Ou por outra: um bom odor de salsugem, o ruído fundo dos montadores de rebites, a limpeza habitual da querena dos navios. Dobro os olhos míopes e ardidos para o rio, debruço-me da varanda, poiso os pensamentos numa ave grotesca que voeja acima dos telhados, muito acima, e no Pátio das Canas miúdos brincam cim um skate. Confusamente vozes. A parreira de uvas de enforcado, que se espalhou, vitoriosa, no estio, pelo Largo da Adiça, e a cuja sombra, aos domingos, se acolhiam numerosos jogadores de loto - a parreira deixa cair as folhas amareladas, mas os seus retículos parecem veias ainda sanguíneas. Observo toda esta rotação subtil, todos estes movimentos suaves, despeço-me da paisagem quotidiana, sento-me à mesa da escrita e preparo-me para ratear as palavras com minúcia e obstinação.
Começo assim: "Ou por outra: um bom odor de salsugem, o ruído fundo..."
"Elegia Para Um Caixão Vazio", Baptista-Bastos
(Baptista-Bastos nasceu no dia 27 de Fevereiro de 1933. Morreu em 2017.)
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