sábado, 4 de março de 2017

Luiz Rabelo

A seca

Hirtos mandacarus. No espaço, rubro e ardente,
Numa tragédia imensa, o sol requeima, abrasa.
Não há, ferindo o céu, nem o gume de uma asa,
Nem no atro solo brota a fecunda semente.
 
É a seca. Tudo morto. O árido chão é brasa.
E torvas, espectrais, sob um sol inclemente,
Legiões de homens nus marcham, ansiosamente,
Em busca de um abrigo: ignota gruta ou casa.
 
É a suprema desdita, uma visão de Dante,
Ora a escarpa descendo, ora subindo, arfante,
Prossegue, ininterrupta, a imensa procissão...
 
Enquanto no alto, lento, as nuvens perfurando,
O torvo abutre, vil - necrófago nefando -
Paira, como a lançar-lhe a sua maldição.


"Meditações", Luiz Rabelo

(Luiz Rabelo nasceu no dia 4 de Março de 1921. Morreu em 1996.)

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