Foi um desespero. A medonha notícia rompeu a noite espavorindo toda a gente, do Rapa aos Naufragados, como se o mundo fosse acabar. Fora do juízo, muitos se embrenharam nos matagais, outros escaparam para terra firme, e o demais povo tratou de esconder-se do invasor castelhano desembarcado em armas na Praia da Ponta Grossa. A caminho de casa, o soldado do Regimento de Linha tarda os passos, avexado pelo acontecido. Deveriam ter lutado - reflete -, mesmo sem condições de vitória, em defesa da terra e da honra dos ilhéus, que preferível seriam a derrota e a morte à vergonha de uma rendição sem glória. José Maria varava a passagem sombreada pelo arvoredo quando o negrinho trepado num alto galho de garapuvu, gritou:
- Tá tudo escondido no engenho do nhô Jordelino!
- Por quê?
- Os espanhóis, ora! Tô aqui de espia. Você me deu um susto, pensei que fosse um deles.
Toma a vereda entre o cafezal, passando de largo pela sua e pela morada da tia. Avista a casa do avô. Como as outras, conserva trancadas janelas e portas, mas a chaminé expele fumaça. Contorna-a e se dirige à atafona. Bate. Alguém espreita por uma fresta e logo a vasta porta é aberta.
- Ah, és tu? Vieste fugido dos castelhanos ou do vento?
Não dá ouvidos à caçoada do pai e joga-se num banco ao comprido da parede de barro, contra a qual descansa o cano da carabina. Arranca da cabeça o gorro e larga-o sobre o banco num gesto brusco.
- Donde vens? - pergunta o avô.
- De Santo Antônio.
Nanda acerca-se do filho, sorri-lhe, toma-lhe as mãos:
- Estás com fome, meu filho?
"Arca Açoriana", Almiro Caldeira
(Almiro Caldeira nasceu no dia 6 de Março de 1921. Morreu em 2007.)
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