Durante uma recepção elegante, a flor dos Ponte Pretas estava a mastigar o excelente jantar quando uma senhora que me fora apresentada pouco antes disse que adorou meus livros e que está ávida de ler o próximo.
- Como vai se chamar?
Fiquei meio chateado de revelar o nome do próximo livro. Ela podia me interpretar mal. Como ela insistisse, porém, eu disse:
- "Vaca Porém Honesta". (*)
Madame deu um sorriso amarelo mas acabou concordando que o nome era muito engraçado, muito original. Depois - confessando-se sempre leitora implacável, dessas que sabem até de cor o que a gente escreve -, madame pediu para que não deixássemos de incluir aquela crônica do afogado.
- Qual? - perguntei.
- Aquela do camarada que ia se afogando, aí os carros foram parando na praia de Botafogo para ver se salvavam o homem. Depois um carro bateu no outro, houve confusão e até hoje ninguém sabe se o afogado morreu ou salvou-se. Lembra-se? Aquela é uma de suas melhores crônicas.
Foi então que eu contei pra ela o caso do colecionador de partituras famosas, que um dia foi a um editor de música procurando o original de certa sonata que fora composta por Haydn e Schumann juntos. O editor ficou olhando para ele e o colecionador esclareceu: - Sei que essa partitura é raríssima, mas eu pagaria qualquer preço por ela.
- Vai ser um pouco difícil - disse o editor - conseguir uma partitura composta por Haydn e Schumann juntos, por vários motivos. Primeiro: quando Schumann nasceu, Haydn tinha morrido no ano anterior.
A leitora que se lembra de tudo que eu escrevi estranhou e perguntou:
- Por que me contou essa história?
- Porque lembra a história que estamos vivendo agora. A crônica sobre o afogado que a senhora diz ser uma das minhas melhores crônicas... quem escreveu foi Fernando Sabino.
Ela achou engraçadíssimo. Papai agrada em festa.
(*) O título, mais tarde, foi trocado, porque a vaca protestou.
(Sérgio Marcus Rangel Porto, que usava o pseudónimo de Stanislaw Ponte Preta, nasceu no dia 11 de Janeiro de 1923. Morreu em 1968.)
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