A máscara
Adaptou-se razoavelmente ao uso da máscara. Para comer é que era uma desgraça. Um chiqueiro...
Era uma vez uma hamburgueria gourmet
O caro leitor lembra-se (sim, caro leitor, é consigo, é o único leitor que tenho), dizia, o caro leitor lembra-se de eu aqui atrasado ter escrito um coisada chamada "O gourmet não se dá na minha zona"? Não se lembra? Não faz mal. Era assim:
Moro em Matosinhos, na famosa zona dos restaurantes e marisqueiras, que se acotovelam porta sim, porta sim. Pensava portanto que não lembraria ao diabo estabelecer-se aqui no meu território com uma dessas autoproclamadas hamburguerias gourmet, mas a alguém lembrou. Quando, ainda de vidros tapados, vi cá fora os letreiros, pensei: isto nem sequer vai abrir. Mas abriu, e agora penso: daqui a quantos dias é que isto vai fechar? Porque a verdade é esta: o gourmet não se dá à minha volta, e juro que a culpa não é minha. Evidentemente não o frequento, mas, tirando isso, mais nada...
Lembra-se o caro leitor da história do fumeiro, faz agora quatro anos? Foi assim:
Do outro lado da minha estrada (o caro leitor já reparou que, nas nossas cidades, as ruas agora não são ruas, são estradas, e estradas com engarrafamentos e perigosas?), dizia: do outro lado da minha estrada há uma daquelas pequenas lojas tipo "regional gourmet". Azeitonas em frasco, cogumelos em frasco, meles em frasco, geleias em frasco, licores em frasco, frascos em frasco, dois presuntos em fraco, azeites e vinhos em caro, prateleiras um fiasco. Num benévolo gesto de boas-vindas, mal abriu o estabelecimento fui lá cheirar e avisar que o conceito é uma treta e que gourmet a sério é em minha casa, mesmo em frente, porque aqui a comida é muito boa, e gourmet deveria ser isso, mas não estamos abertos ao público. O gourmet - a ver se eu me sei explicar - quer-se da boca para dentro e não da boca para fora, mas não faço concorrência.
Estas lojinhas abrem e infelizmente não vendem nada. São "regionais" porém franchising, very tipical e very vazias, de produtos e clientes. O toque de "qualidade" é dado em palavras "estrangeiras", o que só abona a favor do produto made in Portugal. A loja da minha estrada tinha primeiro uma menina, que passava a vida na ombreira da porta a fumar, fumar, fumar.
A loja não abria desde que o ano entrou. Pensei que tinha sido o fim. Mas graças a Deus enganei-me, que de desemprego já basto eu. A loja reabriu hoje: não está lá a menina, mas um rapaz. Que passa a vida na ombreira da porta a fumar, fumar, fumar. Nas costas, os dois presuntos pendurados no cabide tisicam e agradecem - assim se produz o genuíno fumeiro nacional.
Entretanto. Passou-se uma semana e a lojinha fechou de vez: veio uma carrinha limpar as escanzeladas prateleiras, três sacos de plástico bastaram e lá se foi mais um posto de trabalho, por assim dizer, que é o que a mim me importa. Fico infeliz por ter razão: o conceito era realmente uma treta. Esta gente não sabe o que é massa com bacalhau e o prato a esbordar...
Por falar nisso, hora de almoço: espreito a hamburgueria gourmet, dando-lhe uma última oportunidade. Os únicos "clientes" que vejo são o pessoal da casa, à mesa. Já foste!, digo cá para comigo. É o raio deste microclima sul-matosinhense...
Pois meu dito, meu feito. A coisada acima é do princípio do ano, 11 de Janeiro. Hoje passei pela hamburgueria gourmet da minha zona e, fatal como o destino e com ponto de exclamação e tudo, lá estava afixado o aviso na porta fechada: "Trespasse!"...
Matosinhos tresanda a Matosinhos
Matosinhos cheira mal. Faz parte. E aos domingos mete nojo. Os restaurantes de peixe rebentam pelas costuras e pelas esplanadas, e isso é bom para o IVA, mas fedem e fumegam num alucinante aviso do que decerto será o fim do mundo de um modo geral. Aos domingos, Matosinhos cheira a sardinhas mal descongeladas e a grelhas que não vêem água desde a grande seca de 1948. Cheira também a lixo deitado alegremente à rua sem norma nem excepção. Cheira também aos escapes bronquíticos dos incendiários autocarros da Resende. Quer-se dizer: Matosinhos cheira mal, fede ao natural e ao gasóleo, tresanda a Matosinhos.
Com vista para o mar se me puser de lado, moro há mais de trinta anos ao dobrar da esquina da restaurantíssima e concorridíssima Rua Heróis de França, no epicentro exacto dos vapores e malinas gastronómicas matosinhenses. Por estes dias a Rua Heróis de França está praticamente impraticável, pelo menos desde Tomás Ribeiro até às funduras da Lota, mas suponho que depois da Lota continua. Ecopontos e contentores tresandam perigosamente, mesmo à distância: nauseabundam a comida estragada, a peixe podre, a vomitado, a fermentado, a ranço, a lavadura para porcos, a ácido, a tóxico, a bagaço, a estrume, a bosta. Matosinhos World’s Best Fish, iniciativa da Câmara Municipal para inglês ver, só pode ser um equívoco, uma piada. E o fedor corre pela rua e entranha-se nas casas e nas roupas. Nos pulmões.
O Senhor Varredor que se ocupa de Heróis de França e faz um trabalho impecável, e com quem dou, sempre que podemos, dois dedos de conversa, pediu-me que eu fosse deitando os olhos ali às redondezas dos ecopontos novinhos em folha, porque se calhar um destes dias lá estará ele estendido ao comprido, evidentemente gaseado por aquele fedor que não se aguenta.
Claro que Matosinhos não tem o melhor peixe do mundo. Tem um peixe honestinho, com que me vou regalando cá em casa, e não é peixe de restaurante. É outro peixe, de que a publicidade não sabe, e ainda bem para mim. Por outro lado, Matosinhos terá provavelmente o melhor pior fedor do mundo. Entre o peixinho e o fedor, às tantas nem me queixo. Na verdade, confesso, gosto de Matosinhos assim.
A minha receita de tomates aux gésiers de lapin
Livre de gorduras e lave em duas águas, uma pode ser das Pedras, as moelas de coelho. Meta as moelas de coelho numa marinada feita com sumo de pepino nacional, vinagre balsâmico, azeite de trufa, mel de rosmaninho, gengibre, flor de anis, flor de sal, flor-de-lis, flor-de-lótus e flor-de-ferrari. Deixe a repousar esta marinada dentro de uma embalagem para ovos de codorniz enquanto o ministro da Finanças conta até dez, que é aproximadamente durante duas horas e um quarto. Os ovos de codorniz deviam ter sido tirados antes, agora desfaça-se ao menos das cascas. Lave muito bem os tomates, corte um chapeuzinho numa das extremidades e limpe-os de todas as sementes e nervuras internas. Introduza as moelas de coelho nos tomates, misturando-as com uns pozinhos de queijo com o nome mais arrevesado que encontrar no supermercado. Pegue nos tomates e coloque o chapeuzinho, que vai adornar, de lado, com um pequeno cartão a dizer PRESS. Leve os tomates ao forno durante 180 minutos a 15 graus. Excelente. Está pronto. Retire do forno e deite ao lixo. Aqueça a feijoada que sobrou de ontem, encha o prato até à borda e... seja feliz!
Entre o requinte e o requente
Então? A diferença entre requintado e requentado passa quase sempre despercebida. No arroz de marisco é que se nota mais. E no Verão é caganeira garantida...
P.S. - Apontamentos publicados originalmente nos dias 19 de Maio de 2020, 14 de Julho de 2018, 26 de Julho de 2019, 9 de Setembro de 2011 e 7 de Fevereiro de 2014, pela ordem acima. Hoje, 7 de Junho, é Dia Mundial da Segurança Alimentar. E comam para baixo!, como dizia o Sr. Carvalho, meu sogro.
Outra coisa: agora as respostas começam-se com o interrogativo Então?...
Então?... mas a ordem acima não estará eventualmente desordenada?
ResponderEliminarCom efeito. Mas seguindo a ordem de cima, respectivamente: olha para a América de Trump!
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