- O senhor doutor (Rebordão Navarro é formado em Direito e chegou a exercer como advogado e delegado do Ministério Público, antes de se entregar de corpo e alma à escrita) ainda mora lá para a Foz?
Mora. Mas já não na Praça de Liège e era aí que eu queria chegar. Com a minha notável capacidade para fazer figura de parvo, eu estava mortinho por demonstrar mais uma vez quão sólido é o cuspo com que argamasso os meus pindéricos alicerces culturais. E disse, todo vaidoso:
- Sabe, eu tenho o livro, tenho "A Praça de Liège". Se soubesse que me ia encontrar com o senhor doutor, até o tinha trazido para levar uns sarrabiscos. Tenho o livro, está lá em casa...
- Ai tem o livro? Mas eu escrevi mais livros, escrevi para aí uns catorze... - cortou-me a vaza Rebordão Navarro, sem disfarçar o sorriso malandro como o arrozinho de feijão e legumes.
A minha primeira reacção foi largar o habitual "Eu sei!" com que tento sair das enrascadas em que me meto, e recitar ali mesmo, de cor e salteado, da trás para a frente e da frente para trás, por ordem alfabética e depois por ordem cronológica, os outros treze títulos do autor que tinha à minha frente de faca em punho, mas a verdade é que... eu só conhecia "A Praça de Liège". Optei, portanto, por tornar pública a minha segunda reacção, que também me saiu uma boa merda e que foi "Pois faço ideia, mas lamentavelmente não tenho acompanhado a carreira do senhor doutor"...
"A Praça de Liège" foi um sucesso tremendo aquando da sua publicação, em 1988. Era o livro da moda (pois se até eu o comprei!) e ganhou o Prémio Literário Círculo de Leitores. Hoje, no Círculo de Leitores não sabem quem é António Rebordão Navarro. Alguém do Círculo contactou a irmã do escritor, a senhora falou do irmão e do prémio e obteve como resposta um lamentável
- Quem? Rebordão quê? Não conheço...
Pois é: a memória! As empresas enxotam quem sabe da poda, despedem os funcionários pelas mãos dos quais passaram os factos e as pessoas, preferem juniores renováveis, fiam-se no Google mas não vão lá. E depois ninguém sabe nada de nada.
Ouvi dizer que está a acontecer o mesmo nas redacções dos jornais e até me contaram algumas anedotas. São de rir tanto que às tantas até são verdade.
No que me toca, e como penitência pela minha ignorância quanto à globalidade da obra literária de António Rebordão Navarro, que afinal é qualquer coisinha mais do que catorze títulos, aqui deixo o registo essencial, com sinceros votos de que faça também bom proveito à rapaziada do Círculo de Leitores:
Poesia
"Longínquas Romãs e Alguns Animais Humildes", 2005
"A Condição Reflexa", 1989
"27 Poemas", 1988
"Aqui e Agora", 1961
Teatro
"Sonho, Paixão, Mistério do Infante D. Henrique", 1995
"O Ser Sepulto", 1972
Crónica
"Estados Gerais", 1991
Ensaio
"Juro Que Sou Suspeito", 2007
Conto
"Dante Exilado em Ravena", 1989
Romance
"As Ruas Presas às Rodas", 2011
"A Cama do Gato", 2010
"Romance com o Teu Nome", 2004
"Todos os Tons da Penumbra", 2000
"Amêndoas, Doces, Venenos", 1998
"A Parábola do Passeio Alegre", 1995
"As Portas do Cerco", 1992
"Mesopotâmia", 1984
"A Praça de Liège", 1988
"O Parque dos Lagartos", 1981
"O Discurso da Desordem", 1972
"Um Infinito Silêncio", 1970
"Romagem a Creta", 1964
Caro NEQUES
ResponderEliminarCá para mim, este Vieira é o João-Vale-Tudo com bigode. Talvez um dia se F... mas isso é quando deixar de ser presidente dos lampiões!
Gaspar de Jesus
A história ainda não está toda contada, caro amigo. É esperar pelos próximos capítulos.
ResponderEliminarCaro NEQUES
ResponderEliminarAgora quem fez trapalhada fui eu!
Este comentário era para a suposta venda do Roberto e não para o que escreveu sobre o Dr. Rebordão Navarro. O meu pedido de descupas a si e ao Insigne Escritor.
Gaspar de Jesus
Trapalhada nenhuma, e, pela minha parte, o pedido de desculpas é escusado. Este é (até ver) um espaço livre, até no local dos comentários...
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