segunda-feira, 16 de outubro de 2017

António Ramos Rosa 6

[Mas agora estou no intervalo em que]

Mas agora estou no intervalo em que
toda a sombra é fria e todo o sangue é pobre.
Escrevo para não viver sem espaço,
para que o corpo não morra na sombra fria.


Sou a pobreza ilimitada de uma página.
Sou um campo abandonado. A margem
sem respiração.


Mas o corpo jamais cessa, o corpo sabe
a ciência certa da navegação no espaço,
o corpo abre-se ao dia, circula no próprio dia,
o corpo pode vencer a fria sombra do dia.


Todas as palavras se iluminam
ao lume certo do corpo que se despe,
todas as palavras ficam nuas
na tua sombra ardente.


"A Construção do Corpo", António Ramos Rosa 

(António Ramos Rosa nasceu no dia 17 de Outubro de 1924. Morreu em 2013.)

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