E não era lá nenhum grande homem: era um vulto de pouco mais de quatro pés de altura; feio como um judeu; barrigudo como um cónego de Toledo; imundo como a consciência do célebre arcebispo Gelmires, e insolente como um vilão de beetria. Chamava-se de seu nome Dom Bibas. Oblato do Mosteiro de D. Muma, quando chegou à idade que se diz da razão, por ser a das grandes loucuras, achou que não era feito para ele o remanso da vida monástica. Atirou às malvas o hábito a que desde o berço o tinham condenado: e, ao cruzar a porta do ascetério, escarrou ali em peso o latim com que os monges começavam a empeçonhentar-lhe o espírito. Depois, sacudindo o pó das suas sapatas, voltou-se para o mui reverendo porteiro, e, por um esforço sublime de abnegação, atirou-lhe à cara com toda a ciência hebraica que tinha alcançado naquela santa casa, gritando-lhe com uma visagem de escárnio: raca maranata, raca maranata - e desaparecendo após isso, como a zebra perseguida desaparecia naqueles tempos aos olhos dos monteiros nas florestas do Gerês.
"O Bobo", Alexandre Herculano
(Alexandre Herculano nasceu no dia 28 de Março de 1810. Morreu em 1877.)
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