domingo, 22 de janeiro de 2017

Não instagrem isto, por favor

                                                                                                                                   Foto Hernâni Von Doellinger

O jornal Público ensinou-nos ontem o que se deve fazer quando "um prato absolutamente fenomenal (ou não tão fenomenal assim) chega à mesa." E então o que é que se faz? "Come-se? Não, primeiro fotografa-se." E coloca-se no Instagram. Depois, suponho, pede-se a continha, sai-se de casa ou do restaurante chique, "mete-se" o cachecol e vai-se deglutir duas ou três bifanas e uma avestruz à Conga.
Eu não sei o que é o Instagram (aliás cuidava que se chamava Instragam e só mudei de ideias ainda agora depois do computador me corrigir dezasseis vezes), e nem me aquece nem me arrefece que pensem que estou mangar. Sei é de cozinha e de jornalismo também não.
Quem escreve sobre gastronómicas matérias no jornal da Sonae vê-se que tem inúmeros mestrados e consideráveis doutoramentos em Técnicas de Titulagem, mas também se percebe que é gente que só entra na cozinha para perguntar à mãezinha "o que é o comer". Não nego à partida que estas senhoras e estes senhores jornalistas sejam experts em lasanha pré-cozinhada do Lidl ou em rissóis e alegados bolinhos de bacalhau congelados do Pingo Doce, posto que fazem das tripas coração para que o patrão não saiba. Falta-lhes é o resto, a basezinha, como diria o nosso Eça, que, esse sim, sabia de mesa.
Vamos supor: um prato realmente "absolutamente fenomenal" como, não vamos mais longe, um arrozinho de grelos com fanequinhas fritas. Chega à mesa e tira-se-lhe fotografias em vez de se lhe garfar com toda a galhardia? Então vou explicar o que se passa entretanto: o malandro do arroz coalha, fica arroz de hospital, argamassa de atirar às paredes, e as fanecas, esse peixinho tão honesto, esfriam, nem que não seja neste Inverno de gelo, perdem a graça, afeiam-se, desapetitam-nos. Uma tragédia...
E atenção que as fanequinhas frias ainda vá lá, mas no tasco e no Verão. E verão que tenho razão (esta veia poética que não me larga...), quando um dia perderem a cabeça e experimentarem, o Verão e o tasco. Já o arroz segue directamente para o balde do lixo, tamanha dor de alma ainda por cima nestes tempos de incerta TSU.
Também é verdade: há pratos que são como a vingança, devem ser servidos frios. E estes podem ser fotografados à moda das sessões de casamento, quero dizer: entre as oito da manhã e as seis da madrugada do dia seguinte, fixemo-nos, exemplo supra, na orelheira em molho verde. Quanto ao resto, por amor de Deus, escrevam do Trump, não me fodam, não fodam isto. Creio que posso dizer melhor: respeitosamente, comam fotografias à vontade se, tipo, lhes souber bem, mas, por favor, não me instagrem a comidinha a sério (à séria, se lido em Lisboa)...

P.S. - Um tasco é um tasco. Uma tasca ou uma tasquinha são outra coisa...

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