Aqui atrasado passei dois dias na Urgência de um dos nossos maiores hospitais públicos. Não por mim, nem feliz nem infelizmente. E fiquei com esta impressão, que preferi amadurecer até hoje: no caos em que "funciona", a Urgência é uma indignidade para os doentes, incluindo os que vão só para o lanche ou os hipocondríacos com assinatura; é uma indignidade para os acompanhantes dos doentes, incluindo os mirones e outros estorvadores; é uma indignidade para as enfermeiras e para os enfermeiros que lá trabalham até à exaustão e sem rede; é uma indignidade para as médicas e para os médicos que fazem o que podem e sabem, espreitam cortinas à procura de uma cadeira vaga e parecem baratas tontas no meio daquele circo; é uma indignidade para o hospital (um dos nossos maiores, já disse), para Portugal e para a Humanidade. Uma indignidade e uma violência. Entre mortos e feridos, salvam-se as auxiliares, que cantam e dançam, contam telenovelas e anedotas umas às outras e ao público em geral, destratam toda a gente e mandam naquilo tudo.
Claro que não tem nada a ver (falecer acontece a qualquer um e em todo o lado), mas: um cirurgião morreu ontem, no Hospital de Aveiro, quando estava a operar um paciente.
(Texto escrito e publicado no dia 17 de Abril de 2014. Já se morria nas urgências - eu vi -, e mais não havia "epidemia de gripe", nem "surto gripal", nem o "caos" com aspas com que os políticos gostam tanto de jigajogar. (Os políticos e os jornalistas pelam-se por brincar às escondidas atrás das aspas.) Era apenas o caos normal, o caos do dia-a-dia numa Urgência de carne e osso - em exibição num hospital perto de si.)
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