberto de Oliveira nasceu no dia 28 de Abril de 1857. Morreu em 1937.)
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O Velho Lau e o Lausperene
Que fique assente de uma vez por todas: o Velho Lau e o Lausperene não são uma única e mesma pessoa, como muito boa gente cuida, e, aliás, Lausperene nem sequer é pessoa. O Lausperene, ou Sagrado Lausperene, é a exposição e adoração permanente do Santíssimo Sacramento nas igrejas ou capelas. O Velho Lau é Venceslau Fernandes, ex-ciclista realmente de longeva carreira e pai da triatleta Vanessa Fernandes, Velho porque ganhou a Volta a Portugal aos 39 anos e correu até aos 46, derivando talvez daí a compreensível confusão...
quinta-feira, 26 de abril de 2018
Microcontos & outras miudezas 82
Iniciação
Mandaram-no foder. Ele foi. E gostou muito...
O caguinchas e o chupista
Ora muito bem. O caguinchas é o cagarola, o não-se-astrebe, o medricas, o medroso, o merdoso, o maricas, o coninhas, o cobardolas, o caga-na-saquinha (cá está), o cagão, o varas-verdes, também o receoso, o temeroso, o fraco, o covarde ou o cobarde, mas esta parte já não tem piada nenhuma.
E o chupista? O chupista é o comedor, o parasita, o gosma, o chulo, o mamador, o mamão, o lambão, o sanguessuga, o rapador, o papa-jantares, o moina, o moinante, o chorinhas, o pedincha, o pedinchão, o videirinho, também o beberolas, o cachaceiro, o beberrão, o interesseiro, o extorsionário, o chantagista, o nosso banco, o oportunista ou o aproveitador, mas esta parte já não tem piada nenhuma.
Caguinchas e chupista. Feitios. Se estes dois desgraçados traços de carácter coincidirem numa mesma e única pessoa, então, consoante o feitio dominante, estaremos na presença de um chupinchas ou de um caguista...
P.S. - Chupiu era um tasco em Fafe, entre o Estádio e o Belinho, no gaveto do início do Picotalho com a Rua José Ribeiro Vieira de Castro, e evidentemente não tem nada a ver com isto.
Algo de pacífico
Havia algo de pacífico no que ele dizia. Ele dizia: - Oceano...
Leva cinco e pague seis
Era comprador compulsivo e fanático por promoções. Um relâmpago que entrava, escolhia, pagava e saía das grandes, pequenas e remediadas superfícies num abrir e fechar de olhos das câmaras de vigilância, que realmente nunca o viram. Acreditava que 13,99 são treze e não catorze. Se lhe aparecesse à frente "Leve cinco e pague seis", letreiro jeitoso em vermelho e amarelo, ele aproveitava logo...
Milagre
Muda aos cinco, falava aos dez...
Mandaram-no foder. Ele foi. E gostou muito...
O caguinchas e o chupista
Ora muito bem. O caguinchas é o cagarola, o não-se-astrebe, o medricas, o medroso, o merdoso, o maricas, o coninhas, o cobardolas, o caga-na-saquinha (cá está), o cagão, o varas-verdes, também o receoso, o temeroso, o fraco, o covarde ou o cobarde, mas esta parte já não tem piada nenhuma.
E o chupista? O chupista é o comedor, o parasita, o gosma, o chulo, o mamador, o mamão, o lambão, o sanguessuga, o rapador, o papa-jantares, o moina, o moinante, o chorinhas, o pedincha, o pedinchão, o videirinho, também o beberolas, o cachaceiro, o beberrão, o interesseiro, o extorsionário, o chantagista, o nosso banco, o oportunista ou o aproveitador, mas esta parte já não tem piada nenhuma.
Caguinchas e chupista. Feitios. Se estes dois desgraçados traços de carácter coincidirem numa mesma e única pessoa, então, consoante o feitio dominante, estaremos na presença de um chupinchas ou de um caguista...
P.S. - Chupiu era um tasco em Fafe, entre o Estádio e o Belinho, no gaveto do início do Picotalho com a Rua José Ribeiro Vieira de Castro, e evidentemente não tem nada a ver com isto.
Algo de pacífico
Havia algo de pacífico no que ele dizia. Ele dizia: - Oceano...
Leva cinco e pague seis
Era comprador compulsivo e fanático por promoções. Um relâmpago que entrava, escolhia, pagava e saía das grandes, pequenas e remediadas superfícies num abrir e fechar de olhos das câmaras de vigilância, que realmente nunca o viram. Acreditava que 13,99 são treze e não catorze. Se lhe aparecesse à frente "Leve cinco e pague seis", letreiro jeitoso em vermelho e amarelo, ele aproveitava logo...
Milagre
Muda aos cinco, falava aos dez...
Cassiano Nunes 2
Individual
(Cassiano Nunes nasceu no dia 27 de Abril de 1921. Morreu em 2007.)
Alegria de ver
a primeira margarida
despontar
em meu jardim
(apenas um canteiro).
Flora da propriedade.
Flor da poesia.
Todas as flores são particulares.
Segredam intimidade
sob o sol coletivo.
"Jornada Lírica", Cassiano Nunesa primeira margarida
despontar
em meu jardim
(apenas um canteiro).
Flora da propriedade.
Flor da poesia.
Todas as flores são particulares.
Segredam intimidade
sob o sol coletivo.
(Cassiano Nunes nasceu no dia 27 de Abril de 1921. Morreu em 2007.)
quarta-feira, 25 de abril de 2018
Godofredo Filho 2
Soneto do vinho Moscatel
Incende-se-me o cálice ao Favaios.
Ó gosto exato. Ó mais adamantino
conceito de sabor, no superfino
amor de amar seu corpo em outros Maios.
No entanto, só dezembro com Favaios:
O aroma, a cor, a luz do sol a pino.
É vinho de ferver o nosso tino
ou de exsurgir alguém de seus desmaios.
Mas o fulgor serena: a mansidão
dulcíflua carícia filiformes
papilas rubras e as calciformes.
Contigo, o céu mais perto; a lassidão
azul do sono; e um beijo, que não mente,
sobre os lábios da tarde, ardentemente.
"Sete Sonetos do Vinho", Godofredo Filho
(Godofredo Filho nasceu no dia 26 de Abril de 1904. Morreu em 1992.)
Incende-se-me o cálice ao Favaios.
Ó gosto exato. Ó mais adamantino
conceito de sabor, no superfino
amor de amar seu corpo em outros Maios.
No entanto, só dezembro com Favaios:
O aroma, a cor, a luz do sol a pino.
É vinho de ferver o nosso tino
ou de exsurgir alguém de seus desmaios.
Mas o fulgor serena: a mansidão
dulcíflua carícia filiformes
papilas rubras e as calciformes.
Contigo, o céu mais perto; a lassidão
azul do sono; e um beijo, que não mente,
sobre os lábios da tarde, ardentemente.
"Sete Sonetos do Vinho", Godofredo Filho
(Godofredo Filho nasceu no dia 26 de Abril de 1904. Morreu em 1992.)
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Soneto do vinho Moscatel
Caetano da Costa Alegre 2
Eu e os passeantes
Passa um inglesa,
e logo acode,
toda supresa:
what black my God!
Se é espanhola,
a que me viu,
diz como rola:
que alto, Dios mio!
E, se é francesa:
ó quel beau negre!
Rindo para mim.
Se é portuguesa,
ó Costa Alegre!
Tens um atchim!
"Versos", Caetano da Costa Alegre
(Caetano da Costa Alegre nasceu no dia 26 de Abril de 1864. Morreu em 1890.)
Passa um inglesa,
e logo acode,
toda supresa:
what black my God!
Se é espanhola,
a que me viu,
diz como rola:
que alto, Dios mio!
E, se é francesa:
ó quel beau negre!
Rindo para mim.
Se é portuguesa,
ó Costa Alegre!
Tens um atchim!
"Versos", Caetano da Costa Alegre
(Caetano da Costa Alegre nasceu no dia 26 de Abril de 1864. Morreu em 1890.)
Algo de revolucionário
Havia algo de revolucionário no que ele dizia. Ele dizia: - À sombra duma azinheira...
terça-feira, 24 de abril de 2018
Poesias completas e praticamente reunidas (vol. VI)
Caso de polícia
Florbela Espanca
Pessoa
Guia de marcha
Esquerdo direito ope dois
Esquerdo direito ope dois
Esquerdo
Esquerdo
Esquerdo
Esquerdo direito ope dois
Esquerdo direito ope dois
Erdo
Erdo
Erdo
Um pinóquio, dois pinóquios, três pinóquios
Uma vez
eu fui a Itália
e trouxe um Pinóquio
ao meu filho
O Kiko cresceu e
uma vez
foi a Itália
e trouxe-me dois Pinóquios
Eu nunca mais fui a Itália
e, é claro, sinto-me em dívida
Eu morra aqui
Eu morra aqui se não é verdade
disse.
E morreu.
E era verdade.
A vida às vezes parece parva...
Florbela Espanca
Pessoa
Guia de marcha
Esquerdo direito ope dois
Esquerdo direito ope dois
Esquerdo
Esquerdo
Esquerdo
Esquerdo direito ope dois
Esquerdo direito ope dois
Erdo
Erdo
Erdo
Um pinóquio, dois pinóquios, três pinóquios
Uma vez
eu fui a Itália
e trouxe um Pinóquio
ao meu filho
O Kiko cresceu e
uma vez
foi a Itália
e trouxe-me dois Pinóquios
Eu nunca mais fui a Itália
e, é claro, sinto-me em dívida
Eu morra aqui
Eu morra aqui se não é verdade
disse.
E morreu.
E era verdade.
A vida às vezes parece parva...
José Ángel Valente 4
Amarelece acedo o tempo
e non hai tempo
para máis desdecir a morte.
Mariñeiro que levas
a barca do pasar,
na enxarcia a paxariña
inda di o seu cantar.
Escóitoa alen do tempo.
"Cántigas de Alén", José Ángel Valente
(José Ángel Valente nasceu no dia 25 de Abril de 1919. Morreu em 2000.)
e non hai tempo
para máis desdecir a morte.
Mariñeiro que levas
a barca do pasar,
na enxarcia a paxariña
inda di o seu cantar.
Escóitoa alen do tempo.
"Cántigas de Alén", José Ángel Valente
(José Ángel Valente nasceu no dia 25 de Abril de 1919. Morreu em 2000.)
Evaristo Martelo Paumán 2
A misíon dos bardos
Non direi á patria miña,
que as penas doída chora,
tristemente,
como ferida anduriña,
que non sal do niño fóra:
"Cala e sente".
Non lle direi: "outros días
agarda, no teu deserto
lar, mellores;
que inda terás alegrías
e fuxirán, sei de certo,
teus doores".
Non lle direi: "mira adiante,
pensa en Dios e ten fianza
no destino".
Direille que se levante,
que o fin, andando se alcanza
do camiño.
[...]
"Landras e Bayas", Evaristo Martelo Paumán
(Evaristo Martelo Paumán nasceu no dia 25 de Abril de 1853. Morreu em 1928.)
Non direi á patria miña,
que as penas doída chora,
tristemente,
como ferida anduriña,
que non sal do niño fóra:
"Cala e sente".
Non lle direi: "outros días
agarda, no teu deserto
lar, mellores;
que inda terás alegrías
e fuxirán, sei de certo,
teus doores".
Non lle direi: "mira adiante,
pensa en Dios e ten fianza
no destino".
Direille que se levante,
que o fin, andando se alcanza
do camiño.
[...]
"Landras e Bayas", Evaristo Martelo Paumán
(Evaristo Martelo Paumán nasceu no dia 25 de Abril de 1853. Morreu em 1928.)
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Urbano González Varela
¡Ela!
¡Non foi, non foi a lua,
non foi a diosa meiga,
albo cisne de neve,
vago craror das vívidas estrelas.
¡Non foi, non foi a lua!
¡Foi ela, foi ela!
Non foron as aladas
malencónicas lendas,
sereas como os lagos,
como os lumiares da verdad'eternas;
Non foron os delirios,
¡Foi ela, foi ela!
Zoar dos piñeirales,
arrulos d'a arboreda,
zongue-zongue dos ventos
entr'os brazos titans da carballeira,
¡non fúchedes vosoutros!
¡Foi ela, foi ela!
[...]
Urbano González Varela
(Urbano González Varela nasceu no dia 3 de Março de 1868. Morreu no dia 24 de Abril de 1906.)
¡Non foi, non foi a lua,
non foi a diosa meiga,
albo cisne de neve,
vago craror das vívidas estrelas.
¡Non foi, non foi a lua!
¡Foi ela, foi ela!
Non foron as aladas
malencónicas lendas,
sereas como os lagos,
como os lumiares da verdad'eternas;
Non foron os delirios,
¡Foi ela, foi ela!
Zoar dos piñeirales,
arrulos d'a arboreda,
zongue-zongue dos ventos
entr'os brazos titans da carballeira,
¡non fúchedes vosoutros!
¡Foi ela, foi ela!
[...]
Urbano González Varela
(Urbano González Varela nasceu no dia 3 de Março de 1868. Morreu no dia 24 de Abril de 1906.)
segunda-feira, 23 de abril de 2018
Benito Barros
Um dos meus eus reclama
a solidão absoluta.
A outra multidão em que me reparto
sabe a impraticabilidade do nada
e da primeira pessoa.
Faço-me árvore
sem raiz.
"Cemitério de Pipas", Benito Barros
(Benito Barros nasceu no dia 24 de Abril de 1957. Morreu em 2010.)
a solidão absoluta.
A outra multidão em que me reparto
sabe a impraticabilidade do nada
e da primeira pessoa.
Faço-me árvore
sem raiz.
"Cemitério de Pipas", Benito Barros
(Benito Barros nasceu no dia 24 de Abril de 1957. Morreu em 2010.)
Orides Fontela 2
Desafio
Contra as flores que vivo
contra os limites
contra a aparência a atenção pura
constrói um campo sem mais jardim
que a essência.
Orides Fontela
(Orides Fontela nasceu no dia 24 de Abril de 1940. Morreu em 1998.)
Contra as flores que vivo
contra os limites
contra a aparência a atenção pura
constrói um campo sem mais jardim
que a essência.
Orides Fontela
(Orides Fontela nasceu no dia 24 de Abril de 1940. Morreu em 1998.)
Ela viu um sapo
Uma vez ela viu um sapo e levou-o para casa. Beijou-o, beijou-o, beijou-o, mas o sapo continuou sapo. Deitou-o fora e comprou um grilo.
domingo, 22 de abril de 2018
Jorge de Lima 4
Mulher proletária
Mulher proletária - única fábrica
que o operário tem, (fabrica filhos)
tu
na tua superprodução de máquina humana
forneces anjos para o Senhor Jesus,
forneces braços para o senhor burguês.
Mulher proletária,
o operário, teu proprietário
há de ver, há de ver:
a tua produção,
a tua superprodução,
ao contrário das máquinas burguesas
salvar o teu proprietário.
Mulher proletária - única fábrica
que o operário tem, (fabrica filhos)
tu
na tua superprodução de máquina humana
forneces anjos para o Senhor Jesus,
forneces braços para o senhor burguês.
Mulher proletária,
o operário, teu proprietário
há de ver, há de ver:
a tua produção,
a tua superprodução,
ao contrário das máquinas burguesas
salvar o teu proprietário.
Jorge de Lima
(Jorge de Lima nasceu no dia 23 de Abril de 1893. Morreu em 1953.)
Valentín Paz-Andrade 6
Noso Alexandre, Mártir
Trinta e seis, trinta e seis, trinta e seis...
Taquicardia da historia d-unha imaxe
con pulsación esmorecida.
Trinta e seis, trinta e seis, trinta e seis...
Que ancho o peito teu para os balazos,
con curazón equidinnensioado,
alcoube pol-a idea frolecido.
Qué regueiro de folgo pra unha fé
por un agosto tráxico xiado,
ao despontar un día a mañanciña!
Trinta e seis, trinta e seis, trinta e seis...
Toda a xeografía da Galiza,
eiquí as aldeas, acolá as cibdades,
da minhota fronteira até Teixido,
da Curota ao Caurel,
alí cabía d-un costado a outro,
mapa do corazón comprometido,
augas, montanas, povos... que lavabas
cal loriga carnal do pensamento,
aquele da Galiza acriboada
ao cuspir os fusiles sobre tí.
Trinta e seis, trinta e seis, trinta e seis...
Sete cruces na tampa como escudo,
sete cruces e o calix do Grial,
tatuaxe azul dos símbolos amados,
unha terra a ceibar de alleas poutas.
unha xente a curar da praga exódica,
unha patria a facer.
Sete, catorce... tiros na Caeira,
contra un pino dos hinos de Pondal,
contra un pino de froumas a cair,
contra un pino de ponlas a chorar!
Trinta e seis, trinta e seis, trinta e seis...
E unha bandeira da Galiza a furto,
cadaleito a pechar,
pra o teu peito aquecer no máis alá!
Trinta e seis, trinta e seis, trinta e seis...
Taquicardia da historia d-unha imaxe
con pulsación esmorecida.
Trinta e seis, trinta e seis, trinta e seis...
Que ancho o peito teu para os balazos,
con curazón equidinnensioado,
alcoube pol-a idea frolecido.
Qué regueiro de folgo pra unha fé
por un agosto tráxico xiado,
ao despontar un día a mañanciña!
Trinta e seis, trinta e seis, trinta e seis...
Toda a xeografía da Galiza,
eiquí as aldeas, acolá as cibdades,
da minhota fronteira até Teixido,
da Curota ao Caurel,
alí cabía d-un costado a outro,
mapa do corazón comprometido,
augas, montanas, povos... que lavabas
cal loriga carnal do pensamento,
aquele da Galiza acriboada
ao cuspir os fusiles sobre tí.
Trinta e seis, trinta e seis, trinta e seis...
Sete cruces na tampa como escudo,
sete cruces e o calix do Grial,
tatuaxe azul dos símbolos amados,
unha terra a ceibar de alleas poutas.
unha xente a curar da praga exódica,
unha patria a facer.
Sete, catorce... tiros na Caeira,
contra un pino dos hinos de Pondal,
contra un pino de froumas a cair,
contra un pino de ponlas a chorar!
Trinta e seis, trinta e seis, trinta e seis...
E unha bandeira da Galiza a furto,
cadaleito a pechar,
pra o teu peito aquecer no máis alá!
"Cen Chaves de Sombra", Valentín Paz-Andrade
(Valentín Paz-Andrade nasceu no dia 23 de Abril de 1898. Morreu em 1987.)
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Valentín Paz-Andrade
Fernando Campos 3
De lá acolhem-te o sinal esperado e logo crepita no alto uma grande fogueira e por todas as torres se alumiam outras e nas praças e ruas principais e trapejam ao vento nos pontos elevados infindas bandeiras e estoiram bombardas e mais tiros de fogo, estralejam foguetes, trombeteiam tubas e estrondeiam tambores no ressoar de charamelas e sacabuxas e repicam os sinos e o povo alvoraçado sai de casa e com a alegria da novidade enramava janelas, varandas, o chão de giestas e piornos e clamava e gritava cada um para se fazer ouvir no meio do arroído e cantavam e dançavam e folgavam velhos e novos enquanto tu com os teus entravas na sé a rezar...
"A Esmeralda Partida", Fernando Campos
(Fernando Campos nasceu no dia 23 de Abril de 1924. Morreu em 2017.)
"A Esmeralda Partida", Fernando Campos
(Fernando Campos nasceu no dia 23 de Abril de 1924. Morreu em 2017.)
Baltasar Lopes 2
Filho
Nicolau, menino, entra.
Onde estiveste, Nicolau,
que trazes a arrastar
o teu brinquedo morto?
Nicolau, menino, entra.
Vem dizer-me onde foi que tu estiveste
e a estrela fugiu das tuas mãos.
Tens comigo o teu catre de lona velha.
Deita-te, Nicolau, o fantasma ficou lá longe.
Dorme sem medo.
Porão, roça, medos imediatos,
tudo ficou lá longe.
Quando acordares a jornada será mais longa.
Nicolau, menino,
onde foi que deixaste
o corpo que te conheci?
Deus há-de querer que o sono te venha depressa
no meu catre.
Nicolau, menino, entra.
Onde estiveste, Nicolau,
que trazes a arrastar
o teu brinquedo morto?
Nicolau, menino, entra.
Vem dizer-me onde foi que tu estiveste
e a estrela fugiu das tuas mãos.
Tens comigo o teu catre de lona velha.
Deita-te, Nicolau, o fantasma ficou lá longe.
Dorme sem medo.
Porão, roça, medos imediatos,
tudo ficou lá longe.
Quando acordares a jornada será mais longa.
Nicolau, menino,
onde foi que deixaste
o corpo que te conheci?
Deus há-de querer que o sono te venha depressa
no meu catre.
Baltasar Lopes
(Baltasar Lopes, que também assinava Osvaldo Alcântara, nasceu no dia 23 de Abril de 1907. Morreu em 1989.)
Dezassete magníficos e um infiltrado
Já restavam poucos, cada vez menos, mas juntavam-se ano após ano, vindos do país inteiro: o Aguiar da Beira, o Ferreira do Alentejo, o Vieira do Minho, o Miranda do Douro, o Castanheira do Ribatejo, o Costa da Caparica, o Nogueira da Maia, o Oliveira de Azeméis, o Vale de Cambra, o Canas de Senhorim, o Leça da Palmeira, o Figueira de Castelo Rodrigo, o Freixo de Numão, o Sobral de Monte Agraço, o Lajes do Pico, o Santiago do Cacém, o Vila Nova de Cerveira e o Antunes de Pevidém, que nem sequer foi à tropa e ninguém sabe como é que começou a aparecer...
sábado, 21 de abril de 2018
Ruy Duarte de Carvalho
Venho de um sul
Vim ao leste
dimensionar a noite
em gestos largos
que inventei no sul
pastoreando mulolas e anharas
claras
como coxas recordadas em Maio.
Venho de um sul
medido claramente
em transparência de água fresca de amanhã.
De um tempo circular
liberto de estações.
De uma nação de corpos transumantes
confundidos
na cor da crosta acúlea
de um negro chão elaborado em brasa.
Ruy Duarte de Carvalho
(Ruy Duarte de Carvalho nasceu no dia 22 de Abril de 1941. Morreu em 2010.)
Vim ao leste
dimensionar a noite
em gestos largos
que inventei no sul
pastoreando mulolas e anharas
claras
como coxas recordadas em Maio.
Venho de um sul
medido claramente
em transparência de água fresca de amanhã.
De um tempo circular
liberto de estações.
De uma nação de corpos transumantes
confundidos
na cor da crosta acúlea
de um negro chão elaborado em brasa.
Ruy Duarte de Carvalho
(Ruy Duarte de Carvalho nasceu no dia 22 de Abril de 1941. Morreu em 2010.)
Victoriano Taibo 4
Ríte!
Ajuda-te ben, mociño, qu'a mocidade é moi corta,
aprovéita-te da vida, divérte-te o mais que póidas,
que te non coute a tristura n'esa idáde venturosa,
ri-te moito, rí de cote, longe de ti a dór ajota,
vái a trullas e romajes, algarea, runfla, chouta,
rua a feito, canta, atruja, campa nas festas e troulas,
s'hai gaita vái ao turreiro, luita c'as mozas s'hai mozas,
non perdas baila nin trisca, espadela nin esfolla
Que namentras ti souril borreas, trunfas e gozas
a tua terra, a dos teus,
leixada chora!
Por un camiño de seijos, abaifada e soedosa,
vai arrastrando os grilons da cadea qu'a aprisiona.
Por ajuda leva o escarnio, e de compañeira, a mofa;
a oscuridade de guía, e de cortejo qu'a honora,
unha manada de dogos c'os instintos da raposa, sempre c'os dentes chantados
na sua honra.
Por roupa viste o fatelo de farrapos que lle donan,
pois todo o que ten de seu é d'esmola.
Derrubaronlle o casal, i-ao achar, ja vente ou chova,
saudosa vai mundo adiante,
de porta en porta.
N'hai quen lle bote unha mao, n'hai quen do seu mal se doia,
qu'inda os que se chaman seus da mesma mai s'avergonzan.
Son eles os que sosteñen o cepo en qu'á Terra inmolan!
Son eles, fillos escuros,
os que ignoran
de quen é a lus do sangue que nas suas veas chouta!
Son eles, coraçós féridos,
os que afogan
os berros de libertade que saen da sua gorja.
Eis tua mai, mozo das festas.
Agora...
Non perdas baila nin trisca, espadela nin esfolla,
que te non coute a tristura n'esa idade venturosa,
rí de cote, ríte a feito,
Ríte, idiota!
Victoriano Taibo
(Victoriano Taibo nasceu no dia 22 de Abril de 1885. Morreu em 1966.)
Ajuda-te ben, mociño, qu'a mocidade é moi corta,
aprovéita-te da vida, divérte-te o mais que póidas,
que te non coute a tristura n'esa idáde venturosa,
ri-te moito, rí de cote, longe de ti a dór ajota,
vái a trullas e romajes, algarea, runfla, chouta,
rua a feito, canta, atruja, campa nas festas e troulas,
s'hai gaita vái ao turreiro, luita c'as mozas s'hai mozas,
non perdas baila nin trisca, espadela nin esfolla
Que namentras ti souril borreas, trunfas e gozas
a tua terra, a dos teus,
leixada chora!
Por un camiño de seijos, abaifada e soedosa,
vai arrastrando os grilons da cadea qu'a aprisiona.
Por ajuda leva o escarnio, e de compañeira, a mofa;
a oscuridade de guía, e de cortejo qu'a honora,
unha manada de dogos c'os instintos da raposa, sempre c'os dentes chantados
na sua honra.
Por roupa viste o fatelo de farrapos que lle donan,
pois todo o que ten de seu é d'esmola.
Derrubaronlle o casal, i-ao achar, ja vente ou chova,
saudosa vai mundo adiante,
de porta en porta.
N'hai quen lle bote unha mao, n'hai quen do seu mal se doia,
qu'inda os que se chaman seus da mesma mai s'avergonzan.
Son eles os que sosteñen o cepo en qu'á Terra inmolan!
Son eles, fillos escuros,
os que ignoran
de quen é a lus do sangue que nas suas veas chouta!
Son eles, coraçós féridos,
os que afogan
os berros de libertade que saen da sua gorja.
Eis tua mai, mozo das festas.
Agora...
Non perdas baila nin trisca, espadela nin esfolla,
que te non coute a tristura n'esa idade venturosa,
rí de cote, ríte a feito,
Ríte, idiota!
Victoriano Taibo
(Victoriano Taibo nasceu no dia 22 de Abril de 1885. Morreu em 1966.)
sexta-feira, 20 de abril de 2018
Microcontos & outras miudezas 81
Jacuzzi...!
Contra a injustiça e a mentira, o indignado escritor gritou: "Jacuzzi...!". E entrou para a história.
O miniaturista
Era um miniaturista sui generis: fazia miniaturas em tamanho real.
Às vezes mando passear o telemóvel
O meu mais recente telemóvel está equipado com aquela extraordinária e inutilíssima aplicação a que chamam "pedómetro", embora fosse melhor chamar-lhe "podómetro", mas a que eu chamo "contador de passos". Para ficar satisfeito como um tamagotchi, o contador precisa de dez mil passos diários - e então arrota. Que se segue: em dias de maior preguiça, peço ao meu filho que me leve o telemóvel a dar uma volta...
A pergunta da moda
- Tem sumos naturais?
- Naturalmente.
- Era um copo de tinto, se faz favor...
A gozona
- Tem sumo de tomate?
- Mas com certeza, minha senhora...
- E os espermatozóides, safam-se?...
Love is in the air
Parzinho de namorados. Romântico e fumador. O rapaz dá uma passa no respectivo cigarro e a seguir lança ao ar uma imensa nuvem de fumo. A rapariga dá uma passa no respectivo cigarro e a seguir o rapaz lança ao ar uma imensa nuvem de fumo. O que é extraordinário.
Eu morra aqui
"Eu morra aqui se não é verdade", disse. E morreu. E era verdade. A vida às vezes parece parva...
Contra a injustiça e a mentira, o indignado escritor gritou: "Jacuzzi...!". E entrou para a história.
O miniaturista
Era um miniaturista sui generis: fazia miniaturas em tamanho real.
Às vezes mando passear o telemóvel
O meu mais recente telemóvel está equipado com aquela extraordinária e inutilíssima aplicação a que chamam "pedómetro", embora fosse melhor chamar-lhe "podómetro", mas a que eu chamo "contador de passos". Para ficar satisfeito como um tamagotchi, o contador precisa de dez mil passos diários - e então arrota. Que se segue: em dias de maior preguiça, peço ao meu filho que me leve o telemóvel a dar uma volta...
A pergunta da moda
- Tem sumos naturais?
- Naturalmente.
- Era um copo de tinto, se faz favor...
A gozona
- Tem sumo de tomate?
- Mas com certeza, minha senhora...
- E os espermatozóides, safam-se?...
Love is in the air
Parzinho de namorados. Romântico e fumador. O rapaz dá uma passa no respectivo cigarro e a seguir lança ao ar uma imensa nuvem de fumo. A rapariga dá uma passa no respectivo cigarro e a seguir o rapaz lança ao ar uma imensa nuvem de fumo. O que é extraordinário.
Eu morra aqui
"Eu morra aqui se não é verdade", disse. E morreu. E era verdade. A vida às vezes parece parva...
Hilda Hilst 6
Ó conas e caralhos, cuidai-vos! Clódia anda pelas ruas, pelas avenidas,
olhando sempre abaixo de vossas cinturas! Cuidai-vos, adolescentes,
machos, fêmeas, lolitas-velhas! Colocai vossas mãos sobre as genitálias!
A leoa faminta caminha vagarosa, dourada, a úmida língua nas beiçolas
claras! Os dentes, agulhas de marfim, plantados nas gengivas luzentes!
Cáustica, Clódia atravessa ruas, avenidas e brilhosas calçadas. Ó, pelos
deuses, adentrai vossas urnas de basalto porque a leoa ronda vossas
salas e quartos! Quer lamber-vos a cona, quer adestrar caralhos, quer o
néctar augusto de vagina e falo! Centuriões, moçoilos, guerreiros,
senadores, atentai! Uma leoa persegue tudo o que é vivo mole incha e
cresce! Trançai vossas pernas, trançai vossas mãos atentas sobre as
partes pudendas! Não temais a vergonha de andar pelas ruas em torcidas
posturas, pois Clódia está nas ruas!
"Contos D'Escárnio - Textos Grotescos", Hilda Hilst
(Hilda Hilst nasceu no dia 21 de Abril de 1930. Morreu em 2004.)
"Contos D'Escárnio - Textos Grotescos", Hilda Hilst
(Hilda Hilst nasceu no dia 21 de Abril de 1930. Morreu em 2004.)
Caso de polícia
Florbela Espanca
Pessoa
Pessoa
quinta-feira, 19 de abril de 2018
Rosa Lobato de Faria 6
Conheço esse sentimento
Conheço esse sentimento
que é como a cerejeira
quando está carregada de frutos:
excessivo peso para os ramos da alma.
Conheço esse sentimento
que é o da orla da praia
lambida pela espuma da maré:
quando o mar se retira
as conchas são pequenas saudades
que doem no coração da areia.
Conheço esse sentimento
que é o dos cabelos do salgueiro
revoltos pelas mãos ágeis da tempestade:
na hora quieta do amanhecer
pendem-lhe tristemente os braços
vazios do amado corpo do vento.
Conheço esse sentimento
que passa nos teus olhos e nos meus
quando de mãos dadas
ouvimos o Requiem de Mozart
ou visitamos a nave de Alcobaça.
Pedro e Inês
a praia e a maré
o salgueiro e o vento
a verdade e o sonho
o amor e a morte
o pó das cerejeiras
tu.
e eu.
Conheço esse sentimento
que é como a cerejeira
quando está carregada de frutos:
excessivo peso para os ramos da alma.
Conheço esse sentimento
que é o da orla da praia
lambida pela espuma da maré:
quando o mar se retira
as conchas são pequenas saudades
que doem no coração da areia.
Conheço esse sentimento
que é o dos cabelos do salgueiro
revoltos pelas mãos ágeis da tempestade:
na hora quieta do amanhecer
pendem-lhe tristemente os braços
vazios do amado corpo do vento.
Conheço esse sentimento
que passa nos teus olhos e nos meus
quando de mãos dadas
ouvimos o Requiem de Mozart
ou visitamos a nave de Alcobaça.
Pedro e Inês
a praia e a maré
o salgueiro e o vento
a verdade e o sonho
o amor e a morte
o pó das cerejeiras
tu.
e eu.
"Dispersos", Rosa Lobato de Faria
(Rosa Lobato de Faria nasceu no dia 20 de Abril de 1932. Morreu em 2010.)
Augusto dos Anjos 5
Versos de amor
Parece muito doce aquela cana.
Descasco-a, provo-a, chupo-a... ilusão treda!
O amor, poeta, é como a cana azeda,
A toda a boca que o não prova engana.
Quis saber que era o amor, por experiência,
E hoje que, enfim, conheço o seu conteúdo,
Pudera eu ter, eu que idolatro o estudo,
Todas as ciências menos esta ciência!
Certo, este o amor não é que, em ânsias, amo
Mas certo, o egoísta amor este é que acinte
Amas, oposto a mim. Por conseguinte
Chamas amor aquilo que eu não chamo.
Oposto ideal ao meu ideal conservas.
Diverso é, pois, o ponto outro de vista
Consoante o qual, observo o amor, do egoísta
Modo de ver, consoante o qual, o observas.
Porque o amor, tal como eu o estou amando,
É espírito, é éter, é substância fluida,
É assim como o ar que a gente pega e cuida,
Cuida, entretanto, não o estar pegando!
É a transubstanciação de instintos rudes,
Imponderabilíssima e impalpável,
Que anda acima da carne miserável
Como anda a garça acima dos açudes!
Para reproduzir tal sentimento
Daqui por diante, atenta a orelha cauta,
Como Marsias - o inventor da flauta -
Vou inventar também outro instrumento!
Mas de tal arte e espécie tal fazê-lo
Ambiciono, que o idioma em que te eu falo
Possam todas as línguas decliná-lo
Possam todos os homens compreendê-lo!
Para que, enfim, chegando à última calma
Meu podre coração roto não role,
Integralmente desfibrado e mole,
Como um saco vazio dentro d’alma!
"Eu e Outras Poesias", Augusto dos Anjos
(Augusto dos Anjos nasceu no dia 20 de Abril de 1884. Morreu em 1914.)
Parece muito doce aquela cana.
Descasco-a, provo-a, chupo-a... ilusão treda!
O amor, poeta, é como a cana azeda,
A toda a boca que o não prova engana.
Quis saber que era o amor, por experiência,
E hoje que, enfim, conheço o seu conteúdo,
Pudera eu ter, eu que idolatro o estudo,
Todas as ciências menos esta ciência!
Certo, este o amor não é que, em ânsias, amo
Mas certo, o egoísta amor este é que acinte
Amas, oposto a mim. Por conseguinte
Chamas amor aquilo que eu não chamo.
Oposto ideal ao meu ideal conservas.
Diverso é, pois, o ponto outro de vista
Consoante o qual, observo o amor, do egoísta
Modo de ver, consoante o qual, o observas.
Porque o amor, tal como eu o estou amando,
É espírito, é éter, é substância fluida,
É assim como o ar que a gente pega e cuida,
Cuida, entretanto, não o estar pegando!
É a transubstanciação de instintos rudes,
Imponderabilíssima e impalpável,
Que anda acima da carne miserável
Como anda a garça acima dos açudes!
Para reproduzir tal sentimento
Daqui por diante, atenta a orelha cauta,
Como Marsias - o inventor da flauta -
Vou inventar também outro instrumento!
Mas de tal arte e espécie tal fazê-lo
Ambiciono, que o idioma em que te eu falo
Possam todas as línguas decliná-lo
Possam todos os homens compreendê-lo!
Para que, enfim, chegando à última calma
Meu podre coração roto não role,
Integralmente desfibrado e mole,
Como um saco vazio dentro d’alma!
"Eu e Outras Poesias", Augusto dos Anjos
(Augusto dos Anjos nasceu no dia 20 de Abril de 1884. Morreu em 1914.)
Nunes Claro 2
Colaborou comigo a Primavera,
Em tudo quanto há tempos te escrevia,
E são da rosa, do lilás, da hera,
Muitos dos versos que te dei um dia.
No meio de uma rima mais severa,
Mais intensa, ou mais cheia de harmonia,
Eu, quantas vezes, me fiquei à espera,
A ver como é que o Sol a acabaria?
As imagens mais altas e formosas
São dele, e são dos lírios mais das rosas,
Da luz da hora toda, em que te vi;
De modo que este amor lindo e distante
Foi o Sol, que te amou por um instante,
O mês de Maio que gostou de ti.
Nunes Claro
(Nunes Claro nasceu no dia 20 de Abril de 1878. Morreu em 1949.)
Em tudo quanto há tempos te escrevia,
E são da rosa, do lilás, da hera,
Muitos dos versos que te dei um dia.
No meio de uma rima mais severa,
Mais intensa, ou mais cheia de harmonia,
Eu, quantas vezes, me fiquei à espera,
A ver como é que o Sol a acabaria?
As imagens mais altas e formosas
São dele, e são dos lírios mais das rosas,
Da luz da hora toda, em que te vi;
De modo que este amor lindo e distante
Foi o Sol, que te amou por um instante,
O mês de Maio que gostou de ti.
Nunes Claro
(Nunes Claro nasceu no dia 20 de Abril de 1878. Morreu em 1949.)
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