Uma vez era campanha eleitoral e saí do trabalho, em Santa Catarina, para apanhar o 37 nos Lóios. E quando cheguei aos Aliados, que é a meio caminho, esbarrei num enorme ajuntamento que rodeava e seguia um Carocha de tecto de abrir. Era muito povo, agitando bandeiras e gritando palavras de ordem tão desordenadas que eu não percebia o que as pessoas diziam. Aproximei-me, chamado pela curiosidade ou não sei por quê, furei pelo meio daquele fervor todo e consegui chegar ao carro. Quem é que lá estava de cabeça de fora e braço pré-presidencial em aceno à multidão? Mário Soares em pessoa. Era ele!
Eu fiquei a um metro do homem. E deixei-me ficar. O Volkswagen careca andava devagar. E eu deixei-me ir. Mas só percebi depois, muito depois. O cortejo desceu à Praça, subiu a Rua dos Clérigos, passou pelos Leões e pelo Hospital de Santo António, entrou na Rua D. Manuel II e quando dou fé Mário Soares está em frente ao Palácio de Cristal. O esquisito, o inexplicável, é que eu também lá estava. A um metro do homem. Eu fui atrás dele e não sabia.
Foi no ano de 1986 e é a história que eu costumo contar quando quero explicar o que é o carisma. Carisma é aquilo: aquele íman, aquele poder sobre as massas, mesmo sem abrir a boca, aquela força invisível que uns poucos têm de aglutinar e empolgar tudo e todos à sua volta, até a mim, que sou um cínico. Para se perceber melhor o meu ponto de vista, costumo recomendar também que se olhe para Cavaco Silva. Olhem bem! Estão a ver? Pois é: não tem, pois não?
João Paulo II é outro caso exemplar. Vamos esquecer os anos de atraso que o papa superstar deu à Igreja, a marcha-atrás que ele impôs à verdadeira linha inovadora saída do Concílio Vaticano II, e concentremo-nos apenas no poder impressionante que a figura de Wojtyla exercia sobre as multidões que o viam ao longe ou sobre aqueles que conseguiam aproximar-se dele. Um poder tão extraordinário que o vai transformar no primeiro turbossanto da milenar história do catolicismo. Um poder tão eucalíptico que eu acho que não habemus papam desde que o pontífice polaco morreu. A sério, eu ainda não reconheci Bento XVI, acho que ele não está lá, por mais que se esforce por estar. Falta-lhe qualquer coisa, que eu sei muito bem o que é. O carisma é assim: ou se tem ou não se tem.
Por isso é que eu digo que Vítor Pereira não tem futuro no FC Porto. E peço desculpa por esta descida tão brusca à terra, e ainda por cima ao futebol nacional, que descer mais era impossível. Vítor Pereira não tem o carisma de José Mourinho, o carisma de André Villas-Boas ou até o carisma de Jesualdo Ferreira. Lamentavelmente, também não tem o seu próprio carisma. E o carisma não se ensina nem se aprende. É um dom especial, inato, pessoal e intransmissível.
O actual técnico dos dragões é uma personalidade insegura, rígida, tensa, cinzenta, uma excelente pessoa. Falta-lhe a chama dos líderes, carece de umbigo. O treinador Vítor Pereira não é natural, não sorri, não ri, não cativa, não empolga, não leva ninguém com ele. Na hora da batalha final, vai olhar para trás, para as suas tropas, e estará sozinho.
Vítor Pereira poderá saber muito de futebol (já me disseram que sim), poderá ser um profissional sério e esforçado (acredito que é), poderá até ser campeão (Deus me ouça), mas é um mero entre parênteses no FC Porto.
Tem graça que, noutro dia, disse lá em casa uma coisa parecida (não tão bem escrita mentalmente, note-se) a respeito do VP. Basta-me aquela testa sempre encorrilhada nas conferências de imprensa para se ver que o à vontade não existe. E quando não há à vontade, ou naturalidade, em quem tantas vezes tem de dar a cara, a coisa não funciona.
ResponderEliminarAbraço,
P.
É pá, a coisa é mesmo grave. Entre a falta de carisma do funcionário do F.C. Porto e o excesso de beatitude do funcionário público que exerce actualmente o cargo de ministro das finanças (ainda há disso?) não sei qual será mais grave. E preocupo-me porque, entre estes dois dramas violentos, o povo português ainda vai ficar pior quanto ao que há-de fazer.
ResponderEliminarMas tudo terá um final feliz: esse excelso povo não fará nada, como habitualmente, e baterá palmas ao que for corrido primeiro. Também como habitualmente. E tão habitualmente como é habitual vira-se para a mulher e, com aquela ar habitual de quem sabe tudo, diz-lhe: «ó Maria, eu num te disse que o gajo ia de bela? Olha, chega-me aí o tinto...».
E a vida continuará, também como habitualmente.
M.Flórido
Se fosse norma cá no Tarrenego! pegar em comentários e fazê-los "mensagens", podia ser por aqui que começasse. Porque, creio, ficou tudo dito. Mas ainda não cheguei lá...
ResponderEliminarCaro P.,
ResponderEliminarSão as horas que são, passou-se o que se passou. Sabes o que me fode, meu bom amigo? É ter razão.
(atenção: agora vai ser fácil aparecerem dúzias de "portistas" da marca eu-já-tinha-dito...)
Jogo pobre, muito pobre, o discurso continua fraquinho, muito fraquinho, e até o Moutinho põe o dedo na ferida...
ResponderEliminarAbraço,
P.
Ainda bem que àquela hora eu estava distraído. E bastante distraído, por sinal...
ResponderEliminarAbraço.
Notei que sim...
ResponderEliminarja
Invejoso!
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