Tive a sorte de conhecer a Senhora Dona Laura Summavielle
mãe (1879-1971), uma mulher extraordinária que viveu uma vida muito à
frente do seu tempo. Tal como eu a via do alto dos meus oito, nove anos,
a matriarca da ínclita geração dos Summavielles era então uma velhinha
toda guicha, franzina e pândega. No tempo da ditadura fascista, a notável
senhora tinha uma curiosa brincadeira que apelava à interacção de Fafe
inteiro que lhe passasse por baixo da comprida sacada da casa da família,
na Rua Monsenhor Vieira de Castro, mesmo em frente ao Cinema. Fosse
quem fosse. Eu também não escapei à partida, mais do que uma vez, e com
muito gosto.
Comigo era assim: mal me via aproximar, a marota da Senhora Dona Laura, de lá de cima, dizia num falsete altivo porém educado:
- Ó menino, apanhe-me aí, por favor, esse retrato do Dr. António de Oliveira Salazar, que me caiu sem querer..
E eu lá apanhava. E era o quê? A fotografia mesmo do ditador? Não.
Era uma carta de jogar, saída de uns baralhos que havia naquela altura e
que não sei se ainda existem, para além do que eu guardo cá em casa. Exactamente: afinal o retrato de Salazar
era uma carta. Mas não cuidem que era uma carta qualquer, um duque, uma
sena ou, mesmo, um valete. Nem era o rei. Nem o ás. O retrato de
Salazar era... o burro.
P.S. - Publicado originalmente no dia 27 de Setembro de 2011.
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