Foi num estado de vago terror e de íntima náusea que Manuel Salviano se levantou no dia seguinte. Era dia de viajar para o sítio do João da Cancela, onde há meses reunia ao seu redor, uma vez por semana ou pelo menos por quinzena, os lavradores e lenhadores das redondezas. Os encontros eram marcados pelo Cancela quando vinha à marcenaria e, no dia combinado, Salviano levantava-se antes de qualquer galo pensar em cantar. O motivo ostensivo das suas madrugadas semanais era o fato de ir ele encomendar pessoalmente as madeiras de que estava necessitando - mesmo para Irma a explicação era esta. A mulher já sabia, e mesmo na cidade de Juazeiro se começava a saber que Manuel Salviano tinha grande influência entre os trabalhadores. Mas isto era preguiçosamente explicado pelo fato de ser ele um dos pouquíssimos que sabiam ler e escrever. Seja como for, sabia-se de sua influência, mas ignorava-se que ele houvesse estado nas zonas de distúrbios do norte do Paraná ou que, em suas visitas ao sítio de João da Cancela, não tivesse realmente o objeto único de escolher suas madeiras. Muito natural que nessas ocasiões - dizia-se dando de ombros - aqueles pobres ignorantes lhe viessem pedir notícias de Juazeiro e do mundo em geral. Nada havia nisto de estranho.
"Assunção de Salviano", Antônio Callado
(Antônio Callado nasceu no dia 26 de Janeiro de 1917. Morreu em 1997.)
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