Minha mãe e eu fomos pra rua. Pra comemorar a liberdade, minha mãe me embrulhou num chale, me largou na porta do puleiro da velha porca e se abilolou de vez. Meteu cachaça na caveira até transbordar pelas orelhas, ou até acabar a grana. Sei lá. O que sei é que, quando estava bem chapada de pinga, bebeu querosene. Foi pras picas. Mas devagar. Devagarinho. Saiu do boteco e foi cair na porta da igreja do Valongo. Custou paca pra ir pro beleléu. Ficou um cacetão de tempo no chão se contorcendo como uma minhoca. Gemia, chorava, vomitava, cagava, mijava, chamava por Deus, pelos santos, pedia por mim. Tinha um monte de gente vendo. Mas ninguém se doía. Ninguém chamou ambulância, nem porra nenhuma. Aqueles veados miseráveis eram todos surdos pra dor dos outros.
"Querô, Uma Reportagem Maldita", Plínio Marcos
(Plínio Marcos nasceu no dia 29 de Setembro de 1035. Morreu em 1999.)
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