Já estavam no mar há muito tempo, Suliman, que marcava os dias a faca
numa pilastra de madeira, dizia que eram vinte e oito, quatro semanas,
certa manhã o navio amanheceu parado, Mariana saiu para o convés, o mar
parecia um pano estendido até lá longe, nada se mexia, as velas pendiam
murchas, não havia vento nem ondas, os homens se debruçavam sobre a
amurada, a filha de Dona Júlia riu no seu jeito e disse:
- Já era tempo, não agüentava mais aquelas sacudidelas o dia inteiro.
Suliman olhou para ela sério:
- Não diga o que não sabe, moça. O pior que pode acontecer num veleiro é falta de vento.
Contudo houve uma alegria geral naqueles primeiros dias, Mariana
brincou mais à vontade, o mulato pernambucano bateu num atabaque até
tarde, Maria Gorda jogou uma coisa no mar, seria presente para Iemanjá?,
a avó lembrou-se com nitidez de uma velha imagem, a do momento em que o
homem que a levara de canoa de Abeokutá a Lagos apontara para longe e
dissera: Olha. A lagoa estava tão quieta como este mar de agora, e o que
vira fora o conjunto de casas da cidade em que o tio a vendera. Durante
vários dias o vento não veio, o mar não se moveu, depois de uma semana
de imobilidade o capitão pediu que todos se reunissem no convés,
apareceu e explicou:
- Estamos numa zona de calmaria. Nossa água dá para mais de oito
meses e quanto à comida não há problema, cada um trouxe o que podia e o
navio tem provisões para muito tempo.
"A Casa da Água", Antonio Olinto
(Antonio Olinto nasceu no dia 10 de Maio de 1919. Morreu em 2009.)
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