Foto Hernâni Von Doellinger |
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018
Jornadas Literárias de Fafe 2018
Nona edição das Jornadas Literárias de Fafe, já na próxima semana, de 5 a 9 de Março, subordinadas ao tema genérico "Ler o mundo, unir comunidades". Mais informação e programa, aqui.
Prova dos noves
Microcontos & outras miudezas 72
Algo de definitivo
Havia algo de definitivo no que ele dizia. Ele dizia: - Já não se fazem cigarros como antigamente...
Algo de nobre
Havia algo de nobre no que ele dizia. Ele dizia: - Salsichas...
Algo de puro
Havia algo de puro no que ele dizia. Ele dizia: - Partagás...
Por trás de um grande homem...
Por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher, diz-se, e era isso que o incomodava. Media doismetrosevintesetecentímetros, há mais de trinta anos que estava em idade casadoira, rebentava de tesão, mas as coisas querem-se na medida certa - pensava. A ele convinha-lhe uma rapariga assim para o manejável, porque, diz-se também, a mulher é boa como a sardinha: pequenina. Até imaginava, gozoso, o retrato matrimonial em cima da cómoda do quarto, a sorte grande e a terminação. Lá o "por trás" era para o lado que ele dormia melhor...
Algo de entusiasmante
Havia algo de entusiasmante no que ele dizia. Ele dizia: - Eia!, ânimo!, bem!, bravo!, upa!, sus!, força!...
Algo de vigoroso
Havia algo de vigoroso no que ele dizia. Ele dizia: - Caralho!
Lembra-te, ó homem...
"Lembra-te, ó homem, que és pó e ao pó hás-de voltar", diz a Bíblia logo na terceira página, ainda as coisas estavam a compor-se. Convenhamos: a Bíblia não é lá muito inspiradora para os cocainómanos em recuperação...
Havia algo de definitivo no que ele dizia. Ele dizia: - Já não se fazem cigarros como antigamente...
Algo de nobre
Havia algo de nobre no que ele dizia. Ele dizia: - Salsichas...
Algo de puro
Havia algo de puro no que ele dizia. Ele dizia: - Partagás...
Por trás de um grande homem...
Por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher, diz-se, e era isso que o incomodava. Media doismetrosevintesetecentímetros, há mais de trinta anos que estava em idade casadoira, rebentava de tesão, mas as coisas querem-se na medida certa - pensava. A ele convinha-lhe uma rapariga assim para o manejável, porque, diz-se também, a mulher é boa como a sardinha: pequenina. Até imaginava, gozoso, o retrato matrimonial em cima da cómoda do quarto, a sorte grande e a terminação. Lá o "por trás" era para o lado que ele dormia melhor...
Algo de entusiasmante
Havia algo de entusiasmante no que ele dizia. Ele dizia: - Eia!, ânimo!, bem!, bravo!, upa!, sus!, força!...
Algo de vigoroso
Havia algo de vigoroso no que ele dizia. Ele dizia: - Caralho!
Lembra-te, ó homem...
"Lembra-te, ó homem, que és pó e ao pó hás-de voltar", diz a Bíblia logo na terceira página, ainda as coisas estavam a compor-se. Convenhamos: a Bíblia não é lá muito inspiradora para os cocainómanos em recuperação...
Paulo Mendes Campos 2
O tempo
Só no passado a solidão é inexplicável.
Tufo de plantas misteriosas o presente
Mas o passado é como a noite escura
Sobre o mar escuro
Embora irreal o abutre
É incómodo meu sonho de ser real
Ou somos nós aparições fantasiosas
E forte e verdadeiro o abutre do rochedo
Os que se lembram trazem no rosto
A melancolia do defunto
Ontem o mundo existe
O agora é a hora da nossa morte
"A Palavra Escrita", Paulo Mendes Campos
(Paulo Mendes Campos nasceu no dia 28 de Fevereiro de 1922. Morreu em 1991.)
Só no passado a solidão é inexplicável.
Tufo de plantas misteriosas o presente
Mas o passado é como a noite escura
Sobre o mar escuro
Embora irreal o abutre
É incómodo meu sonho de ser real
Ou somos nós aparições fantasiosas
E forte e verdadeiro o abutre do rochedo
Os que se lembram trazem no rosto
A melancolia do defunto
Ontem o mundo existe
O agora é a hora da nossa morte
"A Palavra Escrita", Paulo Mendes Campos
(Paulo Mendes Campos nasceu no dia 28 de Fevereiro de 1922. Morreu em 1991.)
Armando Côrtes-Rodrigues 2
Vozes da noite
Vozes na noite! Quem fala
Com tanto ardor, tanto afã?
Falou o grilo primeiro,
Logo depois foi a rã.
Pobre loucura dos homens
Quando julgam entendê-las…
Só eles pasmam os olhos
Neste encanto das estrelas…
Lá no silêncio dos campos
Ou no mais ermo da serra,
Na voz das rãs fala a água,
Na voz dos grilos a terra.
Só eles cantam a vida
Com amor e singeleza,
Por ser descuidada, alegre;
Por ser simples, com beleza.
Pudesse agora dizer-te,
Sem ser por palavras vãs,
O que diz a voz dos grilos,
O que diz a voz das rãs.
Armando Côrtes-Rodrigues
(Armando Côrtes-Rodrigues nasceu no dia 28 de Fevereiro de 1891. Morreu em 1971.)
Vozes na noite! Quem fala
Com tanto ardor, tanto afã?
Falou o grilo primeiro,
Logo depois foi a rã.
Pobre loucura dos homens
Quando julgam entendê-las…
Só eles pasmam os olhos
Neste encanto das estrelas…
Lá no silêncio dos campos
Ou no mais ermo da serra,
Na voz das rãs fala a água,
Na voz dos grilos a terra.
Só eles cantam a vida
Com amor e singeleza,
Por ser descuidada, alegre;
Por ser simples, com beleza.
Pudesse agora dizer-te,
Sem ser por palavras vãs,
O que diz a voz dos grilos,
O que diz a voz das rãs.
Armando Côrtes-Rodrigues
(Armando Côrtes-Rodrigues nasceu no dia 28 de Fevereiro de 1891. Morreu em 1971.)
terça-feira, 27 de fevereiro de 2018
Eles não sabem que o sono...
Dormia, por norma, dezasseis ou dezassete horas, consoante fossem dias ímpares ou pares, respectivamente. Ia ao emprego marcar o ponto de saída e era alvo de todas as críticas, atacado por patrões, colegas e até pelo sindicato. Defendia-se, filosoficamente: - Vocês não sabem que o sono é uma constante da vida, tão concreta e definida como outra coisa qualquer?...
Baptista-Bastos 2
Ou por outra: um bom odor de salsugem, o ruído fundo dos montadores de rebites, a limpeza habitual da querena dos navios. Dobro os olhos míopes e ardidos para o rio, debruço-me da varanda, poiso os pensamentos numa ave grotesca que voeja acima dos telhados, muito acima, e no Pátio das Canas miúdos brincam cim um skate. Confusamente vozes. A parreira de uvas de enforcado, que se espalhou, vitoriosa, no estio, pelo Largo da Adiça, e a cuja sombra, aos domingos, se acolhiam numerosos jogadores de loto - a parreira deixa cair as folhas amareladas, mas os seus retículos parecem veias ainda sanguíneas. Observo toda esta rotação subtil, todos estes movimentos suaves, despeço-me da paisagem quotidiana, sento-me à mesa da escrita e preparo-me para ratear as palavras com minúcia e obstinação.
Começo assim: "Ou por outra: um bom odor de salsugem, o ruído fundo..."
"Elegia Para Um Caixão Vazio", Baptista-Bastos
(Baptista-Bastos nasceu no dia 27 de Fevereiro de 1933. Morreu em 2017.)
Começo assim: "Ou por outra: um bom odor de salsugem, o ruído fundo..."
"Elegia Para Um Caixão Vazio", Baptista-Bastos
(Baptista-Bastos nasceu no dia 27 de Fevereiro de 1933. Morreu em 2017.)
Ruy Belo 5
Povoamento
No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera
"Aquele Grande Rio Eufrates", Ruy Belo
(Ruy Belo nasceu no dia 27 de Fevereiro de 1933. Morreu em 1978.)
No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera
"Aquele Grande Rio Eufrates", Ruy Belo
(Ruy Belo nasceu no dia 27 de Fevereiro de 1933. Morreu em 1978.)
Albino Magaia 2
Descolonizámos o Land-Rover
Já não é carro cobrador de impostos.
Nós descolonizámo-lo.
Já não é terror quando entra na povoação
Já não é Land-Rover do induna e do sipaio.
É velho e conhece todas as picadas que pisa.
É experiente este carro britânico
Seguro aliado do chicote explorador.
Mas nós descolonizámo-lo:
No matope e no areal
Sua tracção às quatro rodas
Garante chegada às machambas mais distantes
Às cooperativas dos camponeses.
Entra na aldeia e no centro piloto
Ruge militante nas mãos seguras do condutor
Obedece fiel a todas as manobras
Mesmo incompleto por falta de peças.
- Descolonizámos o Land-Rover!
Com nossos produtos
Compramos combustível que consome
Com nossa inteligência
Consertamos avarias que surgem
Com nossa luta
Transformamos em amigo este inimigo.
Nós, descolonizadores
Libertámos o Land-Rover
Porque também ficou independente, afinal
Transformaram-se os objectivos que servia
E hoje é militante mecânico
Um desviado reeducado
Uma prostituta reconvertida em nossa companheira.
Descolonizámo-la e com ela casámos
E não haverá divórcio.
De Tete a Cabo Delgado
Do Niassa a Gaza
Da sede provincial ao círculo
Este jeep saúda quando passa
O Caterpillar seu irmão
Outro descolonizado fazedor de estradas
E cruza-se com o Berliet atarefado
Ex-pisador de minas
Eles aprenderam com a G-3
Menina vanguardista na mudança de rumo
A primeira a saber e a gostar
A diferença antagónica
Entre a carícia libertadora das nossas mãos
E o aperto sufocante e opressor do inimigo que servia.
As mãos dos operários que o fabricam
são iguais às mãos dos operários da nossa terra.
Essas mãos inglesas que o criam
Um dia saberão que ajudaram a fazer a revolução
e vão levantar o punho fechado da solidariedade.
Ruge este militante nas picadas da Zambézia
Galga as difíceis estradas de Sofala
Passa pelos pomares de Manica
Pelo milho de Gaza
Pelas palmeiras de Inhambane
Na cidade do Maputo descansa.
Transporta pelo país
Os olhos dos estrangeiros amigos
Que querem conhecer de perto a nossa Revolução.
- Descolonizámos uma arma do inimigo
Descolonizámos o Land-Rover!
Aquelas quatro rodas e um motor potente
Aquela cabine dos mecanismos de comando
Aquelas linhas da carroçaria irmanadas ao medo
Já não afugentam o povo:
Homens, mulheres e crianças do campo
Fazendo sinal ao condutor,
Pedem boleia.
Nós descolonizámos o Land-Rover
E dele
O povo já não foge!
Albino Magaia
(Albino Magaia nasceu no dia 27 de Fevereiro de 1947. Morreu em 2010.)
Já não é carro cobrador de impostos.
Nós descolonizámo-lo.
Já não é terror quando entra na povoação
Já não é Land-Rover do induna e do sipaio.
É velho e conhece todas as picadas que pisa.
É experiente este carro britânico
Seguro aliado do chicote explorador.
Mas nós descolonizámo-lo:
No matope e no areal
Sua tracção às quatro rodas
Garante chegada às machambas mais distantes
Às cooperativas dos camponeses.
Entra na aldeia e no centro piloto
Ruge militante nas mãos seguras do condutor
Obedece fiel a todas as manobras
Mesmo incompleto por falta de peças.
- Descolonizámos o Land-Rover!
Com nossos produtos
Compramos combustível que consome
Com nossa inteligência
Consertamos avarias que surgem
Com nossa luta
Transformamos em amigo este inimigo.
Nós, descolonizadores
Libertámos o Land-Rover
Porque também ficou independente, afinal
Transformaram-se os objectivos que servia
E hoje é militante mecânico
Um desviado reeducado
Uma prostituta reconvertida em nossa companheira.
Descolonizámo-la e com ela casámos
E não haverá divórcio.
De Tete a Cabo Delgado
Do Niassa a Gaza
Da sede provincial ao círculo
Este jeep saúda quando passa
O Caterpillar seu irmão
Outro descolonizado fazedor de estradas
E cruza-se com o Berliet atarefado
Ex-pisador de minas
Eles aprenderam com a G-3
Menina vanguardista na mudança de rumo
A primeira a saber e a gostar
A diferença antagónica
Entre a carícia libertadora das nossas mãos
E o aperto sufocante e opressor do inimigo que servia.
As mãos dos operários que o fabricam
são iguais às mãos dos operários da nossa terra.
Essas mãos inglesas que o criam
Um dia saberão que ajudaram a fazer a revolução
e vão levantar o punho fechado da solidariedade.
Ruge este militante nas picadas da Zambézia
Galga as difíceis estradas de Sofala
Passa pelos pomares de Manica
Pelo milho de Gaza
Pelas palmeiras de Inhambane
Na cidade do Maputo descansa.
Transporta pelo país
Os olhos dos estrangeiros amigos
Que querem conhecer de perto a nossa Revolução.
- Descolonizámos uma arma do inimigo
Descolonizámos o Land-Rover!
Aquelas quatro rodas e um motor potente
Aquela cabine dos mecanismos de comando
Aquelas linhas da carroçaria irmanadas ao medo
Já não afugentam o povo:
Homens, mulheres e crianças do campo
Fazendo sinal ao condutor,
Pedem boleia.
Nós descolonizámos o Land-Rover
E dele
O povo já não foge!
Albino Magaia
(Albino Magaia nasceu no dia 27 de Fevereiro de 1947. Morreu em 2010.)
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018
Piopardo ao saco!...
A caça ao gambozino é uma excelente e pacífica alternativa por exemplo à montaria ao javali. Mantém-se o lado lúdico e ecuménico, o são convívio, o almocinho e a merenda, a sacramental troca de mentirolas, mas poupa-se em perigo e em munições, dando-se uma mãozinha, por outro lado, à indústria nacional da serapilheira. Como se sabe, na caça ao gambozino os caçadores não usam armas de fogo, mas sacos e chibatas, e gritam: - Piopardo ao saco!...
Microcontos & outras miudezas 71
Shakespeaker
Era animador de eventos e tinha queda para as tiradas tipo "Ser ou não ser, eis a questão". Chamavam-lhe Shakespeaker...
Direitos fundamentais
Tenho direito.
Tenho o direito.
Tenho-o direito.
O injustamente esquecido verbo terebintinar
O verbo terebintinar, esse mesmo, miseravelmente ignorado por quem hoje escreve, lê e fala na ainda chamada língua portuguesa. O verbo terebintinar que, como toda a gente sabe, conjuga-se como o verbo pirilamparar. Evidentemente.
O drama brasileiro
O verdadeiro drama brasileiro é este: milhões de pessoas ainda não sabem de que se vão despir no Carnaval.
Ninguém é perfeito
Tinha uma memória prodigiosa. Mas era muito esquecido...
Algo de consolador
Havia algo de consolador no que ele dizia. Ele dizia: - Pronto, pronto, já não dói, já passou...
Algo de luminoso
Havia algo de luminoso no que ele dizia. Ele dizia: - Estás aqui estás a levar uma lamparina...
Era animador de eventos e tinha queda para as tiradas tipo "Ser ou não ser, eis a questão". Chamavam-lhe Shakespeaker...
Direitos fundamentais
Tenho direito.
Tenho o direito.
Tenho-o direito.
O injustamente esquecido verbo terebintinar
O verbo terebintinar, esse mesmo, miseravelmente ignorado por quem hoje escreve, lê e fala na ainda chamada língua portuguesa. O verbo terebintinar que, como toda a gente sabe, conjuga-se como o verbo pirilamparar. Evidentemente.
O drama brasileiro
O verdadeiro drama brasileiro é este: milhões de pessoas ainda não sabem de que se vão despir no Carnaval.
Ninguém é perfeito
Tinha uma memória prodigiosa. Mas era muito esquecido...
Algo de consolador
Havia algo de consolador no que ele dizia. Ele dizia: - Pronto, pronto, já não dói, já passou...
Algo de luminoso
Havia algo de luminoso no que ele dizia. Ele dizia: - Estás aqui estás a levar uma lamparina...
José Mauro de Vasconcelos 5
Lá em casa cada irmão mais velho criava um mais moço. Jandira tomara conta de Glória e de outra irmã que fora dada para ser gente no Norte. Antônio era o quindim dela. Depois Lalá tomara conta de mim até bem pouco tempo. Até ela gostar de mim, depois parece que enjoou ou ficou muito apaixonada pelo namorado dela que era um almofadinha igualzinho ao da música: de calça larga e paletó curtinho. Quando a gente ia aos domingos fazer o "footing" (o namorado dela falava assim) na Estação, ele comprava bala pra mim que dava gosto. Era para eu não falar nada em casa. Nem também podia perguntar a Tio Edmundo o que era aquilo, senão descobriam...
"O Meu Pé de Laranja Lima", José Mauro de Vasconcelos
(José Mauro de Vasconcelos nasceu no dia 26 de Fevereiro de 1920. Morreu em 1980.)
"O Meu Pé de Laranja Lima", José Mauro de Vasconcelos
(José Mauro de Vasconcelos nasceu no dia 26 de Fevereiro de 1920. Morreu em 1980.)
domingo, 25 de fevereiro de 2018
Que culpa é que tem o vinho?
Dizer-se que Alguém tem mau vinho é um insulto ao vinho e uma injustiça. Há quem seja filhodaputa mesmo em jejum e abstinência, e que culpa é que tem o vinho? Mau vinho é outra coisa, e ainda assim serve para vinagre...
P.S. - No próximo programa abordaremos as não menos fracturantes problemáticas do mau fígado, do mau-olhado e do mausoléu.
P.S. - No próximo programa abordaremos as não menos fracturantes problemáticas do mau fígado, do mau-olhado e do mausoléu.
Mal comparando 4
Parecendo que não, há uma diferença assinalável entre o génio da lâmpada
e o génio da garrafa. Eu, por exemplo, embora também aprecie a
competência e o rasgo de um bom electricista, dou muito mais valor à
sabedoria decilitrada de um bêbado manso.
Cesário Verde 5
Frígida
Balzac é meu rival, minha senhora inglesa!
Eu quero-a porque odeio as carnações redondas!
Mas ele eternizou-lhe a singular beleza
E eu turbo-me ao deter seus olhos cor das ondas.
Admiro-a. A sua longa e plácida estatura
Expõe a majestade austera dos invernos.
Não cora no seu todo a tímida candura;
Dançam a paz dos céus e o assombro dos infernos.
Eu vejo-a caminhar, fleumática, irritante,
Numa das mãos franzindo um lençol de cambraia!...
Ninguém me prende assim, fúnebre, extravagante,
Quando arregaça e ondula a preguiçosa saia!
Ouso esperar, talvez, que o seu amor me acoite,
Mas nunca a fitarei duma maneira franca;
Traz o esplendor do Dia e a palidez da Noite,
É, como o Sol, dourada, e, como a Lua, branca!
Pudesse-me eu prostar, num meditado impulso,
Ó gélida mulher bizarramente estranha,
E trêmulo depor os lábios no seu pulso,
Entre a macia luva e o punho de bretanha!...
Cintila ao seu rosto a lucidez das jóias.
Ao encarar consigo a fantasia pasma;
Pausadamente lembra o silvo das jibóias
E a marcha demorada e muda dum fantasma.
Metálica visão que Charles Baudelaire
Sonhou e pressentiu nos seus delírios mornos,
Permita que eu lhe adule a distinção que fere,
As curvas da magreza e o lustre dos adornos!
Desliza como um astro, um astro que declina,
Tão descansada e firme é que me desvaria,
E tem a lentidão duma corveta fina
Que nobremente vá num mar de calmaria.
Não me imagine um doido. Eu vivo como um monge,
No bosque das ficções, ó grande flor do Norte!
E, ao persegui-la, penso acompanhar de longe
O sossegado espectro angélico da Morte!
O seu vagar oculta uma elasticidade
Que deve dar um gosto amargo e deleitoso,
E a sua glacial impassibilidade
Exalta o meu desejo e irrita o meu nervoso.
Porém, não arderei aos seus contactos frios,
E não me enroscará nos serpentinos braços:
Receio suportar febrões e calafrios;
Adoro no seu corpo os movimentos lassos.
E se uma vez me abrisse o colo transparente,
E me osculasse, enfim, flexível e submissa,
Eu julgara ouvir alguém, agudamente,
Nas trevas, a cortar pedaços de cortiça!
"O Livro de Cesário Verde", Cesário Verde
(Cesário Verde nasceu no dia 25 de Fevereiro de 1855. Morreu em 1886.)
Balzac é meu rival, minha senhora inglesa!
Eu quero-a porque odeio as carnações redondas!
Mas ele eternizou-lhe a singular beleza
E eu turbo-me ao deter seus olhos cor das ondas.
Admiro-a. A sua longa e plácida estatura
Expõe a majestade austera dos invernos.
Não cora no seu todo a tímida candura;
Dançam a paz dos céus e o assombro dos infernos.
Eu vejo-a caminhar, fleumática, irritante,
Numa das mãos franzindo um lençol de cambraia!...
Ninguém me prende assim, fúnebre, extravagante,
Quando arregaça e ondula a preguiçosa saia!
Ouso esperar, talvez, que o seu amor me acoite,
Mas nunca a fitarei duma maneira franca;
Traz o esplendor do Dia e a palidez da Noite,
É, como o Sol, dourada, e, como a Lua, branca!
Pudesse-me eu prostar, num meditado impulso,
Ó gélida mulher bizarramente estranha,
E trêmulo depor os lábios no seu pulso,
Entre a macia luva e o punho de bretanha!...
Cintila ao seu rosto a lucidez das jóias.
Ao encarar consigo a fantasia pasma;
Pausadamente lembra o silvo das jibóias
E a marcha demorada e muda dum fantasma.
Metálica visão que Charles Baudelaire
Sonhou e pressentiu nos seus delírios mornos,
Permita que eu lhe adule a distinção que fere,
As curvas da magreza e o lustre dos adornos!
Desliza como um astro, um astro que declina,
Tão descansada e firme é que me desvaria,
E tem a lentidão duma corveta fina
Que nobremente vá num mar de calmaria.
Não me imagine um doido. Eu vivo como um monge,
No bosque das ficções, ó grande flor do Norte!
E, ao persegui-la, penso acompanhar de longe
O sossegado espectro angélico da Morte!
O seu vagar oculta uma elasticidade
Que deve dar um gosto amargo e deleitoso,
E a sua glacial impassibilidade
Exalta o meu desejo e irrita o meu nervoso.
Porém, não arderei aos seus contactos frios,
E não me enroscará nos serpentinos braços:
Receio suportar febrões e calafrios;
Adoro no seu corpo os movimentos lassos.
E se uma vez me abrisse o colo transparente,
E me osculasse, enfim, flexível e submissa,
Eu julgara ouvir alguém, agudamente,
Nas trevas, a cortar pedaços de cortiça!
"O Livro de Cesário Verde", Cesário Verde
(Cesário Verde nasceu no dia 25 de Fevereiro de 1855. Morreu em 1886.)
sábado, 24 de fevereiro de 2018
Lições de História 22: Ezequiel
Ezequiel era um bem sucedido sacerdote e profeta na Babilónia, algures pelo século VI antes de Cristo. Apresentava o telejornal e escreveu um dos 73 ou 66 livros da Bíblia, consoante a cisma, constando o livro de quarenta e oito capítulos, o primeiro dos quais começava prometedoramente assim: "E aconteceu aos trinta anos, no quarto mês, a cinco dias do mesmo, que, estando eu no meio dos cativos, junto ao rio Cobar, se abriram os céus, e tive visões de Deus."
O livro vendeu razoavelmente. Arquivistas, bibliotecários e documentalistas catalogaram-no com o assertivo nome de Livro de Ezequiel, para que não houvesse enganos futuros. Respeitado tanto pelo cristianismo como pelo judaísmo, e talvez até pelo islamismo, Ezequiel era porém um infeliz feliz, sentia que lhe faltava algo. Por não ser época de Ferrero Rocher, resolveu então mudar de vida: deixou o negócio das visões, inscreveu-se numa escolinha de futebol e fez-se jogador. Vi-o algumas vezes em campo, pelado, mas sobretudo com a camisola do Lusitânia de Lourosa, corria para o fim o século XX depois de Cristo.
O livro vendeu razoavelmente. Arquivistas, bibliotecários e documentalistas catalogaram-no com o assertivo nome de Livro de Ezequiel, para que não houvesse enganos futuros. Respeitado tanto pelo cristianismo como pelo judaísmo, e talvez até pelo islamismo, Ezequiel era porém um infeliz feliz, sentia que lhe faltava algo. Por não ser época de Ferrero Rocher, resolveu então mudar de vida: deixou o negócio das visões, inscreveu-se numa escolinha de futebol e fez-se jogador. Vi-o algumas vezes em campo, pelado, mas sobretudo com a camisola do Lusitânia de Lourosa, corria para o fim o século XX depois de Cristo.
Porto vírgula 19
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David Mourão-Ferreira 5
Inscrição estival
Ó grande plenitude!
E a tudo
a tudo alheio,
saboreio.
Absorto
sorvo
este cacho de uvas
tão maduras...
Este cacho de curvas que é o teu corpo.
David Mourão-Ferreira
(David Mourão-Ferreira nasceu no dia 24 de Fevereiro de 1927. Morreu em 1996.)
Ó grande plenitude!
E a tudo
a tudo alheio,
saboreio.
Absorto
sorvo
este cacho de uvas
tão maduras...
Este cacho de curvas que é o teu corpo.
David Mourão-Ferreira
(David Mourão-Ferreira nasceu no dia 24 de Fevereiro de 1927. Morreu em 1996.)
Teófilo Braga 2
A dobadoira
Estava à porta assentada,
dobando a sua meada
A velhinha:
Lenço branco na cabeça
A madeixa lhe sustinha,
E envolve-a como toalha;
Com que pressa
Sentada à porta trabalha!
O sol doira
Seu cabelo,
Que tem a cor da geada;
Para passar o novelo,
A velhinha
De vez em quando sustinha
A gemente dobadoira.
Em que anda branca meada.
Na dobadoira que gira,
Como a mente que delira,
Nem já toda a atenção pondo;
Nem no novelo redondo,
Aumentando
Ao passo que o fio tira,
Todo o seu cuidado emprega!
Pobre e cega,
Ansiada, de quando em quando
Com que tristeza suspira!
Por vezes o movimento
Claro exprime
Tumultuar do pensamento,
Que no imo da alma a oprime
E quase oura!
Muita angústia e paciência
Reflecte-as a intermitência
Do andamento
Ao voltear da dobadoira.
Fica-lhe na mão suspensa
O novelo,
Concentrada não o enleia;
Na órfã netinha pensa!...
Vem-lhe à ideia
Por sua morte:
"Só, no mundo! Entregue à sorte!
Pobre neta..."
Pesadelo,
Que tanto a velhinha inquieta.
Não ouvindo a dobadoira,
Que gemia intermitente,
Caindo da mão dormente
O novelo...
Com desvelo,
A neta, cabeça loira,
Vem à porta
Ver o que foi; com susto olha:
Uma lágrima inda molha
A face à velhinha morta.
"Viriato", Teófilo Braga
(Teófilo Braga nasceu no dia 24 de Fevereiro de 1843. Morreu em 1924.)
Estava à porta assentada,
dobando a sua meada
A velhinha:
Lenço branco na cabeça
A madeixa lhe sustinha,
E envolve-a como toalha;
Com que pressa
Sentada à porta trabalha!
O sol doira
Seu cabelo,
Que tem a cor da geada;
Para passar o novelo,
A velhinha
De vez em quando sustinha
A gemente dobadoira.
Em que anda branca meada.
Na dobadoira que gira,
Como a mente que delira,
Nem já toda a atenção pondo;
Nem no novelo redondo,
Aumentando
Ao passo que o fio tira,
Todo o seu cuidado emprega!
Pobre e cega,
Ansiada, de quando em quando
Com que tristeza suspira!
Por vezes o movimento
Claro exprime
Tumultuar do pensamento,
Que no imo da alma a oprime
E quase oura!
Muita angústia e paciência
Reflecte-as a intermitência
Do andamento
Ao voltear da dobadoira.
Fica-lhe na mão suspensa
O novelo,
Concentrada não o enleia;
Na órfã netinha pensa!...
Vem-lhe à ideia
Por sua morte:
"Só, no mundo! Entregue à sorte!
Pobre neta..."
Pesadelo,
Que tanto a velhinha inquieta.
Não ouvindo a dobadoira,
Que gemia intermitente,
Caindo da mão dormente
O novelo...
Com desvelo,
A neta, cabeça loira,
Vem à porta
Ver o que foi; com susto olha:
Uma lágrima inda molha
A face à velhinha morta.
"Viriato", Teófilo Braga
(Teófilo Braga nasceu no dia 24 de Fevereiro de 1843. Morreu em 1924.)
Rosalía de Castro 5
[...]
Canta xente... canta xente
Por campiñas, e por veigas!
Canta pó lo mar abaixo
Ven camiño da ribeira!
Que lanchas tan ben portadas
Con aparellos de festa!
Que botes tan feituquiños,
Con tan feituquiñas velas!
Todos cargadiños veñen
De xentiña forasteira,
E de rapazas bonitas
Cura de tódalas penas.
Cantos dengues encarnados!
Cantas sintas amarelas!
Cantas cofias pranchadiñas
Dende lonxe relumbrean,
Cal si fosen neve pura,
Cal froles da primadera!
Canta maxesa nos homes,
Canta brancura nas nenas!
Y eles semellan gallardos
Pinos qu' os montes ourean,
Y elas cogolliños novos
C' orballo da mañan fresca.
[...]
"Cantares Gallegos", Rosalía de Castro
(Rosalía de Castro nasceu no dia 24 de Fevereiro de 1837. Morreu em 1885.)
Canta xente... canta xente
Por campiñas, e por veigas!
Canta pó lo mar abaixo
Ven camiño da ribeira!
Que lanchas tan ben portadas
Con aparellos de festa!
Que botes tan feituquiños,
Con tan feituquiñas velas!
Todos cargadiños veñen
De xentiña forasteira,
E de rapazas bonitas
Cura de tódalas penas.
Cantos dengues encarnados!
Cantas sintas amarelas!
Cantas cofias pranchadiñas
Dende lonxe relumbrean,
Cal si fosen neve pura,
Cal froles da primadera!
Canta maxesa nos homes,
Canta brancura nas nenas!
Y eles semellan gallardos
Pinos qu' os montes ourean,
Y elas cogolliños novos
C' orballo da mañan fresca.
[...]
"Cantares Gallegos", Rosalía de Castro
(Rosalía de Castro nasceu no dia 24 de Fevereiro de 1837. Morreu em 1885.)
Estribilhos palermas que ganharam a Eurovisão 19
Hero-uh-o-o-oes
O-uh-o-o-oh
We're dancing with the demons in our minds
Hero-uh-o-o-oes O-uh-o-o-oh
(Heroes, canção da Suécia, 2015)
O-uh-o-o-oh
We're dancing with the demons in our minds
Hero-uh-o-o-oes O-uh-o-o-oh
(Heroes, canção da Suécia, 2015)
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018
Fernanda Seno 3
Tenho sede de abismos e de altura.
Afundo-me nos pélagos de mim.
E em cada meandro de loucura,
Senhor, ainda assim,
ando à Tua procura.
Fernanda Seno
(Fernanda Seno nasceu no dia 23 de Fevereiro de 1942. Morreu em 1996.)
Afundo-me nos pélagos de mim.
E em cada meandro de loucura,
Senhor, ainda assim,
ando à Tua procura.
Fernanda Seno
(Fernanda Seno nasceu no dia 23 de Fevereiro de 1942. Morreu em 1996.)
Aurolina Araújo de Castro 2
Estrelas em traquinadas,
à noite, brincam nos campos,
quando descem disfarçadas
com a luz dos pirilampos.
Aurolina Araújo de Castro
(Aurolina Araújo de Castro nasceu no dia 23 de Fevereiro de 1933. Morreu em 2004.)
à noite, brincam nos campos,
quando descem disfarçadas
com a luz dos pirilampos.
Aurolina Araújo de Castro
(Aurolina Araújo de Castro nasceu no dia 23 de Fevereiro de 1933. Morreu em 2004.)
Estribilhos palermas que ganharam a Eurovisão 18
We're going up, up, up, up, up, up, up
Euphoria, euphoria
We're going up, up, up, up, up, up, up
(Euphoria, canção da Suécia, 2012)
Euphoria, euphoria
We're going up, up, up, up, up, up, up
(Euphoria, canção da Suécia, 2012)
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018
Lá se foram os quatro...
O milagre das pombas
Foto Hernâni Von Doellinger |
Todas as manhãs, faça chuva ou faça sol, dias úteis ou dias inúteis. Todas as manhãs, de saquinho na mão, sai de Matosinhos atravessando o Passeio Atlântico de uma ponta à outra, em passo leve e decidido, e entra breve no Porto. No saquinho leva comida para os pássaros - milho para as pombas e pedaços de pão para os patos mas pouco, para os corvos-marinhos às vezes e para as vorazes e cagonas gaivotas. Sim. Para as gaivotas, raça tão desprestigiada hoje em dia, vítima de perseguição e tentativa de genocídio perpetradas por alguns autarcas aqui da beira-mar. Ele, o homem do passo leve e decidido, dá-lhes o almoço.
E todas as manhãs acontece o extraordinário: por alturas da Rotunda da Anémona, fronteira municipal, as pombas saem-lhe da cartola, materializam-se do nada, fazem-lhe bando por cima da cabeça e acompanham-no em revoadas dançarinas até à distribuição geral, no charco mais ocidental do Parque da Cidade, à porta da Kasa da Praia. As pombas reconhecem o seu benfeitor? Identificam o saquinho? Vão apenas ao cheiro? Serão, por assim dizer, o Espírito Santo em pessoa? Não sei - mas aquilo comove-me. Espanta-me. Fosse em Fátima, e seria certamente milagre.
Servido o festim, o alimentador de pássaros volta para casa pelo mesmo caminho, sempre com uma pequena reserva de pão e de milho no fundo do saco, prevenindo emergências que as há. Pomba tresmalhada ou retardatária, gaivota de asa caída ou manca ou qualquer outra ave freelance também têm direito à sua dose individual, no respeito do espaço de cada qual. É. Os solitários entendem-se...
Estribilhos palermas que ganharam a Eurovisão 17
Hard Rock Hallelujah!
Hard Rock Hallelujah!
Hard Rock Hallelujah!
Hard Rock Yeah!
(Hard rock hallelujah, canção da Finlândia, 2006)
Hard Rock Hallelujah!
Hard Rock Hallelujah!
Hard Rock Yeah!
(Hard rock hallelujah, canção da Finlândia, 2006)
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018
Dia Internacional da Língua Materna, hoje
Lusitânia
Os que avançam de frente para o mar
E nele enterram como uma aguda faca
A proa negra dos seus barcos
Vivem de pouco pão e de luar.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Os que avançam de frente para o mar
E nele enterram como uma aguda faca
A proa negra dos seus barcos
Vivem de pouco pão e de luar.
Sophia de Mello Breyner Andresen
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Sophia de Mello Breyner Andresen
Coelho Neto 5
Cesário, debruçado sobre um grande atlas, aberto em cima da mesa, passeava o longo e nodoso dedo pela carta, resmoneando. Sentindo os passos de Jorge, levantou a cabeça:
- Estamos independentes, hem? Foram-se as gralhas? Pois, meu amigo, grandes e verdadeiras foram as palavras que eu aqui te disse: tenho os ouvidos atordoados ainda e atenta bem a ver se não escutas, de quando em quando, o eco abominável das gargalhadas daquela partênia. Não sentes? São de assombrar, palavra! Precisamos recitar aqui dentro a Oração de Demóstenes ou alguma coisa de Cícero para purificar o ambiente. Dize-me: tens por aí alguma carta do mundo antigo? Ando a refazer o roteiro dos Árias, preciso disso para a minha obra e não encontro nesta carta sórdida senão coisas de ontem, discriminações pulhas de lugarejos vis, sem história, sem tradição, sem passado colônias inglesas, terras esterilizadas pela cobiça e pela crueza dos homens e dos tais sítios nem menção. Vê se descobres por aí nos teus cabedais alguma coisa. Se não tens, dize de uma vez para que eu desça. É possível que encontre na Biblioteca o que preciso. Ainda assim prefiro que procures porque, como é coisa preciosa e útil, decerto não será fácil achar nas estantes da Alexandria indígena.
E curvou-se de novo, mas, sempre passeando o dedo pela carta, interpelou o amigo:
- E a Cegonha, hem? Não foi. Já a vi pensativa e murcha ali na varanda a buscar sonhos no céu com os óculos radiantes. Mulher forte!
- Estamos independentes, hem? Foram-se as gralhas? Pois, meu amigo, grandes e verdadeiras foram as palavras que eu aqui te disse: tenho os ouvidos atordoados ainda e atenta bem a ver se não escutas, de quando em quando, o eco abominável das gargalhadas daquela partênia. Não sentes? São de assombrar, palavra! Precisamos recitar aqui dentro a Oração de Demóstenes ou alguma coisa de Cícero para purificar o ambiente. Dize-me: tens por aí alguma carta do mundo antigo? Ando a refazer o roteiro dos Árias, preciso disso para a minha obra e não encontro nesta carta sórdida senão coisas de ontem, discriminações pulhas de lugarejos vis, sem história, sem tradição, sem passado colônias inglesas, terras esterilizadas pela cobiça e pela crueza dos homens e dos tais sítios nem menção. Vê se descobres por aí nos teus cabedais alguma coisa. Se não tens, dize de uma vez para que eu desça. É possível que encontre na Biblioteca o que preciso. Ainda assim prefiro que procures porque, como é coisa preciosa e útil, decerto não será fácil achar nas estantes da Alexandria indígena.
E curvou-se de novo, mas, sempre passeando o dedo pela carta, interpelou o amigo:
- E a Cegonha, hem? Não foi. Já a vi pensativa e murcha ali na varanda a buscar sonhos no céu com os óculos radiantes. Mulher forte!
"Inverno em Flor", Coelho Neto
(Coelho Neto nasceu no dia 21 de Fevereiro de 1864. Morreu em 1934.)
(Coelho Neto nasceu no dia 21 de Fevereiro de 1864. Morreu em 1934.)
Estribilhos palermas que ganharam a Eurovisão 16
Nothing in the world that could stop me, no sir
Nothing in the world that could stop me, no sir
Nothing in the world that could stop me, no sir
Nothing in the world that could stop me, no sir
No, no, no, no, no
(Everyway that I can, canção da Turquia, 2003)
Nothing in the world that could stop me, no sir
Nothing in the world that could stop me, no sir
Nothing in the world that could stop me, no sir
No, no, no, no, no
(Everyway that I can, canção da Turquia, 2003)
terça-feira, 20 de fevereiro de 2018
Microcontos & outras miudezas 70
Os artigos expostos...
A diferença entre mulher de vida e mulher da vida está no artigo.
Sabedoria popular
Diz o povo, e com razão: - Mais vale omeprazol do que kompensan...
Mal comparando
A lampreia é um ciclóstomo. O Christopher Froome é um ciclístomo.
Mal comparando 2
O polvo é um octópode. Dois linces da Malcata também.
Quadrúpedes
O cavalo é um quadrúpede. Meio polvo também.
A pé, ó vítimas da fome!
- A pé, ó vítimas da fome! - gritou o speaker-cantor. O pavilhão estava cheio mas ninguém se levantou. Era uma fraqueza muito grande....
Algo de estranho
Havia algo de estranho no que ele dizia. Ele dizia: - Hrtdfsgnkge trf dcçy getñwcpzh...
Algo de errado
Havia algo de errado no que ele dizia. Ele dizia: - Doze mais doze são trinta e sete...
Algo de belo
Havia algo de belo no que ele dizia. Ele dizia: - Pôr-do-sol...
Algo de terrível
Havia algo de terrível no que ele dizia. Ele dizia: - Ivan...
A diferença entre mulher de vida e mulher da vida está no artigo.
Sabedoria popular
Diz o povo, e com razão: - Mais vale omeprazol do que kompensan...
Mal comparando
A lampreia é um ciclóstomo. O Christopher Froome é um ciclístomo.
Mal comparando 2
O polvo é um octópode. Dois linces da Malcata também.
Quadrúpedes
O cavalo é um quadrúpede. Meio polvo também.
A pé, ó vítimas da fome!
- A pé, ó vítimas da fome! - gritou o speaker-cantor. O pavilhão estava cheio mas ninguém se levantou. Era uma fraqueza muito grande....
Algo de estranho
Havia algo de estranho no que ele dizia. Ele dizia: - Hrtdfsgnkge trf dcçy getñwcpzh...
Algo de errado
Havia algo de errado no que ele dizia. Ele dizia: - Doze mais doze são trinta e sete...
Algo de belo
Havia algo de belo no que ele dizia. Ele dizia: - Pôr-do-sol...
Algo de terrível
Havia algo de terrível no que ele dizia. Ele dizia: - Ivan...
Manuel Roel
Un verdadeiro Xán
Naceu, puxéronlle Xán;
medrou, e Xán seguiu sendo;
casou, seguiu sendo Xán,
i-en Xán rematou, morrendo.
Meterono na burata,
taparono con terrós,
e um epitáfio decindo:
"Nunca tivo pantalós".
Manuel Roel
(Manuel Roel nasceu no dia 4 de Janeiro de 1898. Morreu no dia 20 de Fevereiro de 1968.)
Naceu, puxéronlle Xán;
medrou, e Xán seguiu sendo;
casou, seguiu sendo Xán,
i-en Xán rematou, morrendo.
Meterono na burata,
taparono con terrós,
e um epitáfio decindo:
"Nunca tivo pantalós".
Manuel Roel
(Manuel Roel nasceu no dia 4 de Janeiro de 1898. Morreu no dia 20 de Fevereiro de 1968.)
Estribilhos palermas que ganharam a Eurovisão 15
J’aime, j’aime la vie (Même si c’est une folie)
J’aime, j’aime la vie (Bravo pour le défi)
J’aime, j’aime la vie, ne m’en veuillez pas
Je suis née comme ça
J’aime, j’aime la vie
(J'aime la vie, canção da Bélgica, 1986)
J’aime, j’aime la vie (Bravo pour le défi)
J’aime, j’aime la vie, ne m’en veuillez pas
Je suis née comme ça
J’aime, j’aime la vie
(J'aime la vie, canção da Bélgica, 1986)
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018
Algo de entusiasmante
Havia algo de entusiasmante no que ele dizia. Ele dizia: - Eia!, ânimo!, bem!, bravo!, upa!, sus!, força!...
Xosé María Díaz Castro 4
Coma ventos fuxidos
Estes non son poemas, nin cimentos
de poemas siquera. Son fragmentos
de min mesmo perdidos,
coma ventos fuxidos,
por antigos camiños esquencidos:
Díaz Castro perdido no traxeito
dun recordo moi longo, recolleito
por un anxo e salvado
nalgún intre de amor desesperado!
"Nimbos", Xosé María Díaz Castro
(Xosé María Díaz Castro nasceu no dia 19 de Fevereiro de 1914. Morreu em 1990.)
Estes non son poemas, nin cimentos
de poemas siquera. Son fragmentos
de min mesmo perdidos,
coma ventos fuxidos,
por antigos camiños esquencidos:
Díaz Castro perdido no traxeito
dun recordo moi longo, recolleito
por un anxo e salvado
nalgún intre de amor desesperado!
"Nimbos", Xosé María Díaz Castro
(Xosé María Díaz Castro nasceu no dia 19 de Fevereiro de 1914. Morreu em 1990.)
Álvaro Maia 2
Última prece
Venho agora com os olhos comovidos,
depois de andar por dédalos velozes,
balbuciar-te a oração de minhas vozes
e o funeral dos últimos gemidos...
Tenho o tremor dos corações feridos
pelo gládio das cóleras atrozes...
Sorvi da dor, em pequeninas doses,
os amargos venenos diluídos...
Sorvi... Na queda, no supremo instante,
vi, debruçado no meu corpo exangue,
o duplo céu de teu olhar constante...
Ergui-me ante essa luz consoladora
para beber da vida de teu sangue
o sangue de uma vida redentora...
"Buzina dos Paranás", Álvaro Maia
(Álvaro Maia nasceu no dia 19 de Fevereiro de 1893. Morreu em 1969.)
Venho agora com os olhos comovidos,
depois de andar por dédalos velozes,
balbuciar-te a oração de minhas vozes
e o funeral dos últimos gemidos...
Tenho o tremor dos corações feridos
pelo gládio das cóleras atrozes...
Sorvi da dor, em pequeninas doses,
os amargos venenos diluídos...
Sorvi... Na queda, no supremo instante,
vi, debruçado no meu corpo exangue,
o duplo céu de teu olhar constante...
Ergui-me ante essa luz consoladora
para beber da vida de teu sangue
o sangue de uma vida redentora...
"Buzina dos Paranás", Álvaro Maia
(Álvaro Maia nasceu no dia 19 de Fevereiro de 1893. Morreu em 1969.)
domingo, 18 de fevereiro de 2018
Lembra-te, ó homem...
"Lembra-te, ó homem, que és pó e ao pó hás-de voltar", diz a Bíblia logo na terceira página, ainda as coisas estavam a compor-se. Convenhamos: a Bíblia não é lá muito inspiradora para os cocainómanos em recuperação...
Lêdo Ivo 2
A escavadeira
Todo silêncio me incomoda.
Ele sempre omite alguma coisa:
uma traição tramada entre as glicínias
a explicação final sobre a existência ou a inexistência de Deus
o rumor dos ratos no entulho
o choque entre a hélice e o vento no aeroporto desativado.
Mas a manhã irrompe no canteiro de obras e ouço o barulho da escavadeira.
Os homens já acordaram e voltaram a construir e a destruir.
Vão fazer novas casas e novos túmulos.
Na manhã de sol o fusca pára no oitão do motel.
Mais uma vez pênis e vagina vão tentar entender-se
neste mundo de tantos descencontros.
A escavadeira escava e as esteiras avançam na cratera aberta como uma corola.
Visto pelo olhos sonolentos do trocador de ônibus que passa pela avenida
o mundo é uma representação.
Todo silêncio me incomoda.
Ele sempre omite alguma coisa:
uma traição tramada entre as glicínias
a explicação final sobre a existência ou a inexistência de Deus
o rumor dos ratos no entulho
o choque entre a hélice e o vento no aeroporto desativado.
Mas a manhã irrompe no canteiro de obras e ouço o barulho da escavadeira.
Os homens já acordaram e voltaram a construir e a destruir.
Vão fazer novas casas e novos túmulos.
Na manhã de sol o fusca pára no oitão do motel.
Mais uma vez pênis e vagina vão tentar entender-se
neste mundo de tantos descencontros.
A escavadeira escava e as esteiras avançam na cratera aberta como uma corola.
Visto pelo olhos sonolentos do trocador de ônibus que passa pela avenida
o mundo é uma representação.
"O Rumor da Noite", Lêdo Ivo
(Lêdo Ivo nasceu no dia 18 de Fevereiro de 1924. Morreu em 2012.)
António Aleixo 6
Embora os meus olhos sejam
os mais pequenos do mundo,
o que importa é que eles vejam
o que os homens são no fundo.
os mais pequenos do mundo,
o que importa é que eles vejam
o que os homens são no fundo.
"Este Livro Que Vos Deixo...", António Aleixo
(António Aleixo nasceu no dia 18 de Fevereiro de 1899. Morreu em 1949.)
(António Aleixo nasceu no dia 18 de Fevereiro de 1899. Morreu em 1949.)
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