Mildred Shelley tinha trinta e cinco anos muito bem defendidos por condições naturais e por cuidados próprios. Um rosto desenhado, marcado e fino. Uns lábios esticados e curvos, uns olhos profundos, de um tom violeta que eu não me lembrava de ter visto. A pele era rósea, como se fosse impossível tocar-lhe e não ficar mancha. O cabelo era escuro e uma onda muito larga ia morrer sobre a orelha direita. De perfil, fazia lembrar um retrato de Modigliani, porque o pescoço prolongava-se, prolongava-se. De frente, despertava sentimentos vários, de certo modo confusos. O tom violeta dos olhos é que tinha a culpa, tão cheio de sensualidade sombria e de um poder avaliador verdadeiramente extraordinário.
- Chamo-me Mildred Bruce. Fez mal em perguntar por Mildred Shelley. Seria o suficiente para não o receber se estivesse mais maldisposta. Shelley é um nome maldito.
- Pois - disse eu.
Vestia um tailleur cinzento, curto nas mangas, de um corte severo. As mãos brancas eram muito largas, e usava um anel de prata no dedo mínimo da mão direita. Fazia-o rodar com os dedos da mão esquerda. Reparei que tinha as unhas cortadas rentes e sem verniz.
- Que deseja?
Tinha uma voz aveludada, quase rouca, como se viesse muito de dentro e saísse com dificuldade, envolvida em sombras e nevoeiro.
- Falar consigo - disse eu.
"Requiem para D. Quixote", Dennis McShade
(Dinis Machado nasceu no dia 21 de Março de 1930. Morreu em 2008.)
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