Se coras não conto
Tu queres que eu conte um sonho que tive
Não sei se acordado, não sei se a dormir?
Foi todo singelo, foi todo inocente:
Tu coras, sorriste, tens medo de ouvir?
Não cores, escuta, não fujas de mim,
Que o sonho foi sonho de casta paixão:
Já crês, não duvidas, verás como é lindo
O sonho inocente do meu coração:
Eu via em teus lábios um meigo sorriso,
Em tens olhos negros um terno mirar,
Teu seio de neve a arfar docemente,
Sentia nas faces o teu respirar.
E tu não falavas, mas eu entendia;
E tu não falavas, mas eu bem ouvi!
Amor! na minha alma a voz me dizia,
E um beijo na fronte não sei se o senti.
Já vês que o meu sonho foi sonho inocente;
O resto eu te conto; como hás-de gostar!
É todo singelo, de amores somente;
Verás que ao ouvi-lo não hás-de corar.
Depois apertando teu corpo flexível,
Cingindo teu colo no braço a tremer,
Ouvi uma fala, e o que ela dizia
Agora acordado não posso eu dizer.
Não posso contar-te, só pude senti-la;
Não posso contar-ta senão a sonhar:
No sonho inocente, no sonho de amores,
Do qual, duvidosa, julgavas corar.
Não posso contar-ta, nem sei se acordado
O que ela dizia se pode entender;
Eu sei que sonhando, pensei que era sonho,
E agora acordado a não posso esquecer.
Mas tu porque escondes a face corada?
Não tem nada o sonho que faça corar,
É todo singelo, é todo inocente;
Que importa um abraço, se é dado a sonhar?
Mas tu não te escondas, que eu fico em silêncio;
Não quero ofender-te a casta isenção;
Não torno a contar-te depois de acordado
O sonho inocente do meu coração.
Bulhão Pato
(Bulhão Pato nasceu no dia 3 de Março de 1828. Morreu em 1912.)
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