Farto de tanta falta de respeito
Estava farto de tanta falta de respeito. Falta de respeito pela
pandemia, falta de respeito pelo estado de emergência, falta de respeito
pelo estado de calamidade, falta de respeito pelo estado a que isto
chegou, falta de respeito pela quarentena, falta de respeito pelo
confinamento, falta de respeito pela linha da frente, falta de respeito
pela linha do tua, falta de respeito pelo desconfinamento, falta de
respeito pela falta de respeito. Estava farto, farto, farto! E era
hoje!...
Distanciou-se metro e meio da própria sombra, colocou a
máscara, empunhou a bisnaga de álcool gel, subiu o lanço de escadas,
aproveitou a porta apenas encostada, contou até três, entrou de rompante
e gritou: mãos ao ar, isto é um assalto! Ficou admirado. O que
ele queria dizer era: alto e pára o baile - desesperado com aquele
forrobodó todas as noites mesmo por cima da cabeça. Mas estava dito,
estava
dito: desceu com um LCD de 100 polegadas, uma mesa de DJ, seis colunas
de som surround, um globo espelhado, oito CD do Quim Barreiros, dois tablets,
quatro telemóveis, sete relógios - um de sala -, seis pulseiras, cinco
colares, doze pares de brincos, dois pacotes de batatas fritas, meia
piza familiar de cogumelos e fiambre, um pacote de Sugus morango e
framboesa, nove gramas de haxixe, garrafa e meia de vodka, duas
canecas de sangria, vazias, três garrafas de Casal Garcia, treze cartões
de crédito, um vale de reforma e 837 euros em numerário.
Contrafeitas
Eram máscaras contrafeitas. Preferiam ser toalhetes.
A arte do sarapint
Era um extraordinário ciclista e
não fazia caso à gramática. Dizia que gostava de correr "isolado,
sozinho, sem mais ninguém", porque depois, na meta, "cada cal é cada cal
e cada um sarapinta
como pode". Venceu uma Volta a Portugal e era do meu FC Porto e das
minhas memórias. Tive o privilégio de conhecê-lo anos mais tarde, eu
moço, ele já
reformado do pelotão mas não das bicicletas. E então o meu gigante das
estradas era aquele homenzinho? Aquilo é que era o colosso de rodas?
Era. E fiquei a admirá-lo ainda mais, como quem admira um deus de impossíveis.
Meio ambiente
Pergunto: o ambiente não seria melhor se fosse inteiro?
Os santos populares
Santo António, São João e São Pedro são populares porque são nossos,
portugueses nados e criados, gente da nossa terra. Santo António de
Lisboa, São João do Porto e São Pedro da Afurada.
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