sábado, 8 de maio de 2021

Portugal de luxo, Portugal de lixo

Só nos primeiros seis meses de 2019 foram apresentados 166 novos projectos de hotéis em Portugal, contavam então os jornais e são os números mais actualizados que sei. Cento e sessenta e seis, repito e por extenso, que a enormidade do número faz por merecer. Dezoito investimentos em carteira para o Porto e treze para Lisboa. Vila Nova de Gaia vai ter a maior obra do País e a minha rua, em Matosinhos, já é ela por ela entre locais e alojamento local.
Nos princípios de 2018 havia 450 mil casas sobrelotadas e 2,5 milhões de casas subaproveitadas. Havia mais de 735 mil casas vazias, umas caindo de velhas, outras ainda por estrear. Em Portugal havia - e há - cada vez mais portugueses sem dinheiro para pagarem ao banco a prestação da casa. Os portugueses devolvem a casa ao banco, sem ondas e sem suicídios. Em Portugal não há dinheiro para ajeitar a vida dos portugueses. E há cada vez mais portugueses morando no olho da rua. É. O País constrói-se para as visitas. Visitas gold, é preciso que se note.
Portugal de luxo, Portugal de lixo. Um site oficial do Governo exultava: "A Pousada do Porto, instalada no Palácio do Freixo, acabou de entrar na prestigiada e exclusiva rede The Leading Hotels of the World. Só os mais luxuosos, prestigiados e sofisticados hotéis são admitidos na referida listagem de apenas 430 unidades em todo o mundo."
Prestigiada e exclusiva, luxuosa, outra vez prestigiada e sofisticada. A Pousada. Um mundo...
Portugal tinha então cinco hotéis na lista dos 100 melhores do mundo, e em 2012 era português o melhor hotel da Península Ibérica e o melhor pequeno hotel de luxo da Europa era em Lisboa. Em Portugal havia mais de 40 hotéis de luxo. Hoje em dia devem ser mais que as mães.
E há também mais de três milhões de pobres, meio milhão de trabalhadores a salário mínimo, um milhão e meio de desempregados ou mais, entre os registados e os desarriscados, milhares e milhares e milhares de sem-abrigo, ninguém sabe ao certo quantos, e um imenso número calado de trabalhadores imigrantes tratados como escravos, ignorados farisaicamente pelo país em peso, quando não lançados sem dó nem piedade para o redondel dos cães racistas.

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