Chegou depois Maio, terrível e admirável mês, e Hilário Barrelas ia logo de manhãzinha discorrer pela quinta, onde a cada passo a natureza patenteava seus laboratórios de integração e desintegração, sem o menor rebuço, era só deitar os olhos. Levava nos ombros os seus detestados sessenta anos. Contemplando umas coisas e outras, notou ele que má força misteriosa e criadora, tão surda como rítmica, procedendo a compasso, era contrabalançada por outra que actuava, igualmente às claras, com brusquidão inaudita e destrutiva por excelência. A vida, isso que se chama vida, não era mais que o momento de equilíbrio, efémero como abrir e cerrar as pálpebras, dos corpos organizados debaixo da acção combinada dessas forças. Todavia, esse momento ou parêntese representava no panorama universal, com a sua beleza e o seu drama, uma razão suficiente, por assim dizer, para valer a pena o mundo existir. E não deixava de ser espectáculo emocionante assistir às rápidas e estupendas mutações que se efectuavam no seio da natureza, de todo insensível, neutra e matéria de bem e de mal, sem privilégios de carinho para ninguém, embora dispensasse a uns seres prerrogativas que parecem obra de parcialidade. Nada estava parado. Um exemplo eloquente de como desapareciam as coisas à superfície da terra, em poucos anos, às vezes do pé para a mão, estava naquela Quinta do Espinheiro, registada ainda nas escrituras da arrematação de 1891-92 pelo avô Miguel Dantas.
"A Casa Grande de Romarigães", Aquilino Ribeiro
(Aquilino Ribeiro nasceu no dia 13 de Setembro de 1885. Morreu em 1963.)
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