Mais mortos do que vivos. Vivos, vivíssimos só no olhar. Pupilas do sol da seca. Uns olhos espasmódicos de pânico, assombrados de si próprios. Agônica concentração de vitalidade faiscante.
Fariscavam o cheiro enjoativo do melado que lhes exacerbava os estômagos jejunos. E, em vez de comerem, eram comidos pela própria fome numa autofagia erosiva.
Lúcio almoçava com o sentido nos retirantes. Escondia côdeas nos bolsos para distribuir com eles, como quem lança migalhas a aves de arribação.
A cabroeira escarninha metia-os à bulha:
- Vem tirar a barriga da miséria ...
Párias da bagaceira, vítimas de uma emperrada organização do trabalho e de uma dependência que os desumanizava, eram os mais insensíveis ao martírio das retiradas.
A colisão dos meios pronunciava-se no contato das migrações periódicas. Os sertanejos eram mal-vistos nos brejos. E o nome de brejeiro cruelmente pejorativo.
Lúcio responsabilizava a fisiografia paraibana por esses choques rivais. A cada zona correspondiam tipos e costumes marcados.
Essa diversidade criava grupos sociais que acarretavam os conflitos de sentimentos.
Estrugia a trova repulsiva:
Eu não vou na sua casa,
Você não venha na minha,
Porque tem a boca grande,
Vem comer minha farinha...
Homens do sertão, obcecados na mentalidade das reações cruentas, não convocavam as derradeiras energias num arranque selvagem. A história das secas era uma história de passividades.
Limitavam-se a fitar os olhos terríveis nos seus ofensores. Outros ronronavam, como se estivessem engolindo golfadas de ódio.
E nas terras copiosas, que lhes denegavam as promessas visionadas, goravam seus sonhos de redenção.
"A Bagaceira", José Américo de Almeida
(José Américo de Almeida nasceu no dia 10 de Janeiro de 1887. Morreu em 1980.)
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