A ordem dos factores
Deitou as canas e apanhou os foguetes. Agora chamam-lhe Maneta.
A passagem de ano em Fafe era bem porreira no meu tempo. As motas juntavam-se e andavam sem escape à meia-noite, no Largo, como baratas tontas, sem rei nem roque, bebia-se Magos no velho café Peludo e, regra geral, vomitava-se abundantemente. Uma coisa verdadeiramente constada, uma festa inegavelmente de arromba! Vinha povo de fora, até de Guimarães como se fossem espanhóis, a Arcada enchia-se como um ovo, por baixo e por cima, por dentro e por fora. Era o delírio! Tremens. As motas eram sobretudo Zundapp e Sachs, faziam um cagaçal desgraçado e os tombos sem capacete eram saudados como se fossem golo do Benfica! Às vezes a festa metia também ambulância, num extraordinário espectáculo de som, luz e cor. O Magos era uma merda, mas naquela altura eu não sabia, faltava-me ainda o termo de comparação. Fazia também muito frio na rua, que era onde o ano passava, um frio literalmente de rachar, e já era uma sorte do caraças chegar a casa com o nariz e as orelhas inteiras, isto para não falar de outros acessórios corporais por norma mais recatados e indispensáveis. Na manhã do dia seguinte, que só começava, a bem dizer, à noite, o ano novo metia baixa.
Portanto, ia-se ao Largo ver o fim do ano, ia-se à "passage". O ano passava em Fafe apenas uma vez por ano, como no resto do mundo, embora no resto do mundo o ano não passe sempre à mesma hora, mas, não sei porquê, em Fafe parecia que o ano passava todos os dias, isto é, todas as noites. Os de agora podeis não acreditar, mas era assim a vida na nossa terra, e, garanto-vos, era de categoria.
A passagem de ano em Fafe actualmente chama-se Réveillon e é um certame, porque em Fafe hoje em dia tudo é certame, até uma festa profundamente religiosa como a Senhora de Antime, e se não é certame, pelo menos é evento e de certeza é icónica, a passagem de ano, porque em Fafe agora tudo é icónico. De acordo com os anúncios, o Réveillon 2025-2026 sucede no quentinho do Pavilhão Multiusos e apresenta uma série de peripécias com nomes estrangeiros, incluindo os artistas, tem área gold, área premium, área vip e área white, que deve ser o antigo peão, e todos os utentes, talvez prevenindo, devem usar pulseiras de cores diferenciadas como nas urgências dos hospitais. Motas a desbundar e ambulâncias em tinoni é que nada, em princípio, mas até pode ser que se arranje. Com efeito, está também prometida uma coisa chamada "pirotecnia de interiores", Deus queira que ninguém se aleije.
(Versão revista, actualizada e aumentada, publicada ontem no meu blogue Mistérios de Fafe)
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