domingo, 25 de fevereiro de 2018

Cesário Verde 5

Frígida

Balzac é meu rival, minha senhora inglesa!
Eu quero-a porque odeio as carnações redondas!
Mas ele eternizou-lhe a singular beleza
E eu turbo-me ao deter seus olhos cor das ondas.

Admiro-a. A sua longa e plácida estatura
Expõe a majestade austera dos invernos.
Não cora no seu todo a tímida candura;
Dançam a paz dos céus e o assombro dos infernos.

Eu vejo-a caminhar, fleumática, irritante,
Numa das mãos franzindo um lençol de cambraia!...
Ninguém me prende assim, fúnebre, extravagante,
Quando arregaça e ondula a preguiçosa saia!

Ouso esperar, talvez, que o seu amor me acoite,
Mas nunca a fitarei duma maneira franca;
Traz o esplendor do Dia e a palidez da Noite,
É, como o Sol, dourada, e, como a Lua, branca!

Pudesse-me eu prostar, num meditado impulso,
Ó gélida mulher bizarramente estranha,
E trêmulo depor os lábios no seu pulso,
Entre a macia luva e o punho de bretanha!...

Cintila ao seu rosto a lucidez das jóias.
Ao encarar consigo a fantasia pasma;
Pausadamente lembra o silvo das jibóias
E a marcha demorada e muda dum fantasma.

Metálica visão que Charles Baudelaire
Sonhou e pressentiu nos seus delírios mornos,
Permita que eu lhe adule a distinção que fere,
As curvas da magreza e o lustre dos adornos!

Desliza como um astro, um astro que declina,
Tão descansada e firme é que me desvaria,
E tem a lentidão duma corveta fina
Que nobremente vá num mar de calmaria.

Não me imagine um doido. Eu vivo como um monge,
No bosque das ficções, ó grande flor do Norte!
E, ao persegui-la, penso acompanhar de longe
O sossegado espectro angélico da Morte!

O seu vagar oculta uma elasticidade
Que deve dar um gosto amargo e deleitoso,
E a sua glacial impassibilidade
Exalta o meu desejo e irrita o meu nervoso.

Porém, não arderei aos seus contactos frios,
E não me enroscará nos serpentinos braços:
Receio suportar febrões e calafrios;
Adoro no seu corpo os movimentos lassos.

E se uma vez me abrisse o colo transparente,
E me osculasse, enfim, flexível e submissa,
Eu julgara ouvir alguém, agudamente,
Nas trevas, a cortar pedaços de cortiça!

"O Livro de Cesário Verde", Cesário Verde

(Cesário Verde nasceu no dia 25 de Fevereiro de 1855. Morreu em 1886.)

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