Poema
Seremos
formados em boiões de vidro cem por cento neutro
Que nos protegerão como úteros científicos
E assim flutuaremos em soluções a 37 graus centígrados
Até serem abertas as comportas da vida.
Receberemos números e letras de séries,
Revivescência inevitável de nomes e sobrenomes.
As raízes de nossa carne e de nossa mente
Serão fáceis de achar como um frio logarotmo.
Aprenderemos a vida com imperturbáveis olhos de célula fotoelétrica
E com precisos ouvidos de afinação eletrônica.
Comeremos rações balanceadas em restaurantes padronizados.
Não teremos medo, não teremos ódio,
Seremos exatos e pontuais.
A multiplicação não será mais nenhum mistério
E nossos filhos, subcompostos e calculados sem tristezas nem alegrias.
Morreremos
quando o Ministério da Energia Social
Resolver que foi atingido o limite de nossa utilidade funcional.
Mas não duvido que na caixa onde guarda cinzas de mortos
Mãos tímidas poderão ainda colocar flores de vidro asséptico
Num gesto cujo sentido ficou perdido nas eras.
José Guimarães Alves
(José Guimarães Alves nasceu no dia 24 de Janeiro de 1910. Morreu em 1992.)
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