O ano era 1905. Cheguei a tempo da matrícula. Fim de março, começo de abril, não posso precisar. Uma certeza tenho. Chovia. Porque, com a intenção de olhar de longe Olinda (Oh, linda posição para uma cidade...), subi ao tombadilho para não perder a vista famosa. Engravatado, deixei o camarote, gingando com o Jacuípe da Companhia Pernambucana, que lutava desesperadamente com as ondas brabas do Lamarão. Não guardo outra visão que esta de chuva caindo. Atracação, desembarque, cais, Lingüeta, Capibaribe... Tudo se oblitera num fundo, de que, aliás, nada desejo arrancar. Certo eu poderia, a propósito da chegada ao Recife, alinhar períodos e períodos, compor mesmo capítulos de reminiscências históricas e evocações poéticas, mas mentiria se falasse de João Fernandes Vieira, em guerra dos Mascates, em Nunes Machado, em Pedro Ivo, de Maciel Pinheiro, de "À Vista do Recife", de Tobias Barreto, de Castro Alves. Estaria fazendo literatura... da pior, da convencional, da que não devo fazer. Nada disso me veio. Nenhuma das imagens que esses nomes sugerem existia ainda em meu espírito, virgem de história do Brasil. Tobias Barreto, só de nome conhecia. Exagero. Já devia ter visto no Almanaque de Sergipe ou ouvido recitar, na Estância, ou em Aracaju, o "Beija-Flor", que eu ia depois, quando me interessei por poesia, saber de cor, para prazer próprio e para demonstrar aos parnasianos do Rio o que era poesia romântica na sua melhor expressão no Brasil.
"Minha Formação no Recife", Gilberto Amado
(Gilberto Amado nasceu no dia 7 de Maio de 1887. Morreu em 1969.)
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