No
quintal dos meus sogros há meia dúzia de roseiras razoavelmente produtivas e
formiguentas. As flores vêm cá para casa, as formigas às vezes também. Cinco
das seis roseiras do quintal dos meus sogros dão rosas vermelhas, mas daquele
vermelho sanguíneo, belíssimo, rosas de livro e de filme, e cheiram a nada,
como se fossem de supermercado, de plástico. A outra roseira, exemplar único,
logo à entrada, dá umas rosas cor-das-mesmas, numa corzinha envergonhada e
pálida, maricas, e porém manda-me cá para fora um perfume que inebria a léguas.
A roseira perfumosa, extraordinária, foi oferecida ao meu sogro, há muitos muitos anos, pelo Gusto Sardão, então coveiro titular do cemitério da então freguesia de Nevogilde, Foz rica, concelho do Porto. Para os registos: Augusto Francisco da Costa Almeida, enterrador de categoria e decilitrador condecorado, creio que uma coisa tem a ver com a outra. O Senhor Augusto - Senhor, para mim, com todo o respeito - tinha a voz mais bagaceira que Deus ao mundo botou, muito mais completa do que a do incompreendido Bruno de Carvalho ou a do incompreensível Joaquim de Almeida, parece que ainda o estou a ouvir, ao coveiro, o que é tecnicamente impossível. Com efeito, um dia o Senhor Augusto resolveu seguir as pisadas da clientela, faleceu ele próprio para não empecilhar o negócio, e actualmente confraterniza com os seus antigos ossos do ofício. Isto é: continua ao serviço, mas agora do lado de dentro. Não sei como nem quem lhe paga a féria.
Mas a roseira. A roseira extraordinária, delicada e odorosa, veio exactamente do cemitério, e isso é que eu ainda não tinha contado, e isso é que a torna realmente extraordinária. Do cemitério de Nevogilde, lugar do "santo" Menino Quim, de bruxedos ao portão e de outros espantos. As rosas, por exemplo: que não alcançam a exuberância cardiofálica e escandalosa dos antúrios de ficção do fotógrafo Jorge Tadeu, na telenovela brasileira Pedra Sobre Pedra, mas que, na sua modéstia, se oferecem abertas e feminis, reais, a quem as queira e saiba desfrutar.
Abençoado cemitério que semelhantes rosas dá. Abençoado. Um cemitério assim é uma provocação, um desafio lançado a quem não acredita em nada para além da óbito. Um cemitério como o do coveiro Gusto Sardão dá sentido e utilidade ao pós-morte, mesmo ao pós-vida dos incréus. Deve ser um conforto morrer sabendo que ao menos seremos estrume. E de rosas. Rosas subtis e perfumadas, rosas extraordinárias.
A roseira perfumosa, extraordinária, foi oferecida ao meu sogro, há muitos muitos anos, pelo Gusto Sardão, então coveiro titular do cemitério da então freguesia de Nevogilde, Foz rica, concelho do Porto. Para os registos: Augusto Francisco da Costa Almeida, enterrador de categoria e decilitrador condecorado, creio que uma coisa tem a ver com a outra. O Senhor Augusto - Senhor, para mim, com todo o respeito - tinha a voz mais bagaceira que Deus ao mundo botou, muito mais completa do que a do incompreendido Bruno de Carvalho ou a do incompreensível Joaquim de Almeida, parece que ainda o estou a ouvir, ao coveiro, o que é tecnicamente impossível. Com efeito, um dia o Senhor Augusto resolveu seguir as pisadas da clientela, faleceu ele próprio para não empecilhar o negócio, e actualmente confraterniza com os seus antigos ossos do ofício. Isto é: continua ao serviço, mas agora do lado de dentro. Não sei como nem quem lhe paga a féria.
Mas a roseira. A roseira extraordinária, delicada e odorosa, veio exactamente do cemitério, e isso é que eu ainda não tinha contado, e isso é que a torna realmente extraordinária. Do cemitério de Nevogilde, lugar do "santo" Menino Quim, de bruxedos ao portão e de outros espantos. As rosas, por exemplo: que não alcançam a exuberância cardiofálica e escandalosa dos antúrios de ficção do fotógrafo Jorge Tadeu, na telenovela brasileira Pedra Sobre Pedra, mas que, na sua modéstia, se oferecem abertas e feminis, reais, a quem as queira e saiba desfrutar.
Abençoado cemitério que semelhantes rosas dá. Abençoado. Um cemitério assim é uma provocação, um desafio lançado a quem não acredita em nada para além da óbito. Um cemitério como o do coveiro Gusto Sardão dá sentido e utilidade ao pós-morte, mesmo ao pós-vida dos incréus. Deve ser um conforto morrer sabendo que ao menos seremos estrume. E de rosas. Rosas subtis e perfumadas, rosas extraordinárias.
P.S.
- Publicado originalmente no dia 5 de Janeiro de 2015.
Sem comentários:
Enviar um comentário