Saudade
De xale posto nos ombros,
toda vestida de preto, acurvada,
de cabelos de neve e de rosto enrugado,
Dona Maria Teresa Moniz e Vasconcelos
volta de assistir à sua missa de todo santo dia...
E miudinha, ligeira, qual uma cigarra,
parece até que está correndo... Fugindo...
Com medo do sol, que enche a cidade inteira,
- casas e ruas, ruas e casas - nesta manhã dominical,
com a sua luz gloriosa, fascinante e entontecedora...
Dona Maria Teresa Moniz e Vasconcelos
chega à porta do seu imponente sobradão colonial...
Entra. Sobe os dois lances da comprida escada
e rapidamente atravessa a varanda senhorial...
Agora está trancada, sozinha no seu quarto,
o aposento mais querido dentre todos,
cheirando muito a velhice e a mistério,
cheio de imagens de santos e de móveis antigos...
(Aposento que vive sempre fechado para toda a gente...)
Dona Maria Teresa Moniz e Vasconcelos
abre, bem devagarinho, bem devagarinho, a sua bolsa...
Tira de dentro uma pequenina chave de prata... Depois,
silenciosa, chega para perto da cômoda de jacarandá
e, curvada, quase de joelhos, puxa o último gavetão...
A suas mãos fidalgas, tão brancas e tão magras,
mãos leves e lindas, mãos longas e frias,
estão tremendo... Tremendo... Tremendo de emoção...
Ela guarda, já nem sabe há quanto tempo,
naquele pesado gavetão da cômoda de jacarandá,
as doces e puras e simples lembranças
de seu longínquo e inesquecível romance da mocidade...
Uma flor... Uma carta... Um retrato...
Corrêa da Silva
(Corrêa da Silva nasceu no dia 20 de Maio de 1917. Morreu em 1951.)
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