Seu Valério Garcia tudo presenciou, parado no meio do Largo, estupidificado, como que estuporado da cabeça aos pés. Somente se mexeu para cair, derrubado por um balaço vindo dos altos do Fórum, um coice de burro, de veloz, certeiro e rijo que o atingiu na boca do estômago, quase que no centro exato da cintura.
Ocupar toda a praça fronteira ao Fórum, guarnecer os cantos do jardim, as esquinas do Largo, evacuar, limpar completamente as imediações do Fórum, isso foi obra de instantes para o treinado e ágil Segundo Destacamento do Capitão Eucaristo Rosa.
Quando o oficial desceu o degrau de entrada do sobrado, acompanhado do Sargento Hermenegildo, muitos santanhenses lograram vê-lo, uns através de frestas de janelas, outros por debaixo das mesas ou amoitados atrás do balcão da Confeitaria do Cucute. E ouvi-lo berrar para alguns volantes da Captura que se abeiravam dos corpos estendidos no paralelepípedo e lajes da calçada:
Se afastem! Entrem em forma! Os parentes que tomem conta!
Muitos, muitos anos depois, e Seu Valério Garcia ainda contava, para quem quisesse ouvir, como escapara à chacina de catorze de maio, em Santana do Boqueirão:
Foi Seu Genésio, atacadista de pinga e rapadura, quem me segurou em casa, desde manhã cedo, fecha-não-fecha a compra da safra do Pinhém daquele ano. Se aproveitava, o velhaco, da minha pressa, mo'de a reunião... Me atrasou, acabou levando um vantajão no negócio, mas me salvou a vida, o Seu Genésio...
E também mostrava, para quem quisesse ver, o relógio de algibeira, um patacão de ouro, pateque, redondão e grosso com a bala de carabina, de chumbo, encravada bem no centro:
Parece até milagre, mas o soldado chegou a me enfiar o pé por debaixo do pescoço... Eu 'tava de bruço, e ele ia começando a me desvirar, no chão, a ponta de bota... Na horinha em que o Capitão Eucaristo gritou aquela abençoada ordem!
"Chapadão do Bugre", Mário Palmério
(Mário Palmério nasceu no dia 1 de Março de 1916. Morreu em 1996.)
Sem comentários:
Enviar um comentário