sábado, 31 de outubro de 2015

Pois tem

É sábado. Diz o letrado jornal Público, cerca das oito da noite, com os três ou quatro estagiários de serviço desamparados na redacção e na gramática (a gramaticazinha, a gramaticazinha...), fartos de trabalhar e mortinhos por irem dar ao dente, que "Três em cada quatro incêndios florestais tem origem criminosa". Pois tem.

Carlos Drummond de Andrade 3

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.


"Alguma Poesia", Carlos Drummond de Andrade

(Carlos Drummond de Andrade nasceu no dia 31 de Outubro de 1902. Morreu em 1987.)

Lugares-comuns 250

                                                                                       Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Carvalho Calero 2

Praia de Corujo

Na area para min alguén cravou
o parasol, e á sua sombra puxo
a hamaca para min. O mundo Egipto.
Flabelo e trono: eu faraón.
No meu reino de auséncia, ausente impero.
Esquecido de min e o mundo, ambos
somos un, como o corpo e a alma. Todo
non cobizado é fácil para min.


Secretos pensamentos me arrodeian
como escravas despidas, que non ousan
un tilintar de ajorcas, e se esfuman,
virges ideias, no meu puro harem.


Sobre ninguén impero e reino en todo.
E o mundo é aquala e eu aquel, e somos

el, ela e eu os únicos,
e os tres un. E a unidade é, un intre, tres.


Da miña orquestra real, azuis doncelas,
esparegendo as suas testas brancas,
tangen os cons, arrolan o meu sono,
e os seus cabelos estran aos meus pes.
O sol olla-me, o sol paterno, voo
de áureo falcón imóvel sobre a vida.
O seu ouro é o meu sange, e, lento, flui
no meu corpo solar.


Teito azul, chan enxebre, alta pirámide.
Faixa
Adobiado estou. Pechade a porta.
Poñede o selo. El, ela e eu. Só un.


Carvalho Calero

(Carvalho Calero nasceu no dia 30 de Outubro de 1910. Morreu em 1990.)

Caminho 64

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Adalgisa Nery 3

Poema da amante

Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos,
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.


Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita dos tempos
Até a região onde os silêncios moram.


Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.


Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
E em tudo que ainda estás ausente.


Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.


Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.


"Mundos Oscilantes - Poesias Completas", Adalgisa Nery

(Adalgisa Nery nasceu no dia 29 de Outubro de 1905. Morreu em 1980.) 

A ver navios 58

                                                                                                                              Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Ramón del Valle-Inclán 2

Testamento

Te dejo mi cadáver, reportero.
El día que me lleven a enterrar,
fumarás a mi costa un buen veguero,
te darás en La Rumba un buen yantar.

Y después de cenar con mi fiambre,
adobado en retórica sutil,
humeando el puro, satisfecha el hambre,
me injuriará tu dicharacho vil.

Y al dejar la colilla con el chato,
a medio consumir, sobre el mantel,
dirás, gustando del bicarbonato,
"¡Que no la diñe ahora don Miguel!"

Para ti mi cadáver, reportero,
mis anécdotas, ¡todas para ti!
Le sacas a mi entierro más dinero
que en mi vida mortal yo nunca vi.

Caballeros, salud y buena suerte.
Da sus últimas luces mi candil.
Ha colgado la mano de la muerte
papeles en mi torre de marfil.

Le dejo al tabernero de la esquina,
para adornar su puerta, mi laurel.
Mis palmas, al balcón de una vecina,
y a una máscara loca, el oropel.

Ramón del Valle-Inclán

(Ramón del Valle-Inclán nasceu no dia 28 de Outubro de 1866. Morreu em 1936.)

Aqui há gato 21

                                                                                                                     Foto Hernâni Von Doellinger

Vianna Moog 3

Só ele, Geraldo, um covarde. Que estranha natureza a sua, que lhe não permitia odiar em nome dos outros! Ter outras simpatias e aversões que não as suas? Os próprios ódios do pai nunca pudera endossá-los. O velho odiava os regatões, seus concorrentes desleais. Ele os amava, em segredo. Seu pai movia guerra de morte ao dono do seringal vizinho, porque no fundo o achava parecido com seu pai. Eram iguais na ação e na violência. Sim. Era o sangue dos nhengaíbas que lhe corria nas veias. Como sua mãe, não distinguia entre brancos, judeus, sírios, pretos e caboclos. Aceitava ou repelia instintivamente a cada um individualmente, mas não sabia compreender um ódio universal contra um povo, uma raça. Mas com quem estaria a razão e a justiça? Quem andaria certo? Devia ser os outros. Eles eram a maioria. Quem não aceita os ódios e as simpatias dos seus antepassados deve ser covarde. Mas, então, ninguém era como ele? Talvez Lore, pensou Geraldo. Quis duvidar, mas não pôde. Sim, Lore pensava como ele. Talvez não gostasse de judeus, mas a sua simpatia não ia ao ponto de querer queimar as obras de arte que eles produziam. Quando chegariam os tempos em que a humanidade se decidisse a cancelar os ódios do passado para começar uma vida nova?

"Um Rio Imita o Reno", Vianna Moog 

(Vianna Moog nasceu no dia 28 de Outubro de 1906. Morreu em 1988.)

Lugares-comuns 249

                                                                                        Foto Hernâni Von Doellinger

Xosé Filgueira Valverde 2

Porque non seca a morte a fonte das cantigas
eu vos chamo, segreles, que veñades cantar
onde os verdes loureiros gardan vellas ermidas,
cabo das sabias ondas sulcadas do luar,
das insuas da ribeira nun antigo lugar,
¡San Cremenço do mar!


Porque non tolla o frío o albre dos cantares
eu vos digo, rapazas, que vaiades bailar
onde os gayos loureiros quecen fríos fogares,
cabo das tolas ondas, cando o sol vai raiar,
das insuas da ribeira no máis ledo lugar,
¡San Cremenço do mar!


"Seis Cantigas de Mar in Modo Antico", Xosé Filgueira Valverde 

(Xosé Filgueira Valverde nasceu no dia 28 de Outubro de 1906. Morreu em 1996.)

A ver navios 57

                                                                                      Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Graciliano Ramos 3

Na Terra do Fogo as coisas estão frias 

Conforme telegrama publicado, há dias, em um dos nossos melhores jornais, há uma grande carência de mulheres na Terra do Fogo. Semelhante fato, coisa que não acontece com frequência, felizmente, constitui - não há sombra de dúvida - uma calamidade para um povo. Pudesse alguém interrogar os colonos portugueses das primeiras expedições que vieram ao Brasil... Mas, se vão longe esses tempos indecisos da Idade Média, ainda se não apagaram do espírito de alguns cariocas os dias agitados de 93, o período em que a República lutava contra a fúria da revolução. Houve então aqui um considerável decrescimento do número das mulheres, o que determinou, segundo a opinião do dr. Pires de Almeida, profunda corrupção nos costumes da cidade. A judiciosa asserção do ilustre clínico leva a gente a pensar que os habitantes da Terra do Fogo não devem estar em situação muito agradável. Mas quais seriam os motivos de haverem as gentis representantes do sexo frágil abandonado essa ilha tão fria que tem um nome tão quente? Terá havido por lá alguma extraordinária epidemia que se haja limitado a atacar apenas a constituição delicada dessas encantadoras criaturas? Terão os gelos das proximidades do Polo Sul arrefecido o caráter de seus compatriotas a ponto de, sentindo-se desprezadas, terem as pobrezinhas a necessidade de bater a linda plumagem? Ou continuarão os homens de lá com aquele hábito de que fala Darwin - o péssimo costume de, em tempo de penúria, comer as mulheres, porque as consideram inferiores aos animais? Se esta última hipótese é verdadeira, devem agora os habitantes da Terra do Fogo estar arrependidos de sua voracidade, porque se privaram, por não haverem sido mais sóbrios, do único meio que tinham de perpetuar o alimento das ocasiões difíceis. Mas não se pode atinar com a causa do desaparecimento das pobres flores da vida na grande ilha do sul. E a gente vê, pela tristeza do telegrama, que os homens estão angustiados, estão aflitos, vítimas de uma viuvez geral. Mas caso é para uma pessoa pôr-se a pensar tristemente nas grandes desigualdades que há neste mundo. Desapareceram as mulheres ali, e aqui promanam mulheres em quantidade. Parece até uma injustiça. Bem se está vendo que os bens da terra não foram feitos para todos...

"Garranchos", Graciliano Ramos

(Graciliano Ramos nasceu no dia 27 de Outubro de 1892. Morreu em 1953.)

Lugares-(in)comuns 125

                                                                                        Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Murilo Araújo 3

Humoresco silvestre

O vento, chefe de esquadrão, comanda os pelotões do mato.

E no horto florestal - quartel das árvores -
os pinheiros e coqueiros
fazem ginástica
sueca.

Os castanheiros
com as flores de penacho
jogam peteca.

Sussurram pífanos e rufos na charanga dos bambus.
E as bananeiras
batendo as raquetas das palmas
batem pelota com a péla da lua.

Mas de repente
silêncio...

Pesa o repouso lunar.

Um grilinho clarina.
E o vento chefe de esquadrão ordena aos ramos "descansar".

"A Iluminação da Vida", Murilo Araújo

(Murilo Araújo nasceu no dia 26 de Outubro de 1894. Morreu em 1980.)

A ver navios 56

                                                                                        Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 25 de outubro de 2015

Manuel Lago González

Inverneiras

Craro sol de lanzas de ouro,
lavarada, que alcendida
nos espazos,
de lus vertes un tesouro,
i eres fogo, i eres vida;
craro sol,
¿por qué tapas o teu rostro
que no agosto
queima en touzas e ribazos
as folliñas da herba mol?


Manuel Lago González

(Manuel Lago González nasceu no dia 25 de Outubro de 1865. Morreu em 1925.)

Aqui há gato 20

                                                                                     Foto Hernâni Von Doellinger

Manuel Leiras Pulpeiro

Todos me dicen que espío,
Que logo me leva o aire;
Y-a culpa tenma un nubeiro
Que se me puxo por diante.


Con me casar como quixen,
E tel-o ceio n-a casa,
N'hay noite que non me acorde
D'as noites de muiñada.

¡Dios che pague a tua esmola,
Cariña de repinaldo!
Non che coidei que tiveses
Corazonciño tan brando.

Anque che son d'a Montaña,
Andoche ben limpa e fresca;
Que, anque che son d'a Montaña,
Non che son d'as carrachentas.

Non se acanea unha folla;
Todo esta noite está calmo;
¡Ai, quén poidera decire,
Co-a mau n-o peito, outro tanto!


¡Quén fora reichiño ruibo
Pra cantar n'a tua figueira,
Pra non salir do teu horto,
Y-aniñar n-a tua silveira!

Como te ves con camisa,
Xa coidas qu'eres grandeza;
Non sal o toxo de toxo
Por froleado que esteña.

Non quero a vida d'a vila,
Anque folgada m'a dean;
Quero ir e vir pol-os pousos
O sol y ô aire n-a aldea.

Váite, barruzo, que veño
Co-a miña mantela nova;
Váite, barruzo, d'a festa,
Que quero dar catro voltas,

Queren que queira un toupizo,
Con cara e corpo de cepo;
Y-eu busco moza galana,
E de corpiño bringuelo.

Mentras n'apadrel-o neno,
Farruco, non che perdono;
Non che perdono ¡así morras!
Xa que dixeche qu'é d'outro.


"Cantares Gallegos",  Manuel Leiras Pulpeiro

(Manuel Leiras Pulpeiro nasceu no dia 25 de Outubro de 1854. Morreu em 1912.)

Lugares-comuns 248

                                                                                         Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 24 de outubro de 2015

Ramalho Ortigão 3

Quem nunca veio a Viana, quem não atravessou a linda ponte do caminho-de-ferro, entre o aterro de S. Bento e a risonha aldeia de Darque, tão célebre outrora pelas suas faianças pombalinas; quem não percorreu a estrada litoral até Caminha, através das povoações de Âncora, da Areosa e de Afife; quem não transitou a pé pelos caminhos de uma e da outra margem do rio, por Meadela e Santa Marta, até o pontilhão do Portuzelo rodeado de casais, de moinhos de vento e de rochas em que escachoa a água, límpida e desnevada, através da qual se vêem trepidar e reluzir as trutas; quem não foi e não veio, pela direita e pela esquerda da ribeira, de Viana a Ponte do Lima e de Ponte do Lima a Viana; quem durante alguns dias não viveu e não passeou nesta ridente e amorável região privilegiada das éclogas e das pastorais, não conhece de Portugal a porção de céu e de solo mais vibrantemente viva e alegre, mais luminosa e mais cantante.

"As Farpas I", Ramalho Ortigão

(Ramalho Ortigão nasceu no dia 24 de Outubro de 1836. Morreu em 1915.)

Lugares-(in)comuns 124

                                                                                         Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O sexo dos anjos

O sexo dos anjos é divinal. Os anjos são uns sortudos.

Vida de cão 107

                                                                                        Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

José Duro 3

Ó rosas desmaiadas,
Rosas de Maio, rosas de toucar,
Ó rosas do rei negro, aveludadas,
Abrindo à flava luz das madrugadas
As corolas em gérmen, corações a arfar…
No tremular de cores da asa vaporosa,
Borboleta que passa, vem beijar a rosa,
E aos murmúrios da brisa que corre anelante,
A subtil feiticeira deixa a sua amante
A chorar, a chorar, suavíssimos perfumes
- Pensamentos de amor a traduzir ciúmes…
Borboleta que passa diz adeus à rosa,
No tremular de cores da asa vaporosa…
E aos murmúrios da brisa que desliza meiga,
Lá vai adormecer nas frescuras da veiga…
Deixando a rosa a soluçar, a soluçar,
Com pena de não ter asas para voar… voar!
Diversas flores, de diversas cores
Qual é de vós, dizei, os meus amores!


José Duro 

(José Duro nasceu no dia 22 de Outubro de 1875. Morreu em 1899.)

Lugares-comuns 247

                                                                                       Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Cristiano Ronaldo e Zlatan Ibrahimović

Cristiano Ronaldo e Zlatan Ibrahimović empataram zero-zero. De acordo com os registos oficiais da UEFA, que acabo de consultar, o Paris Saint-Germain Football Club e o Real Madrid Club de Fútbol também.

Lugares-comuns 246

                                                                                          Foto Hernâni Von Doellinger

O mal do doente foi ter passado a paciente

Como um alho era o famoso gajo, não sei quem, que inventou a palavra paciente para substituir a palavra doente. O finório sabia tudo sobre listas e tempos de espera.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Vida de cão 106

                                                                                          Foto Hernâni Von Doellinger

Cláudio de Sousa 2

Entrei num cinematógrafo. Todos os cartazes eram de beijos, de abraços, de cenas mais ou menos lúbricas. No maior deles, lia-se "Afrodite", evocação das cenas antigas de amor que Bedford me descrevera. Havia um aviso ditado pelo Juízo dos Menores: "Impróprio para senhoritas e menores." E senhoritas e menores entravam, aos bandos, com habeas-corpus requerido por seus próprios pais...
Na tela, beijos longos, infindáveis, a perda de hálito, nos quais se sentia a sucção, a dentada, o glotismo.
A sala fremia. Os pais confraternizavam com as filhas. Os seios das mulheres palpitavam de excitação. Os rapazes estalavam bucotas. Meninas impúberes iniciavam-se nos mistérios de Afrodite. Eram as classes do Didascalion, talvez mais completas... E as velhas mães complacentes sorriam... Terminado o beijo, as outras artes de sedução feminina. O sorriso, o gesto provocante, a carícia de surpresa, o retraimento, toda a gama... que vinha, de novo, morrer, em abraços violentos e em beijos tão vivos, tão quentes, tão impetuosos que, agora, até mesmo as cadeiras das velhas mamãs estremeciam. Vaporizadores espalhavam no ar perfumes capitosos que se casavam com as emanações animais...
E no escuro, outras bocas se juntavam, excitadas, enquanto carícias se trocavam, e o ar se enchia do mesmo bafo quente de sensualidade do bosque de Afrodite. As luzes vacilantes das lâmpadas de mão dos indicadores pareciam as pupilas dos sátiros montados nas cabras montesas que decoravam o zoóforo do antigo templo. E eu que nunca havia percebido aquilo? Fora preciso que Bedford me abrisse os olhos! Terminara a fita naquele frêmito de sensualidade. A luz mostrou olheiras roxas, fisionomias quebradas e olhos ainda cheios de desejos não satisfeitos.
E há um cinema em cada rua nas cidades modernas de Afrodite... Nunes colheu-me o braço na saída.
- Que decepção? - disse-me ele. - O reclamo fez-me supor que a fita fosse mais ousada. Exploradores!
Vi que toda gente saía com a mesma impressão. Queriam mais? Por cinco mil réis só aquilo?... Exploradores!

"As Mulheres Fatais", Cláudio de Sousa

(Cláudio de Sousa nasceu no dia 20 de Outubro de 1876. Morreu em 1954.)

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Caminho 63

                                                                                      Foto Hernâni Von Doellinger

Vinicius de Moraes 3

 Soneto de devoção

Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.


Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.


Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.


Essa mulher é um mundo! - uma cadela
Talvez… - mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!


"Antologia Poética", Vinicius de Moraes

(Vinicius de Moraes nasceu no dia 19 de Outubro de 1913. Morreu em 1980.)

domingo, 18 de outubro de 2015

Lugares-comuns 245

                                                                                         Foto Hernâni Von Doellinger

Tomai e comei todos (o que é um bocado relativo)

Então, depois de dar graças a Deus, o pai tomou o pão, partiu-o e distribuiu-o por metade dos seus filhos, dizendo: Laide, Ruca, ide comer a casa da avó, que a broa não chega para todos.

sábado, 17 de outubro de 2015

Caminho 62

                                                                                       Foto Hernâni Von Doellinger

António Ramos Rosa 4

Este poema é absolutamente desnecessário
 
Este poema é absolutamente desnecessário
pela simples razão de que poderia nunca ser escrito
e ninguém sentiria a sua falta
Esta é a sua liberdade negativa a sua vacuidade dinâmica
e o movimento da sua abolição
a partir do seu vazio inicial
Mas qual é a sua matéria qual o seu horizonte?
Traçará ele uma linha em torno da sua nulidade
e fechar-se-á como uma concha de cabelos ou como um útero do nada?
Ou será a possibilidade extrema de uma presença inesperada
que surgiria quando chegasse a essa fronteira branca
que já não separaria o ser do nada e no seu esplendor absoluto
revelaria a integridade do ser antes de todas as imagens
a sua violência inaugural a sua volúvel gestação?
 


"Deambulações Oblíquas", António Ramos Rosa 

(António Ramos Rosa nasceu no dia 17 de Outubro de 1924. Morreu em 2013.)

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Aqui há gato 19

                                                                          Foto Hernâni Von Doellinger

Sócrates libertado porque há provas para o prender

José Sócrates foi libertado (vamos dizer assim, libertado) porque, de acordo com o comunicado da Procuradoria-Geral da República, "o Ministério Público considera que se mostram consolidados os indícios recolhidos nos autos, bem como a integração jurídica dos factos imputados". Isto é: José Sócrates foi libertado (vamos voltar a dizer assim, libertado) porque a Justiça já tem provas seguras para o prender. Importam-se de me explicar outra vez?

Vida de cão 105

                                                                                         Foto Hernâni Von Doellinger

Fui à farmácia e perguntei ao farmacêutico

- O tempo é o melhor remédio?
- Há quem diga...
- E é comparticipado?

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Fafe Film Fest 2015


Quinta edição do Fafe Film Fest - Festival Internacional de Cinema, já na próxima semana, de 22 a 25 de Outubro. Homenagem ao realizador António-Pedro Vasconcelos. "Filmes a concurso, debates, ciclos de cinema, homenagens, literatura, música, exposições" - é a proposta em cartaz. Na Sala Manoel de Oliveira do Teatro-Cinema de Fafe. Mais informação e programa, aqui.

O chinês que gostava de ir ao português

Chato, chato era aquele chinês que, quando os amigos lhe perguntavam onde queria ir jantar, dizia sempre: "Hoje apetece-me português".

Caminho 61

                                                                                      Foto Hernâni Von Doellinger

Manuel da Fonseca 3

Antigamente, o Largo era o centro do mundo. Hoje, é apenas um cruzamento de estradas, com casas em volta e uma rua que sobe para a Vila. O vento dá nas faias e a ramaria farfalha num suave gemido, o pó redemoinha e cai sobre o chão deserto. Ninguém. A vida mudou-se para o outro lado da Vila.
O comboio matou o Largo. Sob o rumor do rodado de ferro morreram homens que eu supunha eternos. O senhor Palma Branco, alto, seco, rodeado de respeito. Os três irmãos Montenegro, espadaúdos e graves. Badina, fraco e repontão. O Estroina, bêbado, trocando as pernas, de navalha em punho. O Má Raça, rangendo os den­tes, sempre enraivecido contra tudo e todos. O lavra­dor de Alba Grande, plantado ao meio do Largo com a sua serena valentia. Mestre Sobral. Ui Cotovio, rufião, de caracol sobre a testa. O Acácio, o bebedola do Acácio, tirando retratos, curvado debaixo do grande pano preto. E, lá ao cimo da rua, esgalgado, um homem que eu nunca soube quem era e que aparecia subitamente à esquina, olhando cheio de espanto para o Largo.
Nesse tempo, as faias agitavam-se, viçosas. Ace­navam rudemente os braços e eram parte de todos os grandes acontecimentos. À sua sombra, os palhaços faziam habilidades e dançavam ursos selvagens. À sua sombra, batiam-se os valentes: junto do tronco de uma faia caiu morto António Valmorim, temido pelos ho­mens e amado pelas mulheres.
Era o centro da Vila. Os viajantes apeavam-se da diligência e contavam novidades. Era através do Largo que o povo comunicava com o mundo. Também, à fal­ta de notícias, era aí que se inventava alguma coisa que se parecesse com a verdade. O tempo passava, e essa qualquer coisa inventada vinha a ser a verdade. Nada a destruía: tinha vindo do Largo. Assim, o Largo era o centro do mundo.

"O Fogo e as Cinzas", Manuel da Fonseca

(Manuel da Fonseca nasceu no dia 15 de Outubro de 1911. Morreu em 1993.)

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Imagens da I Guerra Mundial

                                                                                             Foto GASPAR DE JESUS

Conferência "Imagens da I Guerra Mundial", proferida pelo fotógrafo Gaspar de Jesus, no âmbito da segunda edição do iNstantes - Festival Internacional de Fotografia de Avintes. No próximo sábado, dia 17 de Outubro, pelas 15 horas, no Parque Biológico de Gaia, em Avintes.
Gaspar de Jesus tem como ponto de partida para a sua palestra o trabalho de Arnaldo Rodrigues Garcez, conhecido como o primeiro fotógrafo de guerra português, que acompanhou a tão estranhamente esquecida participação das tropas lusas na I Guerra Mundial e produziu um importante registo que só recentemente foi apresentado ao grande público. Como complemento, será pela primeira vez apresentado em Portugal um documentário do Ministério da Defesa belga sobre o conflito de 14-18, "A Small Army in the Great War".
Fotojornalista e professor de Fotografia, Gaspar de Jesus trabalhou em A Capital, O Primeiro de Janeiro, A Bola, TV Guia, Notícias Magazine e Autores. Artista premiado, realizou uma vintena de exposições individuais e participou em inúmeras exposições colectivas, dentro e fora do País. Foi formador em cursos do FAOJ e integrou o quadro de formadores do IPF-Porto. É co-autor dos livros "Portugal e o Ambiente", "Reencontros - Portugal em Fotografia", "Daqui Houve Nome Portugal", "21 Retratos do Porto para o Século XXI", "Porto Cidade com Alma" e "Porto sem Filtro". É autor do blogue Arte Fotográfica e promotor das tertúlias Com a Arte no Olhar.

(A foto acima, de mestre Gaspar de Jesus, faz a aproximação ao famoso Cemitério de Tyne Cot, em Passchendaele, perto da cidade de Ieper, na Bélgica. Foi campo de batalha e é campo de paz para milhares de soldados mortos, sobretudo da Commonwealth. Cerca de dez mil soldados portugueses morreram durante a Primeira Grande Guerra.)

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Lugares-(in)comuns 123

                                                                                        Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Fernando Sabino 3

Quando chovia, no meu tempo de menino, a casa virava um festival de goteiras. Eram pingos do teto ensopando o soalho de todas as salas e quartos. Seguia-se um corre-corre dos diabos, todo mundo levando e trazendo baldes, bacias, panelas, penicos e o que mais houvesse para aparar a água que caía e para que os vazamentos não se transformassem numa inundação. Os mais velhos ficavam aborrecidos, eu não entendia a razão: aquilo era uma distração das mais excitantes.
E me divertia a valer quando uma nova goteira aparecia, o pessoal correndo para lá e para cá, e esvaziando as vasilhas que transbordavam. Os diferentes ruídos das gotas d'água retinindo no vasilhame, acompanhados do som oco dos passos em atropelo nas tábuas largas do chão, formavam uma alegre melodia, às vezes enriquecida pelas sonoras pancadas do relógio de parede dando horas.
Passado o temporal, meu pai subia ao forro da casa pelo alçapão, o mesmo que usávamos como entrada para a reunião da nossa sociedade secreta. Depois de examinar o telhado, descia, aborrecido. Não conseguia descobrir sequer uma telha quebrada, por onde pudesse penetrar tanta água da chuva, como invariavelmente acontecia. Um mistério a mais, naquela casa cheia de mistérios. O maior, porém, ainda estava por se manifestar.

"O Menino no Espelho", Fernando Sabino

(Fernando Sabino nasceu no dia 12 de Outubro de 1923. Morreu em 2004.)

Lugares-comuns 245

                                                                                        Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 11 de outubro de 2015

Os Sexy Rannas, a propósito de Jim Diamond

Morreu Jim Diamond, o escocês que cantou I Should Have Known Better. Confesso que vi a notícia e não percebi à primeira a razão de ser notícia, derivado particularmente à minha formidável ignorância. Isto é: eu não sabia quem era o morto, e o nome da cantiga, assim em estrangeiro, também não me dizia grande coisa, porque sofro de disfunção relacionada com títulos e letras de canções, sejam as canções e os títulos e as letras em que língua forem. Só conheço as melodias, e apenas de vista.
Mas quem procura sempre alcança, como dizia o sábio ginecologista polinésio. Procurei, portanto, e cheguei lá. Ao defundo, que continua a não me dizer nada, mas agora por razão de força maior, e à cantiga em questão. À melodia. E aqui, sim, veio-me à memória um extraordinário grupo de rapazes que fizeram época em Fafe na década de oitenta do século passado (eu sei, é duro dizer isto) e que, se não me engano, criaram no Café Chinês uma interessantíssima versão aportuguesada do tal sucesso de Diamond, versão essa injustamente ignorada pela Billboard. Seria, se bem me lembro, algo parecido com o que se segue, a respeito do meu primo Zé, que também era da corda: "O Bomba não bebe. Não bebe, não bebe, não bebe, não bebe pouco. O Bomba não bebe. Não bebe, não bebe, não bebe pelo nariz"...
Lembrei-me dessa malta toda e deu-me vontade de rir, ri-me como um perdido e soube-me bem: eles eram - não sei se vou dizer correctamente - os Sexy Rannas, assim autoproclamados, eram a geração e o bando do meu irmão mais novo, meninos para o preciso, gente do melhor que Fafe tinha, e, se andarem por aí, o que lhes estimo é o que lhes desejo, a todos em geral e a cada um em particular, mais às respectivas e excelentíssimas famílias, se é que chegaram lá.

Lugares-comuns 244

                                                                                       Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 10 de outubro de 2015

Francisco Tettamancy

Abril 1846

¡Cacheiras! ¡Carral!

As aves xa non gorxean,
as froles víranse murchas,
o sol, xa non resprandece
porque as brétemal-o ocultan.
¡Qué día aquel! ¡qué tristeiro
está o día! E que se xuntan
os espritus maléficos
para soterrar nas tumbas
as subrimes libertades
de Galicia, a nobre e culta
región, que c´o propio sangue
pol-as suas glorias luita.

O promo dos asesinos
desfai as frentes barudas
d´aqueles homes de ferro
que a traición fai que sucumban…
As aves xa non gorxean
as froles víranse murchas,
o sol… xa non resprandece
porque as brétemal-o ocultan.
E que a libertá gallega
morreu, e en choros se enturbia:
¡maldito, maldito sea
quen contra o progreso luita!


Francisco Tettamancy

(Francisco Tettamancy nasceu no dia 10 de Outubro de 1854. Morreu em 1921.)

Vida de cão 104

                                                                                          Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Marcelo, presidente da república desde pequeninho

Sou fã de Marcelo Rebelo de Sousa, já disse. Gosto daquele ar cartomante com que o Professor nos revela tudo aquilo que nós já sabíamos. Gosto daquele sorrisinho matreiro, sorrisinho marca já-te-fodi. Gosto da forma como o Professor vai à televisão vender pedaços de nada como se fossem o mundo inteiro. O truque está no poder de concentração e nos embrulhos. Marcelo usa papel de embrulho do melhor: papel de lustro, manobrista e recadeiro. E os fregueses adoram. Marcelo sabe mais que o Papa. Sabe mais que a Irmã Lúcia. Sabe o passado e o futuro. Marcelo é o nosso presente.
A omnisciência sempre me seduziu. Desde miúdo, quando, ainda em Fafe, eu ia a casa do Bertinho Dantas (o sobrinho) jogar O Sabichão. Depois, ao longo da vida, tive a sorte de encontrar sábios a sério em velhos lavradores, em professores, em camaradas de profissão, em três ou quatro amigos, gente que muito respeito e continuo a admirar. Hoje, porém, no negócio dos que tudo sabem, só me contento com Deus. Deus no Céu e Marcelo Rebelo de Sousa na Terra.

Era uma vez 2005, ano de eleições legislativas em Portugal. Luís Filipe Menezes chefiava a lista do PSD por Braga e foi em pré-campanha a Celorico de Basto. O cabeça de cartaz do jantar-comício era Marcelo Rebelo de Sousa. O meu jornal mandou-me atrás dele.
Dos discursos, lembro-me apenas que Menezes "lançou" a candidatura de Marcelo à Presidência da República (as voltas que a vida dá!), oferecendo-lhe um quadro já não sei com que motivos. No final das intervenções, Marcelo andou de mesa em mesa, como noivo em dia de casamento, distribuindo bacalhauzada àquela gente toda a quem fazia questão de fazer de conta que conhecia.
Eu aproveitei a confusão para dizer ao que ia:
- Sr. Professor, eu sou o...
- Eu sei - cortou simpaticamente Marcelo, estendendo-me a mão e um sorriso de orelha a orelha.
- ... o Hernâni Doellinger, do...
- Sei muito bem quem é - insistiu Marcelo, retirando a mão e reduzindo o sorriso.
- ... jornal 24horas - consegui informar, enfim.
- Exactamente, eu sei, sei muito bem, Hernâni, 24horas, eu sabia - concluiu Marcelo, metendo o resto de sorriso no bolso das calças e pedindo licença para continuar com os cumprimentos, que ainda havia muitas mesas para bacalhauzar no salão de cima e que falávamos no fim.
Claro que não falámos. Marcelo Rebelo de Sousa foi-se embora como quem não quer a coisa, sem me dar uma segunda oportunidade e se calhar até fez bem, o 24horas não se recomendava. Também não interessa. O importante é isto: o Professor não me conhecia de lado nenhum, nunca me tinha visto mais gordo nem mais magro, mas apareci-lhe à frente e ele "soube" logo quem eu era. Não é extraordinário? Agora que penso nisso, devia ter-lhe pedido que me lesse a sina. E que me desse os números do Euromilhões.

Ainda hoje guardo religiosamente a mão com que cumprimentei Marcelo Rebelo de Sousa naquele encontro histórico de Celorico de Basto. Os nossos contactos seguintes, tal como os anteriores, resumiram-se ao telefone. Ligava eu, por dever de ofício. O Professor atendeu-me quase sempre. E foi sempre amável e útil.

(Texto escrito e publicado originalmente no dia 28 de Agosto de 2012, com o título "O Astro". Quem tiver idade para se lembrar da telenovela de Janete Clair e do desempenho do actor Francisco Cuoco percebe a história do cartomante, quem for mais novo que se informe. E reparem: em 2005, portanto há dez anos, Luís Filipe Menezes também lia a sina, adivinhava a candidatura do Professor, exactamente em Celorico, mas não era assim tão difícil - Marcelo, estava-lhe nas linhas das mãos, trabalha no assunto desde que nasceu.)

Lugares-comuns 243

                                                                                          Foto Hernâni Von Doellinger

Mário de Andrade 3

Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.

Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.

No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.

Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.

O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...

Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade...

As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.


"Lira Paulistana", Mário de Andrade

(Mário de Andrade nasceu no dia 9 de Outubro de 1893. Morreu em 1945.) 

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Lugares-(in)comuns 122

                                                                                      Foto Hernâni Von Doellinger

Cristiano Ronaldo e Jorge Jesus

Cristiano Ronaldo. Dá-me pena Cristiano Ronaldo. Tanta potencialidade! Onde é que este rapaz poderia ter chegado se tivesse passado pelas mãos de Jorge Jesus?

Lugares-comuns 242

                                                                                         Foto Hernâni Von Doellinger

Evaristo da Veiga

Bilhete em verso ao Thomaz

Bonjour Mr. Thomaz, comment se porte:
Je suis ravi de voir que o seu visage
Dá de bonne santé toda a apparencia:
Moi pour votre service; aqui lhe trago
Mon paquet poetique, que he composto,
D'un rang, ou rango de versinhos soltos,
E d'un Ode; oh que Ode! coisa boa!
Quatorze estrophes tem todas inteiras,
Sem que lhe falte ao menos um só verso:
As sílabas também (ou je me trompe)
Não tem falta nenhua, nem sobejo;
Contei-as duas vezes pelos dedos,
Duas vezes me deo a conta certa.
Não arrepare nesta Francezia,
Que c'est l'usage cá da nova escola,
Que se moquant do ranço dos antigos,
Já banirão das suas livrarias
Andrade, Coito, Barros, e Lucena,
Que serião peut être bons Authores,
Se soubessem Francez; se que dois dedos;
Mas assim fazem dó, Je vous demande
Pardon da secatura; e como finda
Aqui o meu papel, também eu findo. 

Evaristo da Veiga 

(Evaristo da Veiga nasceu no dia 8 de Outubro de 1799. Morreu em 1837.)

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

O homem-aranha

                                                                                         Foto Hernâni Von Doellinger

O homem-aranha morreu. Vítima de uma teia de interesses, é o que consta.

Caminho 60

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 6 de outubro de 2015

As extraordinárias descobertas da ciência

Os neutrinos têm massa. E os portugueses, pelo visto, também.

Jazz em Fafe, à sexta


Começa já na próxima sexta-feira. Primeira edição de Jazz em Fafe, durante o mês de Outubro. Concertos, aulas e conferências, no Teatro-Cinema de Fafe, sempre às sextas, dias 9, 16, 23 e 30. Concertos-café aos sábados - dias 10, 17, 24 e 31 -, no Jazz Café, no Messias Wine Bar, no Clube Fafense e no Café com Letras, respectivamente. Programa e mais informação, aqui e aqui.

Manuel María 3

O labrego

Un labrego tan só é unha cousa
que case non repousa.

Da sementeira a seitura,
pasando pela cava,
a súa vida é moi dura
e moi escrava.

Sempre trafegando,
arando,
sachando,
malhando,
gadanhando,
percurando o gando.

Sempre a olhar pró ceo
com medo e com receo.
Sempre a sementar ilusión
ponhendo na semente o corazón
pra colheitar probeza e mais tristura.

Dilhe ao labrego da beleza
da campía,
da súa fermosura
e poesia.

Dírache que sí,
que a beleza pra tí.

Pró labrego é o trabalho
o andar tocado do caralho,
o pan mouro i o toucinho.

(Múdanse de calzado ou de traxe
cando van de viaxe,
de feira ou de romaxe
e xantan, eses días, pulpo e vinho);
os eidos ciscados, minifundiados
que quér decir atomizados);
o matarse sachar de sol a sol
pra lograr seis patacas
com furacas,
catro grãos de centeo i unha col;
o dobregarse sobor dos sucos
pra pagar gabelas e trabucos;
o vivir entre esterco i animales
en chouzas case inhabitabeles.

I aguantar, aguanta e aguantar,
Agardando morrer pra descansar.

Manuel María

(Manuel María nasceu no dia 6 de Outubro de 1929. Morreu em 2004.)