Foto Hernâni Von Doellinger |
sexta-feira, 30 de novembro de 2018
Lições de História 38: o pecado original
Corria tudo bem no Paraíso. Quer-se dizer: corria tudo na paz do Senhor. Poder-se-ia até afirmar, creio que sem forçar demasiado a nota, que o Paraíso era, naquele tempo, um autêntico paraíso. Estava escrito, porém, que Adão e Eva tinham de asnear. Podiam ter cometido um pecado qualquer, um pecadinho de nada, um pecado repetido, copiado, um que estivesse na moda. Mas não! - quiseram ser originais. E deu na merda que deu. Até hoje.
Fernando Pessoa 7
Presságio
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
Fernando Pessoa
(Fernando Pessoa nasceu no dia 13 de Junho de 1888. Morreu no dia 30 de Novembro de 1935.)
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
Fernando Pessoa
(Fernando Pessoa nasceu no dia 13 de Junho de 1888. Morreu no dia 30 de Novembro de 1935.)
Anderson de Araújo Horta 2
Sol com chuva
Quando você nasceu, eu tive um choque imenso,
pois não podia pensar
que você fosse fazer
um berreiro daqueles!
Eu estava no quarto esperando você,
como se espera, paradoxalmente,
um desconhecido querido.
Eu era moço. Não tinha experiência alguma.
E, por isso, pensei que você fosse nascer
como menino bem comportado...
Mas agora já sei que os homens nascem
gritando e reclamando,
com pressa de viver.
(Porque têm pressa de tudo...)
O fato é que quando vi e ouvi você
tomar posse do mundo,
não pude me furtar às lágrimas.
E desde então aprendi que as grandes,
as extraordinárias alegrias
são como sol com chuva...
Anderson de Araújo Horta
(Anderson de Araújo Horta nasceu no dia 30 de Novembro de 1906. Morreu em 1985.)
Quando você nasceu, eu tive um choque imenso,
pois não podia pensar
que você fosse fazer
um berreiro daqueles!
Eu estava no quarto esperando você,
como se espera, paradoxalmente,
um desconhecido querido.
Eu era moço. Não tinha experiência alguma.
E, por isso, pensei que você fosse nascer
como menino bem comportado...
Mas agora já sei que os homens nascem
gritando e reclamando,
com pressa de viver.
(Porque têm pressa de tudo...)
O fato é que quando vi e ouvi você
tomar posse do mundo,
não pude me furtar às lágrimas.
E desde então aprendi que as grandes,
as extraordinárias alegrias
são como sol com chuva...
Anderson de Araújo Horta
(Anderson de Araújo Horta nasceu no dia 30 de Novembro de 1906. Morreu em 1985.)
quinta-feira, 29 de novembro de 2018
Portugal, um país de aldramaus
Por que razão medram tanto os aldrabões
em Portugal? Por que razão vamos a votos e entregamos o governo e damos a mama aos aldrabões,
de variada cor, e há mais de quarenta anos, como se por acaso acreditássemos
neles - nos aldrabões? Os aldrabões que antes e/ou depois estão nas autarquias, nos
bancos, nas edepês, nas caixas, nas renes, nas cepês, nas referes, nas
misericórdias, nos metros, nos centímetros, nas construtoras, nas
destrutoras, nos superescritórios de advogados, nos supermercados de
escravos, nas fundações, nas afundações, nas jotas, nas motas, nas
assessorias, nas tias, nas altas autoridades, nas baixas moralidades, nas televisões e nos jornais, no parlamento, na
moinice enfim, e têm do povo uma vaga ideia. Por que razão?
Andava com esta dúvida fisgada nem sei há que tempos, mas no outro dia tive a inesperada revelação, quase sem querer, ao ouvir um minhoto retinto a falar. O homem antigo falava de não sei quem e chamava-lhe aldrabom. Aldrabom. Os minhotos de cá de baixo falamos assim (e eu até tenho uma certa vaidade na nossa maneira de falar), trocamos o ão pelo om, daí a confusom, e se calhar acreditamo-nos: ora aí está um aldra que é bom, pensamos na melhor das intenções e caímos na esparrela. Porque aí é que a porca torce o rabo: eles não são aldrabons - são aldramaus.
Andava com esta dúvida fisgada nem sei há que tempos, mas no outro dia tive a inesperada revelação, quase sem querer, ao ouvir um minhoto retinto a falar. O homem antigo falava de não sei quem e chamava-lhe aldrabom. Aldrabom. Os minhotos de cá de baixo falamos assim (e eu até tenho uma certa vaidade na nossa maneira de falar), trocamos o ão pelo om, daí a confusom, e se calhar acreditamo-nos: ora aí está um aldra que é bom, pensamos na melhor das intenções e caímos na esparrela. Porque aí é que a porca torce o rabo: eles não são aldrabons - são aldramaus.
Em palhas deitado 4
Quando Bento XVI escangalhou o presépio
Joseph Ratzinger tinha 85 anos quando, em 2012, resolveu escangalhar o presépio. Tirou a vaca e o burro, porque - dizia o então papa e actual contrapapa - no local do nascimento de Jesus "não havia animais". Portanto também não havia ovelhinhas, o que quer dizer que também não houve pastorinhos do deserto. Sobravam, isso sim, os três reis magos. Gente fina, vinho de outra pipa. Reis. E magos (porque o champanhe ainda não tinha sido inventado). Esses, é certo, estiverem lá, em representação de toda a humanidade - segundo Bento XVI. Estiveram os reis magos e os anjos cantadores.
Eu por acaso até era mais dado a acreditar no burro e na vaca do que na mirabolante história de Gaspar, Melchior e Baltasar, uma boa linha média para quem jogue em 4-3-3, mas que se há-de fazer? Mais de dois mil anos a aquecerem o Menino com os respectivos bafos e é este o pagamento que o burrinho e a vaquinha recebem.
Sempre atento às verdadeiras e mais urgentes necessidades do mundo e da cristandade, Ratzinger, o reaccionário e intriguista, resolveu escangalhar o presépio. Estaria no seu direito. Mas no meu não mexe! Tarrenego!
Jingle bells, jingle bells
jingle bells, jingle bells
obladi, oblada
babalhau, azeite e alho
tá-tará-tá-tá-tá-tá
adeste fideles
na-na-na, nana-nana
vinho na pipa, couves na horta
quem está salvo, salvo está
silent night, holy nigh
grândola vila morena
rapa-tira-deixa-põe
ó que pena, ó que pena
we wish you a merry christmas
morte que mataste lira
porompom pero, porompom
Uma da manhã, ei, bem bom
all i want for christmas is you
giroflé, giroflá, giroflé, flé, flá
o galo badalo, a galinha balbina
o pinto jacinto e o peru gluglu
Joseph Ratzinger tinha 85 anos quando, em 2012, resolveu escangalhar o presépio. Tirou a vaca e o burro, porque - dizia o então papa e actual contrapapa - no local do nascimento de Jesus "não havia animais". Portanto também não havia ovelhinhas, o que quer dizer que também não houve pastorinhos do deserto. Sobravam, isso sim, os três reis magos. Gente fina, vinho de outra pipa. Reis. E magos (porque o champanhe ainda não tinha sido inventado). Esses, é certo, estiverem lá, em representação de toda a humanidade - segundo Bento XVI. Estiveram os reis magos e os anjos cantadores.
Eu por acaso até era mais dado a acreditar no burro e na vaca do que na mirabolante história de Gaspar, Melchior e Baltasar, uma boa linha média para quem jogue em 4-3-3, mas que se há-de fazer? Mais de dois mil anos a aquecerem o Menino com os respectivos bafos e é este o pagamento que o burrinho e a vaquinha recebem.
Sempre atento às verdadeiras e mais urgentes necessidades do mundo e da cristandade, Ratzinger, o reaccionário e intriguista, resolveu escangalhar o presépio. Estaria no seu direito. Mas no meu não mexe! Tarrenego!
Jingle bells, jingle bells
jingle bells, jingle bells
obladi, oblada
babalhau, azeite e alho
tá-tará-tá-tá-tá-tá
adeste fideles
na-na-na, nana-nana
vinho na pipa, couves na horta
quem está salvo, salvo está
silent night, holy nigh
grândola vila morena
rapa-tira-deixa-põe
ó que pena, ó que pena
we wish you a merry christmas
morte que mataste lira
porompom pero, porompom
Uma da manhã, ei, bem bom
all i want for christmas is you
giroflé, giroflá, giroflé, flé, flá
o galo badalo, a galinha balbina
o pinto jacinto e o peru gluglu
quarta-feira, 28 de novembro de 2018
Uma língua que apodrece, uma nação que agoniza
"A minha pátria é a língua portuguesa", escreveu o nosso Fernando Pessoa.
"A Pátria não é a raça, não é o meio, não é o conjunto dos aparelhos
econômicos e políticos: é o idioma criado ou herdado pelo povo. Um povo
só começa a perder a sua independência, a sua existência autônoma,
quando começa a perder o amor do idioma natal. A morte de uma nação
começa pelo apodrecimento da língua", escreveu Olavo Bilac, o brasileiro.
Bilac (1865-1918) e Pessoa (1888-1935). Não quero saber aqui quem é ovo ou quem é galinha, nem me interessa de momento o acordo ortográfico como assunto. Lembrei-me foi dos professores doutores da mula ruça, traidores à pátria, que enchem a boca de "periúdos", de "interésses", de "rúbricas", de "perzeveranças", de "mediúcres". Enchem a boca e apodrecem a língua. Apodrecem a língua e matam a nação.
António Costa, por exemplo. Já era tempinho de aprender a falar português, depois de, em 2015, ter aprendido a não falar mandarim. Não há lá pelos corredores e gabinetes de São Bento quem saiba ensinar ao nosso primeiro-ministro a basezinha das regras de concordância, alguém que o proíba de comer sílabas enquanto fala? Falar com a boca cheia é, para além do mais, falta de educação.
Bilac (1865-1918) e Pessoa (1888-1935). Não quero saber aqui quem é ovo ou quem é galinha, nem me interessa de momento o acordo ortográfico como assunto. Lembrei-me foi dos professores doutores da mula ruça, traidores à pátria, que enchem a boca de "periúdos", de "interésses", de "rúbricas", de "perzeveranças", de "mediúcres". Enchem a boca e apodrecem a língua. Apodrecem a língua e matam a nação.
António Costa, por exemplo. Já era tempinho de aprender a falar português, depois de, em 2015, ter aprendido a não falar mandarim. Não há lá pelos corredores e gabinetes de São Bento quem saiba ensinar ao nosso primeiro-ministro a basezinha das regras de concordância, alguém que o proíba de comer sílabas enquanto fala? Falar com a boca cheia é, para além do mais, falta de educação.
Xosé Chao Rego
Testamento
Eu, Xosé Chao Rego, nado en Vilalba o 23 de abril de 1932, perante o notario declaro:
Que sempre menosprecei, un algo máis da conta, o diñeiro e as posesións dos que é modesta administradora a miña muller, Sari. Dun seu anterior matrimonio é filla Sara, que me distingue co título honorífico de pai. Casou con Luís, e teñen dous fillos que me chaman avó e así, sen dispendio xenético ningún, pasei a ter netos.
A eles, Roi e Iria, lego o meu modesto capital simbólico: senllas sandalias e un camiño, o que eu mesmo fixen peregrinando pola Terra Chá ata o sue extremo na serra de Meira, no Pedragal de Irimia, onde nace o Pai Miño. Alí me bauticei simbolicamente - "Eu renazo galego" - e, tralo casamento da galeguidade e a fe cristiá, recobrei a fala. Queiran, Abraham e Breogán, que os meus netiños, xa encamiñados, se vaian facendo irimegos, da familia de crentes galegos.
Xosé Chao Rego
(Xosé Chao Rego nasceu no dia 23 de Abril de 1932. Morreu no dia 28 de Novembro de 2015.)
Eu, Xosé Chao Rego, nado en Vilalba o 23 de abril de 1932, perante o notario declaro:
Que sempre menosprecei, un algo máis da conta, o diñeiro e as posesións dos que é modesta administradora a miña muller, Sari. Dun seu anterior matrimonio é filla Sara, que me distingue co título honorífico de pai. Casou con Luís, e teñen dous fillos que me chaman avó e así, sen dispendio xenético ningún, pasei a ter netos.
A eles, Roi e Iria, lego o meu modesto capital simbólico: senllas sandalias e un camiño, o que eu mesmo fixen peregrinando pola Terra Chá ata o sue extremo na serra de Meira, no Pedragal de Irimia, onde nace o Pai Miño. Alí me bauticei simbolicamente - "Eu renazo galego" - e, tralo casamento da galeguidade e a fe cristiá, recobrei a fala. Queiran, Abraham e Breogán, que os meus netiños, xa encamiñados, se vaian facendo irimegos, da familia de crentes galegos.
Xosé Chao Rego
(Xosé Chao Rego nasceu no dia 23 de Abril de 1932. Morreu no dia 28 de Novembro de 2015.)
Luiz Ruas 3
Descoberta
foi no tempo do luar pois não existe sol
no velho parque - tempo não maduro -
que encontrei o sempiterno clown.
queria ver-lhe a face. e sua face
era imenso lago azul parado
onde a lua se repetia. lua.
queria ver seu corpo - um chafariz
era seu corpo de barro modelado
aljofrando de estrelas e de pérolas
o céu e o chão banhados em azul.
apenas vi o velho clown beijando
uma boneca. e beijando-a chorava.
e ria ao mesmo tempo que
o destino dos palhaços é fundir
à luz da lua o alegre riso e o triste pranto.
e vendo ser inútil o meu esforço
de descobrir integralmente o clown
eu suplicante lhe falei assim
[...]
"Aparição do Clown", Luiz Ruas
(Luiz Ruas nasceu no dia 28 de Novembro de 1931. Morreu em 2000.)
foi no tempo do luar pois não existe sol
no velho parque - tempo não maduro -
que encontrei o sempiterno clown.
queria ver-lhe a face. e sua face
era imenso lago azul parado
onde a lua se repetia. lua.
queria ver seu corpo - um chafariz
era seu corpo de barro modelado
aljofrando de estrelas e de pérolas
o céu e o chão banhados em azul.
apenas vi o velho clown beijando
uma boneca. e beijando-a chorava.
e ria ao mesmo tempo que
o destino dos palhaços é fundir
à luz da lua o alegre riso e o triste pranto.
e vendo ser inútil o meu esforço
de descobrir integralmente o clown
eu suplicante lhe falei assim
[...]
"Aparição do Clown", Luiz Ruas
(Luiz Ruas nasceu no dia 28 de Novembro de 1931. Morreu em 2000.)
terça-feira, 27 de novembro de 2018
Fafe homenageia o Professor Humberto Gonçalves
A Câmara de Fafe presta homenagem ao Professor Humberto Gonçalves, no próximo sábado, dia 1 de Dezembro. Mais informação, aqui.
Microcontos & outras miudezas 116
Crime perfeito
Arranjou uma amante, contratou um mordomo, atrasou o relógio, matou a mulher e chamou a polícia. Por esta ordem.
Dêem-me uma razão sólida
"Mas afinal o que é que o Icónico tem mais do que eu!?", queixava-se o Icúbico.
Radiofonicamente falando
Tinha dois rádios muito jeitosos. Depois de um acidente em Vigo, o rádio do braço esquerdo, coitadinho, só apanha a onda curta.
Tempo e resultado
Na sacramental ronda pelos vários campos, o pivô da emissão pergunta ao relatador "Tempo e resultado". O relatador informa, conciso e preciso: - O tempo está bom e o resultado mantém-se.
Eu faleça aqui!...
Até era um tipo sério, mas tinha uma forma muito pouco convincente de jurar. Dizia: - Eu seja invisualzinho!...
Uma boa merda...
A avó mandava-o à merda e ele lá ia todo contente. Levava uma telha e tornava-a a casa cheia de poios de bosta, quanto mais fresca melhor, para selar a porta do forno que cozia o pão. Ir à merda era, naquele tempo, satisfatoriamente adequado.
O tamanho importa
O meu irmão ofereceu-me um livro com oitocentas e noventa e cinco páginas. É a prova que faltava. Aquele gajo não me grama...
O feitiço contra o feiticeiro
Quando o Feitiço se virou contra o Feiticeiro, o Feiticeiro resmungou: - Mal agradecido...
Arranjou uma amante, contratou um mordomo, atrasou o relógio, matou a mulher e chamou a polícia. Por esta ordem.
Dêem-me uma razão sólida
"Mas afinal o que é que o Icónico tem mais do que eu!?", queixava-se o Icúbico.
Radiofonicamente falando
Tinha dois rádios muito jeitosos. Depois de um acidente em Vigo, o rádio do braço esquerdo, coitadinho, só apanha a onda curta.
Tempo e resultado
Na sacramental ronda pelos vários campos, o pivô da emissão pergunta ao relatador "Tempo e resultado". O relatador informa, conciso e preciso: - O tempo está bom e o resultado mantém-se.
Eu faleça aqui!...
Até era um tipo sério, mas tinha uma forma muito pouco convincente de jurar. Dizia: - Eu seja invisualzinho!...
Uma boa merda...
A avó mandava-o à merda e ele lá ia todo contente. Levava uma telha e tornava-a a casa cheia de poios de bosta, quanto mais fresca melhor, para selar a porta do forno que cozia o pão. Ir à merda era, naquele tempo, satisfatoriamente adequado.
O tamanho importa
O meu irmão ofereceu-me um livro com oitocentas e noventa e cinco páginas. É a prova que faltava. Aquele gajo não me grama...
O feitiço contra o feiticeiro
Quando o Feitiço se virou contra o Feiticeiro, o Feiticeiro resmungou: - Mal agradecido...
Adonias Filho 5
Quer saber quem era Manuel Pedro? Como era Manuel Pedro? Olhos vivos de gato em uma fisionomia parada de estátua. Dir-se-ia não haver sangue, sangue e nervos, no rosto chato. Apenas um bloco de carne, sem pêlos, nariz acurvado como bico, testa ampla, boca pequena, sempre fechada, escondendo os dentes de animal carnívoro.
Adonias Filho
(Adonias Filho nasceu no dia 27 de Novembro de 1915. Morreu em 1990.)
Adonias Filho
(Adonias Filho nasceu no dia 27 de Novembro de 1915. Morreu em 1990.)
Raduan Nassar 2
Era uma água represada (que correnteza, quanto desassossego!)
que jorrava daquela imaginação adolescente ansiosa por dissipar sua
poesia e seu lirismo,era talvez a minha aprovação que ele queria quando terminasse de descrever seu projeto de aventuras, e enquanto eu escutava aquelas fantasias todas - infladas de distâncias inúteis - ia pensando também em abaixar seus cílios alongados, dizendo-lhe ternamente "dorme menino"; mas não foi para fechar seus olhos que estendi o braço, correndo logo a mão no seu peito liso: encontrei ali uma pele branda, morna, tinha a textura de um lírio; e meu gesto imponderável perdia aos poucos o comando naquele repouso quente, que já resvalava numa pesquisa insólita, levando Lula a interromper bruscamente seu relato, enquanto suas pernas de potro compensavam o silêncio, voltando a mexer desordenadas sob o lençol; subindo a mão, alcancei com o dorso suas faces imberbes, as maçãs do rosto já estavam em febre; nos seus olhos, ousadia e dissimulação se misturavam, ora avançando, ora recuando como nuns certos olhos antigos, seus olhos eram, sem sobre de dúvida, os primitivos olhos de Ana!
- Que que você está fazendo, André?
Aprisionado no velho templo, os pés ainda cobertos de sal (que prenúncios de alvoroço!), eu estendia a mão sobre o pássaro novo que pouco antes se debatia contra o vitral.
- Que que você está fazendo, André?
Não respondi ao protesto dúbio, sentindo cada vez mais confusa a súbita neblina de incenso que invadia o quarto, compondo giros, espiras e remoinhos, apagando ali as ressonâncias do trabalho animado e ruidoso em torno da mesa lá no pátio, a que alguns vizinhos acabavam de se juntar. Minha festa seria no dia seguinte, e, depois, eu tinha transferido para a aurora o meu discernimento, sem contar que a madrugada haveria também de derramar o orvalho frio sobre os belos cabelos de Lula, quando ele percorresse o caminho que levava da casa para a capela.
- Que que você está fazendo, André?
Aprisionado no velho templo, os pés ainda cobertos de sal (que prenúncios de alvoroço!), eu estendia a mão sobre o pássaro novo que pouco antes se debatia contra o vitral.
- Que que você está fazendo, André?
Não respondi ao protesto dúbio, sentindo cada vez mais confusa a súbita neblina de incenso que invadia o quarto, compondo giros, espiras e remoinhos, apagando ali as ressonâncias do trabalho animado e ruidoso em torno da mesa lá no pátio, a que alguns vizinhos acabavam de se juntar. Minha festa seria no dia seguinte, e, depois, eu tinha transferido para a aurora o meu discernimento, sem contar que a madrugada haveria também de derramar o orvalho frio sobre os belos cabelos de Lula, quando ele percorresse o caminho que levava da casa para a capela.
"Lavoura Arcaica", Raduan Nassar
(Raduan Nassar nasceu no dia 27 de Novembro de 1935)
segunda-feira, 26 de novembro de 2018
Homem rico, homem pobre
Joe Berardo deve 280 milhões de euros à Caixa Geral de Depósitos e é um homem rico. Eu não devo um cêntimo a ninguém e sou um homem pobre. Bem dizia frei Tomás: - O calote, meus irmãos, é o caminho para a fortuna...
Mário Cesariny 7
[O Álvaro gosta muito]
O Álvaro gosta muito de levar no cu
O Alberto nem por isso
O Ricardo dá-lhe mais para ir
O Fernando emociona-se e não consegue acabar.
O Campos
Em podendo fazia-o mais de uma vez por dia
Ficavam-lhe os olhos brancos
E não falava, mordia. O Alberto
É mais por causa da fotografia
Das árvores altas nos montes perto
Quando passam rapazes
O que nem sempre sucedia.
O Fernando o seu maior desejo desde adulto
(Mas já na tenra idade lhe provia)
Era ver os hètèros a foder uns com os outros
Pela seguinte ordem e teoria:
O Ricardo no chão, debaixo de todos (era molengão
Em não se tratando de anacreônticas) introduzia-
-Se no Alberto até à base
E com algum incómodo o Alberto erguia
Nos pulsos a ordem da kabalia
Tentando passá-la ao Álvaro
Que enroscado no Search mordia mordia
E a mais não dava atenção.
O Search tentava
Apanhar o membro do Bernardo
Que crescia sem parança direcção espaço
E era o que mais avultava na dança
Das pernas do maço de heteronomia
A que aliás o Search era um pouco emprestado
Como de ajuda externa (de janela ao lado)
Àquela endemonia
Hoje em dia moderna e caso arrumado.
Formado o quadrado
Era quando o Aleyster Crowley aparecia.
"Iô Pan! Iô Pã!", dizia,
E era felatio para todos
e pão de ló molhado em malvasia.
"O Virgem Negra", Mário Cesariny
(Mário Cesariny nasceu no dia 9 de Agosto de 1923. Morreu no dia 26 de Novembro de 2006.)
O Álvaro gosta muito de levar no cu
O Alberto nem por isso
O Ricardo dá-lhe mais para ir
O Fernando emociona-se e não consegue acabar.
O Campos
Em podendo fazia-o mais de uma vez por dia
Ficavam-lhe os olhos brancos
E não falava, mordia. O Alberto
É mais por causa da fotografia
Das árvores altas nos montes perto
Quando passam rapazes
O que nem sempre sucedia.
O Fernando o seu maior desejo desde adulto
(Mas já na tenra idade lhe provia)
Era ver os hètèros a foder uns com os outros
Pela seguinte ordem e teoria:
O Ricardo no chão, debaixo de todos (era molengão
Em não se tratando de anacreônticas) introduzia-
-Se no Alberto até à base
E com algum incómodo o Alberto erguia
Nos pulsos a ordem da kabalia
Tentando passá-la ao Álvaro
Que enroscado no Search mordia mordia
E a mais não dava atenção.
O Search tentava
Apanhar o membro do Bernardo
Que crescia sem parança direcção espaço
E era o que mais avultava na dança
Das pernas do maço de heteronomia
A que aliás o Search era um pouco emprestado
Como de ajuda externa (de janela ao lado)
Àquela endemonia
Hoje em dia moderna e caso arrumado.
Formado o quadrado
Era quando o Aleyster Crowley aparecia.
"Iô Pan! Iô Pã!", dizia,
E era felatio para todos
e pão de ló molhado em malvasia.
"O Virgem Negra", Mário Cesariny
(Mário Cesariny nasceu no dia 9 de Agosto de 1923. Morreu no dia 26 de Novembro de 2006.)
Em palhas deitado 3
Popota e Leopoldina vs. Pai Natal e Menino Jesus
A Popota e a Leopoldina já por aí andam, os amigos com quem não falamos há 351 dias ligam-nos repentinamente por causa do tal almoço, as ruas esburacadas ganham luzinhas pisca-pisca e continuam esburacadas, as castanhas assadas saíram este ano uma categoria, o José Marinho, graças a Deus, já só fala para benfiquistas, os filmes e séries de televisão começam a puxar à lágrima, chove que é uma desgraça, e se não chovesse também era, e portanto quer dizer que estamos no Natal. Tolero os amigos absentistas, as iluminações adventistas, os aquénios de ouriço cheios de bolor e bicho, que nem foi o caso, e até o superimbecil Marinho, se não o ouvir. Já quanto à Leopoldina e à Popota, que se me afiguram razoavelmente prostitutas, eu continuo a preferir o Menino Jesus.
Eu seja invisualzinho!...
As árvores. As árvores acendem-se, tremeluzem como se estivessem bêbadas, e é o que ouço na rua às pessoas que comem palavras como o nosso querido e obeso primeiro-ministro, ainda que no caso das pessoas sejam palavras pequenas, palavras ínfimas, praticamente de dieta, come-se o artigo definido à falta de alimento substantivo, catam-se migalhas, palavras de uma letra só, e mais vale comer palavras, ainda que resumidas e insossas, do que não comer nada. Ouço, como se fossem dois pré-cegos:
- Então, se não voltar a ver, um bom Natal e feliz ano novo...
- Para si também, se não voltar a ver, um Natal feliz e muitas prosperidades...
E uma boa continuação para ti também!
Dá-me para isto ultimamente, para os abraços e para perguntar aos meus amigos: - Andas feliz? És feliz? - Pergunto acerca do coração, dos afectos, do casamento, do divórcio, da mulher, da namorada, da mulher e das namoradas (há quem acumule), dos filhos, dos netos, dos irmãos, dos pais, dos sogros, da saúde, da fé, das ideias, da poesia, de Deus, dos sonhos, da vida. Falo de bondade, de amor, de compaixão, de vinho. "És feliz? Andas feliz?", é o que pergunto, exactamente da mesma maneira que pergunto em casa, à mesa, se a comidinha que eu cozinhei está boa. Porque. A vida para ter algum jeito também deve saber bem, não é? Os meus amigos interessam-me muito e por isso é que são sem aspas e sem Facebook. Somos amigos cara a cara, de abraço de carne e osso, e uma boa meia dúzia.
A Popota e a Leopoldina já por aí andam, os amigos com quem não falamos há 351 dias ligam-nos repentinamente por causa do tal almoço, as ruas esburacadas ganham luzinhas pisca-pisca e continuam esburacadas, as castanhas assadas saíram este ano uma categoria, o José Marinho, graças a Deus, já só fala para benfiquistas, os filmes e séries de televisão começam a puxar à lágrima, chove que é uma desgraça, e se não chovesse também era, e portanto quer dizer que estamos no Natal. Tolero os amigos absentistas, as iluminações adventistas, os aquénios de ouriço cheios de bolor e bicho, que nem foi o caso, e até o superimbecil Marinho, se não o ouvir. Já quanto à Leopoldina e à Popota, que se me afiguram razoavelmente prostitutas, eu continuo a preferir o Menino Jesus.
Eu seja invisualzinho!...
As árvores. As árvores acendem-se, tremeluzem como se estivessem bêbadas, e é o que ouço na rua às pessoas que comem palavras como o nosso querido e obeso primeiro-ministro, ainda que no caso das pessoas sejam palavras pequenas, palavras ínfimas, praticamente de dieta, come-se o artigo definido à falta de alimento substantivo, catam-se migalhas, palavras de uma letra só, e mais vale comer palavras, ainda que resumidas e insossas, do que não comer nada. Ouço, como se fossem dois pré-cegos:
- Então, se não voltar a ver, um bom Natal e feliz ano novo...
- Para si também, se não voltar a ver, um Natal feliz e muitas prosperidades...
E uma boa continuação para ti também!
Dá-me para isto ultimamente, para os abraços e para perguntar aos meus amigos: - Andas feliz? És feliz? - Pergunto acerca do coração, dos afectos, do casamento, do divórcio, da mulher, da namorada, da mulher e das namoradas (há quem acumule), dos filhos, dos netos, dos irmãos, dos pais, dos sogros, da saúde, da fé, das ideias, da poesia, de Deus, dos sonhos, da vida. Falo de bondade, de amor, de compaixão, de vinho. "És feliz? Andas feliz?", é o que pergunto, exactamente da mesma maneira que pergunto em casa, à mesa, se a comidinha que eu cozinhei está boa. Porque. A vida para ter algum jeito também deve saber bem, não é? Os meus amigos interessam-me muito e por isso é que são sem aspas e sem Facebook. Somos amigos cara a cara, de abraço de carne e osso, e uma boa meia dúzia.
Álvaro Pacheco 2
Genética
Não há nada
de meu pai em meu filho, exceto
um certo jeito de sorrir que eu tenho
e o silêncio de antes e depois
cheio de presságios.
"A Força Humana", Álvaro Pacheco
(Álvaro Pacheco nasceu no dia 26 de Novembro de 1933)
Gustavo Pernas 2
A vella sensación do prohibido. Peza pintoresca e Pinteriana.
Néboa. Parella con colchón no alto dun monte.
ELA- ¡25 anos!
EL- Si.
ELA- Durou moito, ¿eh?
EL- Agora non aguantan tanto.
ELA- Esgótanse antes (Pausa) ¿Estás cansado?
EL- O camiño...
ELA- Segue igual. ¿Decatácheste?
EL- Non puiden velo.
ELA- Xa, a néboa.
EL- Non, o colchón.
ELA- Pesa, ¿non?
EL- Só puiden ver as pedras e...
ELA- Daquela subimos máis rápido.
EL- Daquela non tiñamos colchón.
ELA- ¿Lembras? ¿Estará cambiado?
EL- Non se ve nada...
ELA- ¿Clareará?
EL- Sempre a néboa.
ELA- ¿Sempre?
EL- A primeira vez... e agora.
ELA- A primeira vez non había néboa.
EL- ¿Non? Ben, sempre hai unha primeira vez.
ELA- ¿Lembras? Asomámonos desde a balaustrada, ¡que marco, que vista! Había barcos, árbores, peirao, faro e ó lonxe...
EL- ¿Que?
ELA- Non me lembro que había ó lonxe.
[...]
Gustavo Pernas
(Gustavo Pernas nasceu no dia 26 de Novembro de 1959. Morreu no passado dia 29 de Outubro)
Néboa. Parella con colchón no alto dun monte.
ELA- ¡25 anos!
EL- Si.
ELA- Durou moito, ¿eh?
EL- Agora non aguantan tanto.
ELA- Esgótanse antes (Pausa) ¿Estás cansado?
EL- O camiño...
ELA- Segue igual. ¿Decatácheste?
EL- Non puiden velo.
ELA- Xa, a néboa.
EL- Non, o colchón.
ELA- Pesa, ¿non?
EL- Só puiden ver as pedras e...
ELA- Daquela subimos máis rápido.
EL- Daquela non tiñamos colchón.
ELA- ¿Lembras? ¿Estará cambiado?
EL- Non se ve nada...
ELA- ¿Clareará?
EL- Sempre a néboa.
ELA- ¿Sempre?
EL- A primeira vez... e agora.
ELA- A primeira vez non había néboa.
EL- ¿Non? Ben, sempre hai unha primeira vez.
ELA- ¿Lembras? Asomámonos desde a balaustrada, ¡que marco, que vista! Había barcos, árbores, peirao, faro e ó lonxe...
EL- ¿Que?
ELA- Non me lembro que había ó lonxe.
[...]
Gustavo Pernas
(Gustavo Pernas nasceu no dia 26 de Novembro de 1959. Morreu no passado dia 29 de Outubro)
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domingo, 25 de novembro de 2018
Os mundialmente famosos pastéis de Oeiras
O relatador da Antena 1, rádio nacional, não se cansava de dizer, ontem à noite, directamente do Estádio do Dragão: "os azuis de Belém", "a equipa de Belém", "os homens de Belém". Do Restelo é que nunca, que ele tinha tudo pensado. Mal pensado. Eu também pensei, e concluí que "os azuis de Belém", "a equipa de Belém", "os homens de Belém" são um honrado grupinho de futebol de um grande clube que joga actualmente na 1.ª Divisão Distrital de Lisboa. Para não asnear, o relatador da Antena 1, rádio nacional, deveria ter dito, ontem à noite, directamente do Estádio do Dragão: "os azuis de Oeiras", "a equipa do Jamor", "os homens de Algés, Linda-a-Velha e Cruz Quebrada-Dafundo".
Finura
Era de uma educação requintada. Dizia: "Tem progenitor que é invisual". Dizia: "Em terra de invisuais, quem possui um olho é monarca". Dizia: "O pior invisual é aquele que se recusa a vislumbrar". Dizia: "A palavras loucas, pavilhões auriculares insonoros".
Eça de Queirós 6
Tinham dado onze horas no cuco da sala de jantar. Jorge fechou o volume de Luís Figuier que estivera folheando devagar, estirado na velha poltrona de marroquim escuro, espreguiçou-se, bocejou e disse:
- Tu não te vais vestir, Luísa?
- Logo.
Ficara sentada à mesa a ler o Diário de Notícias, no seu roupão de manhã de fazenda preta, bordado a sutache, com largos botões de madrepérola; o cabelo louro um pouco desmanchado, com um tom seco do calor do travesseiro, enrolava-se, torcido no alto da cabeça pequenina, de perfil bonito; a sua pele tinha a brancura tenra e láctea das louras; com o cotovelo encostado à mesa acariciava a orelha, e, no movimento lento e suave dos seus dedos, dois anéis de rubis miudinhos davam cintilações escarlates.
Tinham acabado de almoçar.
"O Primo Basílio", Eça de Queirós
(Eça de Queirós nasceu no dia 25 de Novembro de 1845. Morreu em 1900.)
- Tu não te vais vestir, Luísa?
- Logo.
Ficara sentada à mesa a ler o Diário de Notícias, no seu roupão de manhã de fazenda preta, bordado a sutache, com largos botões de madrepérola; o cabelo louro um pouco desmanchado, com um tom seco do calor do travesseiro, enrolava-se, torcido no alto da cabeça pequenina, de perfil bonito; a sua pele tinha a brancura tenra e láctea das louras; com o cotovelo encostado à mesa acariciava a orelha, e, no movimento lento e suave dos seus dedos, dois anéis de rubis miudinhos davam cintilações escarlates.
Tinham acabado de almoçar.
"O Primo Basílio", Eça de Queirós
(Eça de Queirós nasceu no dia 25 de Novembro de 1845. Morreu em 1900.)
Jenaro Marinhas del Valle
[...]
Partem as aves. Entram polo lateral vazio dona Claustófila e dona Reverenciana, ambas andam por umha idade mais que madura, ambas som atesadas, enxoitas e desluzidas como folha de bacalhau. Sentam-se no banco que dá frente ao público, tiram dos bolsos o novelo de lá e as longas agulhas de calcetar para continuar o labor encetado, parecem simular um jogo de esgrima a florete. Entra por onde antes elas o figérom o home, tamém maduro, roupas e chapeu amarfanhados, mal barbeado, tudo nel tem aspecto, se nom precisamente sujo, si desajeitado, esbaldragado. Porta um grande pára-águas sem enrolar e uns diários. Tenta sentar-se no sítio livre que deixam no extremo do banco as senhoras; mas para llo impedir correm-se elas rapidamente ocupando-o.
[...]
"O Assento", Jenaro Marinhas del Valle
(Jenaro Marinhas del Valle nasceu no dia 25 de Novembro de 1908. Morreu em 1999.)
Partem as aves. Entram polo lateral vazio dona Claustófila e dona Reverenciana, ambas andam por umha idade mais que madura, ambas som atesadas, enxoitas e desluzidas como folha de bacalhau. Sentam-se no banco que dá frente ao público, tiram dos bolsos o novelo de lá e as longas agulhas de calcetar para continuar o labor encetado, parecem simular um jogo de esgrima a florete. Entra por onde antes elas o figérom o home, tamém maduro, roupas e chapeu amarfanhados, mal barbeado, tudo nel tem aspecto, se nom precisamente sujo, si desajeitado, esbaldragado. Porta um grande pára-águas sem enrolar e uns diários. Tenta sentar-se no sítio livre que deixam no extremo do banco as senhoras; mas para llo impedir correm-se elas rapidamente ocupando-o.
[...]
"O Assento", Jenaro Marinhas del Valle
(Jenaro Marinhas del Valle nasceu no dia 25 de Novembro de 1908. Morreu em 1999.)
Oswaldo Osório 2
Nome de pão
ouso nosso pão e posso
ouso nosso pão e posso
ainda molecular a ideia
para dedos de haver esperança
ouso pensar
coragem e amar
e tanta coisa que é pão.
Oswaldo Osório
(Oswaldo Osório nasceu no dia 25 de Novembro de 1937)
ouso nosso pão e posso
ouso nosso pão e posso
ainda molecular a ideia
para dedos de haver esperança
ouso pensar
coragem e amar
e tanta coisa que é pão.
Oswaldo Osório
(Oswaldo Osório nasceu no dia 25 de Novembro de 1937)
sábado, 24 de novembro de 2018
Em palhas deitado 2
Naquele tempo o Menino Jesus era nosso
As coisas em que a gente acredita quando é miúdo! Eu, por exemplo, acreditava piamente que o Menino Jesus era português - morra já aqui se estou a mentir. Eu ia à missa, ajudava, ouvia com gosto aqueles bocadinhos de Bíblia e fazia a conexão que se impunha: se a Samaritana é de Coimbra, se os apóstolos são todos portugueses - João e Tiago, filhos de Zebedeu, Pedro, André, Mateus, Tomé, Bartolomeu, e por aí fora -, se o Jordão é em Guimarães e o Calvário em Fafe, se Roma é uma avenida em Lisboa, se Nazaré e Belém são nossos, então o Menino Jesus também é. Deus é nosso. Se Deus quiser até joga na Selecção e marca os golos que Lhe apetecer. Já grande, e após alguns anos de reeducação nos trabalhos forçados do seminário, passei a olhar com um certo carinho e determinada melancolia para esta minha crença infantil e patriótica. Depois veio Cavaco Silva, em 2006, e eu deixei finalmente de acreditar. Dediquei-me à exegese, à hermenêutica, à toponímia, à geografia e à natação sincronizada sob chuveiro, sem ofensa para os presentes e apenas às primeiras quartas-feiras de cada mês, de três em três meses, dez minutos antes de me deitar.
Natal é como o homem quiser
Olhei para o céu, estava estrelado. Mandei para trás. Eu tinha pedido escalfado.
As coisas em que a gente acredita quando é miúdo! Eu, por exemplo, acreditava piamente que o Menino Jesus era português - morra já aqui se estou a mentir. Eu ia à missa, ajudava, ouvia com gosto aqueles bocadinhos de Bíblia e fazia a conexão que se impunha: se a Samaritana é de Coimbra, se os apóstolos são todos portugueses - João e Tiago, filhos de Zebedeu, Pedro, André, Mateus, Tomé, Bartolomeu, e por aí fora -, se o Jordão é em Guimarães e o Calvário em Fafe, se Roma é uma avenida em Lisboa, se Nazaré e Belém são nossos, então o Menino Jesus também é. Deus é nosso. Se Deus quiser até joga na Selecção e marca os golos que Lhe apetecer. Já grande, e após alguns anos de reeducação nos trabalhos forçados do seminário, passei a olhar com um certo carinho e determinada melancolia para esta minha crença infantil e patriótica. Depois veio Cavaco Silva, em 2006, e eu deixei finalmente de acreditar. Dediquei-me à exegese, à hermenêutica, à toponímia, à geografia e à natação sincronizada sob chuveiro, sem ofensa para os presentes e apenas às primeiras quartas-feiras de cada mês, de três em três meses, dez minutos antes de me deitar.
Natal é como o homem quiser
Olhei para o céu, estava estrelado. Mandei para trás. Eu tinha pedido escalfado.
António Gedeão 6
Homem
Inútil definir este animal aflito.
Nem palavras,
nem cinzéis,
nem acordes,
nem pincéis
são gargantas deste grito.
Universo em expansão.
Pincelada de zarcão
desde mais infinito a menos infinito.
"Movimento Perpétuo", António Gedeão
(António Gedeão nasceu no dia 24 de Novembro de 1906. Morreu em 1997.)
Inútil definir este animal aflito.
Nem palavras,
nem cinzéis,
nem acordes,
nem pincéis
são gargantas deste grito.
Universo em expansão.
Pincelada de zarcão
desde mais infinito a menos infinito.
"Movimento Perpétuo", António Gedeão
(António Gedeão nasceu no dia 24 de Novembro de 1906. Morreu em 1997.)
Eugenio Montes 3
Good-bye, Galicia
Na Galicia aínda hai lúa porque aínda non hai negros
- eu xa os vin en New Orleans violándoa en camisa -
no intre que na fogueira do jazz os antropófagos
a carne do silencio cocían coa súa risa.
Na Galicia aínda os melros baixan beber aos ollos
porque os klaxon non deixan en knock-out as esquiñas
máis xa en París as casas de seguros de viaxes
non pagan prima de pasaxe ás anduriñas.
A ría ao sol é rosa. Nela liban as gaitas
o mel das súas cántigas i a sede do roncón,
mais Deus ten contratado pra o xuicio derradeiro
unha banda de arcanxos con baixo e saxofón.
Galicia é inxenua, aínda, como un real de sardiñas
porque as olas en Moaña non ouviron de Freud,
mais tí i eu xa fumamos o Lucki Strike do Sena
i hai que darlle a Esculapio un chapeu de cow-boy.
"Versos a Tres Cás o Neto", Eugenio Montes
(Eugenio Montes nasceu no dia 24 de Novembro de 1900. Morreu em 1982.)
Na Galicia aínda hai lúa porque aínda non hai negros
- eu xa os vin en New Orleans violándoa en camisa -
no intre que na fogueira do jazz os antropófagos
a carne do silencio cocían coa súa risa.
Na Galicia aínda os melros baixan beber aos ollos
porque os klaxon non deixan en knock-out as esquiñas
máis xa en París as casas de seguros de viaxes
non pagan prima de pasaxe ás anduriñas.
A ría ao sol é rosa. Nela liban as gaitas
o mel das súas cántigas i a sede do roncón,
mais Deus ten contratado pra o xuicio derradeiro
unha banda de arcanxos con baixo e saxofón.
Galicia é inxenua, aínda, como un real de sardiñas
porque as olas en Moaña non ouviron de Freud,
mais tí i eu xa fumamos o Lucki Strike do Sena
i hai que darlle a Esculapio un chapeu de cow-boy.
"Versos a Tres Cás o Neto", Eugenio Montes
(Eugenio Montes nasceu no dia 24 de Novembro de 1900. Morreu em 1982.)
sexta-feira, 23 de novembro de 2018
Virando a página
Dele se dizia que passou toda a vida ao lado de uma grande carreira. Era, com efeito, virador de partituras.
Herberto Helder 5
Se houvesse degraus na terra
Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.
Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.
Herberto Helder
(Herberto Helder nasceu no dia 23 de Novembro de 1930. Morreu em 2015.)
Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.
Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.
Herberto Helder
(Herberto Helder nasceu no dia 23 de Novembro de 1930. Morreu em 2015.)
Álvaro Moreyra
Temperatura
Quando eu era mais moço tive na vida um
sorriso para tudo.
Tive?
Ainda tenho.
Mas hoje o meu sorriso é como o sorriso das
bailarinas.
Um sorriso na ponta dos pés, que espia o público
e que às vezes nem está sorrindo.
Dura enquanto dura a dança...
"Circo", Álvaro Moreyra
(Álvaro Moreyra nasceu no dia 23 de Novembro de 1888. Morreu em 1964.)
Quando eu era mais moço tive na vida um
sorriso para tudo.
Tive?
Ainda tenho.
Mas hoje o meu sorriso é como o sorriso das
bailarinas.
Um sorriso na ponta dos pés, que espia o público
e que às vezes nem está sorrindo.
Dura enquanto dura a dança...
"Circo", Álvaro Moreyra
(Álvaro Moreyra nasceu no dia 23 de Novembro de 1888. Morreu em 1964.)
Mário Jorge 3
de que estranhos esgotos
vem a lama onde habitam
tão belos caranguejos?
de que tamanhos sóis
nasce essa luz que ofusca
os olhos de minh'alma?
ah! se eu soubesse diria
e esperava o eco e saberia
o silêncio que dorme nas palavras
Mário Jorge
(Mário Jorge nasceu no dia 23 de Novembro de 1946. Morreu em 1973.)
vem a lama onde habitam
tão belos caranguejos?
de que tamanhos sóis
nasce essa luz que ofusca
os olhos de minh'alma?
ah! se eu soubesse diria
e esperava o eco e saberia
o silêncio que dorme nas palavras
Mário Jorge
(Mário Jorge nasceu no dia 23 de Novembro de 1946. Morreu em 1973.)
quinta-feira, 22 de novembro de 2018
Em palhas deitado
O Natal comove-me. E o caldo de couves também.
Gosto do Natal. Isto é, não gosto do Natal, mas a minha mulher e o meu filho gostam muito, e portanto eu gosto do Natal: temos de ser uns para os outros se queremos manter acesa a lareira da felicidade familiar, ou o radiador a óleo, cada um governa-se conforme pode. E cá em casa o Natal começa cedo: este ano, por exemplo, começou na passada segunda-feira, e coube-me a mim a honra de abrir a época, introduzindo de surpresa uma cassete (sim, uma cassete) de música jingle bells na portinhola do rádio da cozinha. Play, pause, ff, rew, stop, em grande estilo, uma e outra vez, e dezenas de vezes, e centenas de vezes, pelo menos até passar o Dia de Reis, já no próximo ano, se por acaso a velha fita não rebentar antes...
Gosto do Natal, dizia, mas o Natal incomoda-me, perplexa-me, e era precisamente por aqui que eu deveria ter começado, antes que me passe o espanto. Porque, não sei se sabiam, o Natal é um paradoxo, alegra e deprime, e é também um equívoco: marcado para o dia 25, toda a gente sabe que é na noite de 24. A única certeza religiosa e cientificamente homologada é que o Natal é em Dezembro, e no entanto a cantiga diz que "em Maio pode ser"...
O Natal dá-me saudades do Menino Jesus e do meu pai. Não acredito na Popota nem na Leopoldina, mas também nunca acreditei no Pai Natal, embora que o há há, ou ho ho, e não gosto de Coca-Cola. Velhos com barbas brancas, bastamos euzinho cá em baixo e o Imenso lá em cima. Quanto ao xarope, fico-me pelo da tosse, muito agradecido. O Menino Jesus sim, diz-me respeito, e ainda hoje acredito. O Menino Jesus e o meu pai deviam ser da corda, porque era o meu pai quem me punha no sapatinho as avelãs, os chocolatinhos e o par de meias que o Menino Jesus me dava, isso eu sabia. Tão unha com carne deveriam ser os dois que o Menino Jesus nasceu no dia 25 de Dezembro e o meu pai, tudo combinado lá entre eles, morreu de véspera, em França, para doer menos, e doeu ainda mais. Em França é onde nascem os meninos, e acho lamentável que o meu pai tenha sido dado à troca...
O Natal comove-me. As árvores com luzinhas, as músicas tão tlim-tlim-tlam, o generoso pacote de meio quilo de esparguete no saco do Banco Alimentar, os sorrisos de orelha a orelha, os votos de, os programas de televisão marca Uaitecristmas, as greves nos hospitais, nos tribunais e outras que tais, as estradas que desaparecem engolindo pessoas, o circo, muito circo, a mensagem de Sua Excelência o Senhor Presidente da República, a comida, a comida, a comida, tudo ajuda à missa da minha sazonal e imensa comoção. E o vinho também.
No Natal de aqui há quatro anos, não vai assim tão longe, lembro-me que até já estava a ficar agoniado de tanto me comover. Resolvi, para desenfastiar, fazer um caldo de couves. Isso, um caldo de couves. Foi na noite de 25 exactamente. Uns olhinhos de couve-galega, feijão vermelho, batata mal desfeita, uma tirinha de toucinho salgado, um cibo de vaca, azeite com fartura natalícia. A panela foi à mesa de gala, fumegante como a velha locomotiva que arrastava o comboio até Fafe nos tempos em que eu não me comovia por tudo e por nada e em que a minha memória era o futuro.
Foi o nosso jantar. O caldo estava antigo, de repetir e lamber os beiços. Repeti e lambi. O calor, o sabor, o odor, o estupor, quero dizer, o estupor do caldo caiu que nem ginjas, sossegando-me o estômago mais a alma. E, como num filme de reprise, tornou-me à casinha do Santo Velho, à roda da mesa com os meus irmãos, a minha mãe, o meu pai e o Menino Jesus que ainda não tinha nascido. Tornou-me à minha avó de Basto, na cozinha de chão de terra da Casa do Carreiro que cheirava sempre ao meu caldo. Quem me dera lá, sem a sonsice da idade! E de repente topei-me de olhos humedecidos, turvos, uma vagarosa lágrima descompondo-me escandalosamente a cara. De cabeça enfiada na malga, desculpei-me da boca para fora que era do vapor, e pensei: caralho, estás a chorar por causa de um caldo de couves, não tens vergonha? Ainda por cima, este tem carne...
No ano seguinte foi canja e não chorei. É curioso: a canja não puxa ao sentimento.
Gosto do Natal. Isto é, não gosto do Natal, mas a minha mulher e o meu filho gostam muito, e portanto eu gosto do Natal: temos de ser uns para os outros se queremos manter acesa a lareira da felicidade familiar, ou o radiador a óleo, cada um governa-se conforme pode. E cá em casa o Natal começa cedo: este ano, por exemplo, começou na passada segunda-feira, e coube-me a mim a honra de abrir a época, introduzindo de surpresa uma cassete (sim, uma cassete) de música jingle bells na portinhola do rádio da cozinha. Play, pause, ff, rew, stop, em grande estilo, uma e outra vez, e dezenas de vezes, e centenas de vezes, pelo menos até passar o Dia de Reis, já no próximo ano, se por acaso a velha fita não rebentar antes...
Gosto do Natal, dizia, mas o Natal incomoda-me, perplexa-me, e era precisamente por aqui que eu deveria ter começado, antes que me passe o espanto. Porque, não sei se sabiam, o Natal é um paradoxo, alegra e deprime, e é também um equívoco: marcado para o dia 25, toda a gente sabe que é na noite de 24. A única certeza religiosa e cientificamente homologada é que o Natal é em Dezembro, e no entanto a cantiga diz que "em Maio pode ser"...
O Natal dá-me saudades do Menino Jesus e do meu pai. Não acredito na Popota nem na Leopoldina, mas também nunca acreditei no Pai Natal, embora que o há há, ou ho ho, e não gosto de Coca-Cola. Velhos com barbas brancas, bastamos euzinho cá em baixo e o Imenso lá em cima. Quanto ao xarope, fico-me pelo da tosse, muito agradecido. O Menino Jesus sim, diz-me respeito, e ainda hoje acredito. O Menino Jesus e o meu pai deviam ser da corda, porque era o meu pai quem me punha no sapatinho as avelãs, os chocolatinhos e o par de meias que o Menino Jesus me dava, isso eu sabia. Tão unha com carne deveriam ser os dois que o Menino Jesus nasceu no dia 25 de Dezembro e o meu pai, tudo combinado lá entre eles, morreu de véspera, em França, para doer menos, e doeu ainda mais. Em França é onde nascem os meninos, e acho lamentável que o meu pai tenha sido dado à troca...
O Natal comove-me. As árvores com luzinhas, as músicas tão tlim-tlim-tlam, o generoso pacote de meio quilo de esparguete no saco do Banco Alimentar, os sorrisos de orelha a orelha, os votos de, os programas de televisão marca Uaitecristmas, as greves nos hospitais, nos tribunais e outras que tais, as estradas que desaparecem engolindo pessoas, o circo, muito circo, a mensagem de Sua Excelência o Senhor Presidente da República, a comida, a comida, a comida, tudo ajuda à missa da minha sazonal e imensa comoção. E o vinho também.
No Natal de aqui há quatro anos, não vai assim tão longe, lembro-me que até já estava a ficar agoniado de tanto me comover. Resolvi, para desenfastiar, fazer um caldo de couves. Isso, um caldo de couves. Foi na noite de 25 exactamente. Uns olhinhos de couve-galega, feijão vermelho, batata mal desfeita, uma tirinha de toucinho salgado, um cibo de vaca, azeite com fartura natalícia. A panela foi à mesa de gala, fumegante como a velha locomotiva que arrastava o comboio até Fafe nos tempos em que eu não me comovia por tudo e por nada e em que a minha memória era o futuro.
Foi o nosso jantar. O caldo estava antigo, de repetir e lamber os beiços. Repeti e lambi. O calor, o sabor, o odor, o estupor, quero dizer, o estupor do caldo caiu que nem ginjas, sossegando-me o estômago mais a alma. E, como num filme de reprise, tornou-me à casinha do Santo Velho, à roda da mesa com os meus irmãos, a minha mãe, o meu pai e o Menino Jesus que ainda não tinha nascido. Tornou-me à minha avó de Basto, na cozinha de chão de terra da Casa do Carreiro que cheirava sempre ao meu caldo. Quem me dera lá, sem a sonsice da idade! E de repente topei-me de olhos humedecidos, turvos, uma vagarosa lágrima descompondo-me escandalosamente a cara. De cabeça enfiada na malga, desculpei-me da boca para fora que era do vapor, e pensei: caralho, estás a chorar por causa de um caldo de couves, não tens vergonha? Ainda por cima, este tem carne...
No ano seguinte foi canja e não chorei. É curioso: a canja não puxa ao sentimento.
O tamanho importa
O meu irmão ofereceu-me um livro com oitocentas e noventa e cinco páginas. É a prova que faltava. Aquele gajo não me grama...
Xohana Torres 3
Vivir é só alzarse á dureza da hora
dende o recanto escuro
dalgún patio
dende o recanto escuro
dalgún patio
"Tempo de Ría", Xohana Torres
(Xohana Torres nasceu no dia 22 de Novembro de 1931. Morreu em 2017.)
Leandro Pita Romero 2
A posterioridade que troca o nome dos heroes polo mote das súas fazañas, e chama Cid a Rodrigo Díaz e o Gran Capitán a Gonzalo Fernández, eliminou o nome de Mariano polo alcume de o "Anarquista" con que no adiante o recordou a xente.
Este alcume fo o único que Marica puido herdar de seu pai.
"O Anarquista", Leandro Pita Romero
(Leandro Pita Romero nasceu no dia 22 de Novembro de 1898. Morreu em 1985.)
Este alcume fo o único que Marica puido herdar de seu pai.
"O Anarquista", Leandro Pita Romero
(Leandro Pita Romero nasceu no dia 22 de Novembro de 1898. Morreu em 1985.)
Carlos Cardoso 3
Nus
... por tudo isto, as pessoas que registam devem merecer pelo menos o nosso apreço. São elas que projectam, para lá das fronteiras etárias e sociais, a trajectória que hoje traçamos no éter. Deixá-las registar, bem ou mal, até mesmo os mal - intencionados, que acabam por não ser mais do que o registo de si próprios.
... por tudo isto, as pessoas que registam devem merecer pelo menos o nosso apreço. São elas que projectam, para lá das fronteiras etárias e sociais, a trajectória que hoje traçamos no éter. Deixá-las registar, bem ou mal, até mesmo os mal - intencionados, que acabam por não ser mais do que o registo de si próprios.
Esconder o quê? Andamos nus. E quanto mais nos desnudarmos, mais as gerações vindouras saberão, em silêncio, respeitar a intimidade com que nos demos, entre nós e à Natureza.
Nada se esconde por muito tempo. Nada. Os reis de outrora, tão convencidos que estavam da sua altivez, dos seus adornos de poder, da sua distância em relação aos humildes, são hoje examinados por historiadores, por jornalistas, por «homens comuns», tal como os ratos são examinados num laboratório.
O pudor, as razões de estado, coisas tão importantes num dado momento, depressa passam à periferia da importância à medida que actos de outros, nossos filhos, trazem ao tempo novas definições do que é actual. É preciso muita coragem, e a lucidez de que andamos nus, para que uma nova geração adquira e sintetize, nas suas experiências, as experiências da velha geração. Para que isso aconteça é preciso darmos-lhes tudo, as nossas virtudes e medos, as nossas hesitações, o nosso heroísmo calculado ou de loucura, as nossas lágrimas, o nosso sexo inteiro com o nosso tempo. E dizer-lhes: "Aqui nos têm, nus. Tudo vos demos. Todos os nossos segredos são agora vosso património público. Não ficou nada por vos contar. Tudo aquilo que nos encheu de riqueza a vida vos transmitimos e agora partimos vazios e leves para o túmulo, enfim libertos de qualquer sentimento medíocre de propriedade. Tomem tudo isso e façam de tudo isso prancha do vosso voo para maiores e mais duradoiras felicidades".
Ah! que geração fantástica seria essa, nascida já como professores, como generais, sem terem que descobrir do nada as coisas ridículas que o nosso sentimento de propriedade lhes esconde. Como ela partiria, grávida de dignidade, rasgando novos horizontes espirituais e inventando um mundo ainda hoje inimaginável de vida social.
Quando penso nestas coisas, por vezes tenho que parar porque, de tão belas, se transformam em dor. Especialmente porque aqui neste país há homens e mulheres de rara beleza, gente que de muito sofrer e muito lutar, muito amou. Gente que iniciou a inversão da História, gente que passou a fazer História sabendo isso, sentido isso, em vez de ser apenas produto dela. Sei que esse salto se transmite nas mais pequenas coisas, desde o encontro casual ao comício de massas. Mas falta o resto.
Nós, os que viemos depois, seremos, ou não, as vossas flechas e vocês serão, ou não, o arco que nos projectou.
Contem-nos tudo. Tudo. Contem-nos até as injustiças que praticaram que ninguém vos condenará por isso porque a justiça que semearam é muito maior. E nós contaremos aos outros que virão aquilo que vocês foram e aquilo em que vocês se trasformaram ao enterrarem-se inteiros nos nossos corações e cérebros. Não. Vocês não têm o direito de ficar enterrados no anonimato das vossas próprias memórias.
Carlos Cardoso
Carlos Cardoso
(Carlos Cardoso nasceu em 1951. Morreu no dia 22 de Novembro de 2000.)
quarta-feira, 21 de novembro de 2018
O feitiço contra o feiticeiro
Quando o Feitiço se virou contra o Feiticeiro, o Feiticeiro resmungou: - Mal agradecido...
Microcontos & outras miudezas 115
O futuro tem tempo
Chegou aos 61 anos e deu fé do seguinte: ainda não sabia o que queria ser quando fosse grande.
Mas onde é que eu o deixei?...
Era um avançado muito distraído. No momento supremo do remate - dizem os especialistas -, andava sempre à procura do pé esquerdo...
Ou há moralidade...
Não havia quem lho tirasse da ideia: se um cego é invisual, um surdo é insonoro.
Esta janela não é de fiar
O telemóvel garante-me que lá fora, a esta hora, chove copiosamente. Olho agora mesmo pela janela e vejo um rico dia de sol. Quando parar de chover, vou mandar arranjar a janela.
Passodoblando
Quando o poeta disse "Entram velhas doidas e turistas, entram excursões, entram benefícios e cronistas, entram aldrabões, entram marialvas e coristas, entram galifões de crista", alguém perguntou: - Mas quem caralho é o porteiro?...
O último a rir...
Quando o poeta disse "Deixa-me rir", o pessoal - a verdade é para ser dita - encolheu os ombros e bebeu mais um copo...
É assim...
O poeta disse "É preciso avisar toda a gente", e assim começou a toléria dos telemóveis nos concertos.
É só fazer as contas
Quando o poeta disse "Foram não sei quantos mil", embora pareça, não estava a exagerar...
Une petite différence
A diferença entre panache e panachê é gasosa.
Chegou aos 61 anos e deu fé do seguinte: ainda não sabia o que queria ser quando fosse grande.
Mas onde é que eu o deixei?...
Era um avançado muito distraído. No momento supremo do remate - dizem os especialistas -, andava sempre à procura do pé esquerdo...
Ou há moralidade...
Não havia quem lho tirasse da ideia: se um cego é invisual, um surdo é insonoro.
Esta janela não é de fiar
O telemóvel garante-me que lá fora, a esta hora, chove copiosamente. Olho agora mesmo pela janela e vejo um rico dia de sol. Quando parar de chover, vou mandar arranjar a janela.
Passodoblando
Quando o poeta disse "Entram velhas doidas e turistas, entram excursões, entram benefícios e cronistas, entram aldrabões, entram marialvas e coristas, entram galifões de crista", alguém perguntou: - Mas quem caralho é o porteiro?...
O último a rir...
Quando o poeta disse "Deixa-me rir", o pessoal - a verdade é para ser dita - encolheu os ombros e bebeu mais um copo...
É assim...
O poeta disse "É preciso avisar toda a gente", e assim começou a toléria dos telemóveis nos concertos.
É só fazer as contas
Quando o poeta disse "Foram não sei quantos mil", embora pareça, não estava a exagerar...
Une petite différence
A diferença entre panache e panachê é gasosa.
Eduardo White 3
Assume o amor como um ofício
Assume o amor como um ofício
onde tens que te esmerar,
repete-o até à perfeição,
repete-o quantas vezes for preciso
até dentro dele tudo durar
e ter sentido.
Deixa nele crescer o sol
até tarde,
deixa-o ser a asa da imaginação,
a casa da concórdia,
só nunca deixes que sobre
para não ser memória.
Eduardo White
(Eduardo White nasceu no dia 21 de Novembro de 1963. Morreu em 2014.)
Assume o amor como um ofício
onde tens que te esmerar,
repete-o até à perfeição,
repete-o quantas vezes for preciso
até dentro dele tudo durar
e ter sentido.
Deixa nele crescer o sol
até tarde,
deixa-o ser a asa da imaginação,
a casa da concórdia,
só nunca deixes que sobre
para não ser memória.
Eduardo White
(Eduardo White nasceu no dia 21 de Novembro de 1963. Morreu em 2014.)
terça-feira, 20 de novembro de 2018
Fafe também já teve a sua tourada
Foto Hernâni Von Doellinger |
Campo da Granja, 1963. Uma tourada que terá sido a primeira realizada em terras de Fafe e que, se não me engano, foi a única, até hoje, com touros propriamente ditos. O redondel não era assim tão redondo como o nome poderia indicar: digamos que foi montada uma espécie de lua cheia fanada, cortada em linha recta na zona da bancada, que era para o excelentíssimo público poder estar em cima do acontecimento. Pronto. Lembram-se da bancada do Campo da Granja? Lembram-se sequer do Campo da Granja? Sabem onde era o Campo da Granja? Sabem ao menos o que era o Campo da Granja?
...
E era isto. Fafe também já teve a sua tourada, e consta que continua a ter, mas agora sem touros propriamente ditos. Tem políticos profissionais, oito partidos socialistas, montaria ao javali, chega de bois, corrida de cavalos a passo travado, largada de perdizes, batida à raposa, exposição de columbofilia e concurso de beleza canina. Compreendo a dramática alteração das prioridades autárquicas: a tourada de 1963 foi realmente uma merda. E olé!
Num certo sentido
- Num certo sentido, o caro amigo é um bocado parvo!
- Mas em que sentido, concretamente?
- No sentido Lisboa-Porto.
- Ao quilómetro 143?
- Nem mais.
- Também já andava desconfiado...
- Mas em que sentido, concretamente?
- No sentido Lisboa-Porto.
- Ao quilómetro 143?
- Nem mais.
- Também já andava desconfiado...
Iranildo Sampaio 2
Elogio da pressa
Lanço o meu desafio.
Sou como o pássaro que fica de vigília no pomar
esperando que o fruto amadureça.
Hoje é dia de paz.
Acomodo-me na minha rouquidão e me calo de vez.
O anjo que me guarda não conhece este exílio
onde apodreço sozinho.
Sustento esta bengala.
Lá fora, a tarde protesta contra a minha trajetória
e muda de percurso.
Sufoco os efeitos de minha solidão e continuo alheio
aos meus propósitos.
Não sei recomeçar.
Melhor é ficar dentro do búzio e esperar que o
silêncio reabra novamente suas velhas cortinas.
Reduzo as minhas intenções a um quadro novo
e esbarro no irreal.
Cada instante é uma reta ligando a minha angústia
ao olho do universo.
Tudo me parece relativo.
A vida foge ao controle de minhas decisões
e me deixa perplexo.
Meus caminhos são amplos.
Apalpo a hora vagarosa em sua órbita em torno
do incriado.
Vivo o segredo dos ausentes sem teto.
Estou no centro geométrico de todas as idéias
e não sei o que penso.
Por enquanto, apenas a verdade me aproxima do que sou
e deste tema resumido.
"Teoria da Última Ladeira - Elogio da Pressa", Iranildo Sampaio
(Iranildo Sampaio nasceu no dia 20 de Novembro de 1930)
Lanço o meu desafio.
Sou como o pássaro que fica de vigília no pomar
esperando que o fruto amadureça.
Hoje é dia de paz.
Acomodo-me na minha rouquidão e me calo de vez.
O anjo que me guarda não conhece este exílio
onde apodreço sozinho.
Sustento esta bengala.
Lá fora, a tarde protesta contra a minha trajetória
e muda de percurso.
Sufoco os efeitos de minha solidão e continuo alheio
aos meus propósitos.
Não sei recomeçar.
Melhor é ficar dentro do búzio e esperar que o
silêncio reabra novamente suas velhas cortinas.
Reduzo as minhas intenções a um quadro novo
e esbarro no irreal.
Cada instante é uma reta ligando a minha angústia
ao olho do universo.
Tudo me parece relativo.
A vida foge ao controle de minhas decisões
e me deixa perplexo.
Meus caminhos são amplos.
Apalpo a hora vagarosa em sua órbita em torno
do incriado.
Vivo o segredo dos ausentes sem teto.
Estou no centro geométrico de todas as idéias
e não sei o que penso.
Por enquanto, apenas a verdade me aproxima do que sou
e deste tema resumido.
"Teoria da Última Ladeira - Elogio da Pressa", Iranildo Sampaio
(Iranildo Sampaio nasceu no dia 20 de Novembro de 1930)
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O que é preciso é saber pedir
Cátia Soraia está na universidade e escreveu à mãe a pedir um concelho. A
mãe, que é rica e boa alma, mandou-lhe Freixo de Espada à Cinta.
segunda-feira, 19 de novembro de 2018
Guimarães Rosa 7
Lunático
Vou abrir minha janela sobre a noite.
E já bem noite, a lua,
alta a um terço do seu arco,
terá de deslizar pelo meu quarto adentro,
e passear sobre o meu rosto, adormecido e lívido,
quando eu sair a sonhar pelas estradas noturnas,
sem fim, sem marcos, nem encruzilhadas,
que levam à região dos desabrigos…
Sonharei com mares muito brancos,
de águas finas, como um ar dos cimos,
onde o meu corpo sobrenada solto,
por entre nelumbos que passam boiando…
Ouvirei a rainha do País do Suave Sonho,
cantando no alto sempre o mesmo canto,
como a sereia do sempre mais alto…
E a janela se fecha, prendendo aqui dentro
o raio suave que prendia a lua…
Para que eu soçobre no mar dos nenúfares grandes,
onde remoinham as formas inacabadas,
onde vêm morrer as almas, afogadas,
e onde os deuses se olham como num espelho.
"Magma", Guimarães Rosa
(Guimarães Rosa nasceu no dia 27 de Junho de 1908. Morreu no dia 19 de Novembro de 1967.)
Vou abrir minha janela sobre a noite.
E já bem noite, a lua,
alta a um terço do seu arco,
terá de deslizar pelo meu quarto adentro,
e passear sobre o meu rosto, adormecido e lívido,
quando eu sair a sonhar pelas estradas noturnas,
sem fim, sem marcos, nem encruzilhadas,
que levam à região dos desabrigos…
Sonharei com mares muito brancos,
de águas finas, como um ar dos cimos,
onde o meu corpo sobrenada solto,
por entre nelumbos que passam boiando…
Ouvirei a rainha do País do Suave Sonho,
cantando no alto sempre o mesmo canto,
como a sereia do sempre mais alto…
E a janela se fecha, prendendo aqui dentro
o raio suave que prendia a lua…
Para que eu soçobre no mar dos nenúfares grandes,
onde remoinham as formas inacabadas,
onde vêm morrer as almas, afogadas,
e onde os deuses se olham como num espelho.
"Magma", Guimarães Rosa
(Guimarães Rosa nasceu no dia 27 de Junho de 1908. Morreu no dia 19 de Novembro de 1967.)
Uma boa merda...
A avó mandava-o à merda e ele lá ia todo contente. Levava uma telha e tornava-a a casa cheia de poios de bosta, quanto mais fresca melhor, para selar a porta do forno que cozia o pão. Ir à merda era, naquele tempo, satisfatoriamente adequado.
Benito Losada 2
O demo no corpo
A Rosa, que non e torta,
sinteu antonte chiar
Pepe, e puxose a axexar
polo burato da porta.
Saleu dalí medio cega
cando veu por que chiaba:
era por que lle tiraba
o demo do corpo, un crego.
"Poesías", Benito Losada
(Benito Losada nasceu no dia 19 de Novembro de 1824. Morreu em 1891.)
A Rosa, que non e torta,
sinteu antonte chiar
Pepe, e puxose a axexar
polo burato da porta.
Saleu dalí medio cega
cando veu por que chiaba:
era por que lle tiraba
o demo do corpo, un crego.
"Poesías", Benito Losada
(Benito Losada nasceu no dia 19 de Novembro de 1824. Morreu em 1891.)
Bernardo Santareno 3
[...] Por isto vos incito, a vós, portugueses - nobreza, clero e arraia-miúda; ricos e pobres; virtuosos e pecadores… até a vós, hereges desquitados! -, por isto vos rogo e forço a que, confiando, tenhais esperança. Sim, cristãos, confiai os vossos humanos negócios à magnanimidade de Sua Majestade; esperai a vossa eterna salvação da misericórdia e da justiça do Santo Ofício! E, desta sorte, achareis porto seguro. Guiados pelos dois providenciais Pastores a quem Nosso Senhor confiou o grosso rebanho do gado lusíada, um Real Administrador dos terrenos corpos, o outro Inquisitorial Guardião das imortais consciências, um e outro unidos em estreito abraço redentor, um e outro ajoelhados aos pés de Jesus Cristo [...], um e outro brandindo a espada da Justiça numa das mãos, e na outra o tenro ramo de oliveira… assim, sabiamente conduzidos, assim com muita caridade tosquiados, assim com eficácia provadíssima medicados contra as doenças da contradição, assim, em curto tempo, cantaremos o glorioso "Magnificat" que há-de celebrar a vinda ao mundo do Reino de Deus, o Reino de Deus em Portugal!!! [...]
"O Judeu", Bernardo Santareno
(Bernardo Santareno nasceu no dia 19 de Novembro de 1920. Morreu em 1980.)
"O Judeu", Bernardo Santareno
(Bernardo Santareno nasceu no dia 19 de Novembro de 1920. Morreu em 1980.)
domingo, 18 de novembro de 2018
José Silvano e a anedota de Juca Chaves
Atenho-me ao que diz o jornal. "Depois da polémica sobre a marcação de duas presenças indevidas em plenário" [da Assembleia da República], "José Silvano [deputado e secretário-geral do PSD] garante que não ia manchar o seu nome por supostos 138 euros de ajudas de custo."
E vem-me à memória a velha anedota, contada pelo menestrel brasileiro Juca Chaves. No avião, conversa vai conversa vem com a simpática moça americana, lugar ao lado, ele pergunta:
- Por um milhão de dólares, você faria amor comigo?...
- Por um milhão de dólares é razoável... - responde ela.
- E por vinte dólares? - pergunta ele.
- O garoto está pensando que eu sou o quê, uma prostituta?... - indigna-se ela.
- Que você é, nós já decidimos na pergunta anterior, agora é um questão de preço... - explica ele.
E vem-me à memória a velha anedota, contada pelo menestrel brasileiro Juca Chaves. No avião, conversa vai conversa vem com a simpática moça americana, lugar ao lado, ele pergunta:
- Por um milhão de dólares, você faria amor comigo?...
- Por um milhão de dólares é razoável... - responde ela.
- E por vinte dólares? - pergunta ele.
- O garoto está pensando que eu sou o quê, uma prostituta?... - indigna-se ela.
- Que você é, nós já decidimos na pergunta anterior, agora é um questão de preço... - explica ele.
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