Quando entrou em casa, na saleta habitual dos serões, o barão proferiu,
no tom frio e breve de quem se desobriga de um dever banal: - Boa noite, Vivi -, enquanto deixava cair maquinalmente um beijo nos crespos eriçados sobre a testa pequenina da baronesa, que lia com interesse Madame Bovary. Depois, logo a seguir, afundou-se pesadamente na macieza de um fauteuil.
- Boa noite... Então que tal? - retorquiu a baronesa, erguendo indolente
os olhos do livro e sorrindo para o marido com uma indiferença amável.
- Uma sensaboria... Não volto lá tão cedo. Bem fizeste tu em preferir
àquela palhaçada tão vista o conchego da tua casinha e a companhia leal
dos teus livros.
- Ah! e então que livro, este!... - exclamou a baronesa num profundo
acento admirativo, retomando com delícia a leitura interrompida.
- Gostas?
- Nunca li nada que me tocasse tanto! - e enovelou-se toda na cabeceira da chaise-longue,
uma das pernas dobrada, colhida graciosamente sob o tronco, num gesto
friorento de avezita; as mãos sobre o regaço, preguiçosas, deixando os
dedos jogar distraidamente com os anéis; as pupilas traçando num vaivém
rápido o paralelismo das linhas que iam devorando no livro, poisado
sobre uma mesinha baixa de charão.
- Sabes tu quem eu vi?... - tornou o barão, querendo armar conversa. - Os Paradelas.
Porém a baronesa, cortando logo:
- Sim, sim, mas deixa-me ler.
"O Barão de Lavos", Abel Botelho
(Abel Botelho nasceu no dia 23 de Setembro de 1854. Morreu em 1917.)
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