Um gajo anda mais ou menos porreiro, uma dorzita aqui, uma pontada acolá, um bocadinho de falta de ar, ouras e fastio às vezes, coisas de nada, coisas da vida, se calhar do tempo ou, vá lá, da idade. Um gajo anda mais ou menos porreiro. Até que um dia, empurrado ou de livre vontade, vai ao médico. Análises, exames, diagnósticos, prognósticos, agnósticos, cancro, coração, rins, fígado, coluna, internamento, cirurgia, hemodiálise, quimioterapia, antipatia, utente, paciente, despistagem, despessoamento, isolamento, transferência, circunferência, alta, baixa, alta, baixa, piso 1, piso 2, piso 10, piso 1, doente da cama 13, bactérias, vírus, infecção, pneumonia, silêncio, cave. Um gajo andava mais ou menos porreiro. No competente certificado há-de constar, obitamente e por ser verdade: "Causa provável de morte - ida ao médico"...
O meu amigo Lopes é um sábio e eu aprendo sempre que falo com ele. Ainda no outro dia me ensinou que um gajo, sobretudo um gajo que anda mais ou menos porreiro, está irremediavelmente fodido "quando passa do mundo dos vivos para o mundo dos doentes". Eu já tinha essa ideia assim pensada: a exposição a hospital é tendencialmente perigosa, e até imaginei o sinal, amarelo, vermelho, negro e triangular - Hospital: Perigo de morte!
O meu amigo Lopes ensinou-me também, mas isso foi já há alguns anos, que "ninguém deve morrer sozinho", e eu tenho tentado dar o meu melhor. Mas os tempos que vivemos são tempos filhos da puta e parece que todos os cabeçudos que decidem a nossa vida se esqueceram de que há morte para trás da linha da frente, e pessoas ainda, outras, fora das formidáveis estatísticas televisivas do meio-dia e meia. Peço desculpa, encontro-me excepcionalmente triste e zangado. Com os tempos. Que são realmente filhos da puta.
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