domingo, 8 de outubro de 2017

José do Patrocínio 2

O sentenciado chegara junto ao patíbulo.
Para ajuntar a ironia à malvadeza, uma bandeja com alguns pratos cheios de confeituras, um cálice e uma garrafa de vinho generoso foram apresentados ao preso como símbolo da solicitude social e da máxima e indizível piedade que vem cevar a vítima antes de imolá-la.
O réu voltou nobremente o rosto à injúria açucarada dos seus matadores e, ou fosse pela dor que essa afronta lhe causasse, ou fosse pelo terror inspirado pela vizinhança do patíbulo, os joelhos vergaram-lhe e teria baqueado se não fosse arrimado pelo sacerdote.
Não longe deste grupo, uma face negra de mulher banhava-se em pranto copioso. Era o protesto de uma raça contra o procedimento de um de seus membros, porque ao passo que a boa da preta chorava, o carrasco esvaziava um cálice do vinho rejeitado pelo condenado, e apreciava-lhe o sabor, dando estalinhos com a língua.
Despertado da prostração, revivido do desânimo pelos soluços da comiseração espontânea daquela mulher, o réu cobrou de novo forças e voltou-se para a lacrimosa, dizendo:
 - Chora, minha filha, porque eu morro inocente. 

"Mota Coqueiro ou A Pena de Morte", José do Patrocínio 

(José do Patrocínio nasceu no dia 9 de Outubro de 1853. Morreu em 1905.)

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