quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Afonso Lopes Vieira 3

Pinhal do Rei

Catedral verde e sussurrante, aonde
a luz se ameiga e se esconde
e aonde ecoando a cantar
se alonga e se prolonga a longa voz do mar,


ditoso o Lavrador que a seu contento
por suas mãos semeou este jardim,
ditoso o Poeta que lançou ao vento
esta canção sem fim...

Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
rei Dom Denis, bom poeta e mau marido,
lá vem as velidas bailar e cantar.

Encantado jardim da minha infância,
aonde a minh'alma aprendeu
a música do Longe e o ritmo da Distância
que a tua voz marítima lhe deu;
místico órgão cujo além se esfuma
no além do Oceano, e aonde a maresia
ameiga e dissolve em bruma
e em penumbra de nave a luz do dia.
Por estes fundos claustros gemem
os ais do Velho do Restelo...
Mas tu debruças-te no mar e, ao vê-lo,
teus velhos troncos de saudades fremem...

Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,
são as caravelas, teu corpo cortado,
é o verde pino no mar a boiar.


Pinhal de heróicas árvores tão belas,
foi do teu corpo e da tua alma também
que nasceram as nossas caravelas
ansiosas de todo o Além;
foste tu que lhe deste a tua carne em flor
e sobre os mares andaste navegando,
rodeando a terra e olhando os novos astros,
ó gótico Pinhal navegador
em naus, erguida, levando
tua alma em flor na ponta alta dos mastros!...


Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que grande saudade, que longo gemido
ondeia nos ramos, suspira no ar!


Na sussurrante e verde catedral
oiço rezar a alma de Portugal:
ela aí vem, dorida, e nos seus olhos,
sonâmbulos de surda ansiedade
no roxo da tardinha,
abre a flor da Saudade;
ela aí vem, sozinha,
dorida do naufrágio e dos escolhos,

viúva de seus bens
e pálida de amor,
arribada de todos os aléns
de este mundo de dor:


ela aí vem, sozinha,
e reza a ladainha
na sussurrante catedral aonde
toda se espalha e esconde,
e aonde ecoando a cantar
se alonga e se prolonga a longa voz do mar.


Afonso Lopes Vieira

(Afonso Lopes Vieira nasceu no dia 26 de Janeiro de 1878. Morreu em 1946.)

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