Já aqui
contei que o meu avô da Bomba, apesar de quarteleiro dos Bombeiros de
Fafe, nunca se apartou completamente do velho e honrado ofício de
sapateiro com que se iniciara na vida. Enquanto pôde, num cantinho por
baixo das escadas que subiam para "o salão" do quartel da Rua José
Cardoso Vieira de Castro, ele manteve banca e fez, com desenho próprio,
as sandálias e sapatos que calçavam a família. A família lá de casa dele,
quero dizer, mulher e filhos, porque o meu avô não era de dar. E se
dava, eram os bons-dias, mas pedia o troco e recibo com número de contribuinte.
Em todo o caso, fui semanticamente injusto quando chamei sapateiro ao
meu avô da Bomba. Nestes tempos em que nem os cegos são cegos - são
invisuais -, agora que já nem há mentirosos - mas inverdadeiros -, nos
dias em que nem os bois são chamados pelos nomes - têm números -, chamar
sapateiro ao meu avô da Bomba é praticamente um insulto, e estou muito
arrependido.
Se escrevesse hoje, eu diria que o meu avô da Bomba era um mestre do
artesanato, um artista do calfe, uma Joana Vasconcelos por antecipação, e
fazia-lhe um museu; diria que era um
criador de sapatos e dava-lhe um subsídio do QREN; diria que era um caso
exemplar do empreendedorismo nacional e pendurava-lhe mais uma medalha
no 10 de Junho; diria que era um designer de calçado e acompanhava-o à Feira de Milão. É isso, se escrevesse hoje, eu diria que o meu avô da Bomba era um designer de calçado.
P.S. - Publicado originalmente no dia 19 de Novembro de 2015. Hoje é dia 17 e já sabem...
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